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Façam o seu jogo, mas não tenham ilusões

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 30 nov 1987, 22h00

Luiz Barco

 A chance de cair o cinco no lançamento de um dado é de um 1/6. Há uma chance ligeiramente superior a 60% de que o candidato A seja o vencedor na eleição. É muito remota a chance de que a Constituinte restaure a monarquia no Brasil.

São três expressões de julgamento de probabilidade, mas cada uma exemplifica uma modalidade diferente. A primeira é exemplo de uma probabilidade a priori e tem relação com o cálculo matemático das chances. A segunda é um julgamento estatístico. A terceira avalia o grau de confiança na ocorrência de um acontecimento.

Certa vez observei um jovem engenheiro que tentava aumentar suas chances de acerto desdobrando cartões de apostas da Loto e ouvi dele a idéia bizarra de que, marcando 50 dos 100 números disponíveis, teria 50% de possibilidades de formar a quina vitoriosa. Com alguma dificuldade construí ali um pequeno modelo para mostrar àquele apostador quantas quinas estão disponíveis nos cem números do cartão, e quantas eram possíveis nos 50 em que ele apostara. Só assim ele se convenceu de que nem de longe o segundo número é a metade do primeiro.

Para os que se interessam, devo esclarecer que esse modelo seria a combinação, sem repetição, de 50 dezenas tomadas 5 a 5, dividida pela combinação, sem repetição, de cem dezenas tomadas cinco a cinco. O resultado é aproximadamente 0,028, ou seja, quase 3%. Para atingir os 50% com que sonhava, o jovem apostador precisaria cobrir 88 das 100 dezenas disponíveis.

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Não quero que esse artigo seja uma crítica moral ao jogo, mas apenas manifestar minha estranheza pelo fato de que as pessoas raramente têm noção dos valores e números envolvidos nessas apostas e de suas chances reais de acerto. Por exemplo: quem marcar um cartão com dez números, o máximo permitido pelo regulamento, estará cobrindo 756 quinas. Parece muito? Pois é quase nada, tendo em vista que a combinação das cem dezenas torna possível a formação de 75.287.520 quinas. Uma possibilidade insignificante de apenas 0,00001 de acertar. Seria o mesmo que, num jogo de cara ou coroa, apostar antecipadamente que vai dar cara dezessete vezes seguidas – e acertar.

A maioria das pessoas concordará que o jogo, praticado com moderação, tem suas virtudes. Difícil é essas pessoas concordarem em definir essa moderação. O medo de praticar o jogo sem moderação sempre foi menor que a indulgência para com os prazeres que ele proporciona. E os grandes laboratórios de pesquisas ou conglomerados financeiros, ou ainda as companhias de seguros, são hoje, em graus diversos, monumentos a uma ciência que parece ter nascido dos copos de jogar dados.

Consta que um jogador do século XVII, Chevalier de Méré, quis uma informação sobre a distribuição das combinações no jogo de dados. Sua curiosidade deu origem a uma troca de correspondência entre dois notáveis matemáticos da época, Blaise Pascal e Pierre Fermat, este então conselheiro da Câmara Municipal de Toulouse, na França – e daí resultou a teoria da probabilidade. Sucederam-se pesquisas de vários outros matemáticos, e foi um deles, Pierre Laplace, também astrônomo, quem observou: “É extraordinário que uma ciência que começou com considerações sobre o jogo tivesse se elevado até os mais importantes assuntos do saber humano”.

Hoje em dia os estudantes da probabilidade, na maioria das vezes, são estimulados pela busca de resultados. Como o resultado do cálculo é inexorável, transferem essa inexorabilidade para o fato estudado, deformando-se assim o mais rico sentido maior do estudo da probabilidade. O matemático estima a probabilidade ou pela contagem das possibilidades envolvidas, ou pelo estudo das freqüências com que essas possibilidades já ocorreram. Quando acontece um fato que ele estimou raro, rejubila-se, mas sabe dar o devido valor ao seu acerto. Já o homem comum reforça sua crença na sorte, se o fato lhe é benéfico, ou azar, se ele é maléfico e lhe causa desagrado.

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