Farsas e fotos
A luz bate no filme e a realidade fica estampada em papel. Mas será mesmo que a fotografia conta a verdade?
Maurício Horta
DOCUMENTO POSADO
A Morte do Soldado Legalista é a mais emblemática imagem da Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Foi ela que fez de Robert Capa (1913-1954) um titã da fotografia aos 22 anos. Mas o húngaro gostava tanto de uma boa história que, segundo seu biógrafo Richard Whelan, não se importava em aumentar os fatos – ou mentir descaradamente. E um estudo recente mostra o que já se suspeitava: sua mais célebre foto pode ter sido posada. O professor José Manuel Susperregui, da Universidade do País Basco, concluiu em 2009 que a foto não foi tirada em Cerro Muriano, front da batalha, mas a 55 quilômetros, em Espejo, onde só houve exercícios militares.
BEM NA FOTO
Nos primórdios da fotografia, retoques radicais eram vistos como parte da arte, e não como má manipulação. Foi o que aconteceu neste retrato de Abraham Lincoln (1861-1865). Não havia como esconder o rosto ossudo, a napa enorme e os olhos afundados do presidente dos EUA. Mas dar uma pose mais majestosa foi fácil: decaptaram uma foto do esbelto John Calhoun, vice-presidente (1825-1832) bem anterior. Depois, foi só colar a cabeça do presidente. Tanto fez o fato de Calhoun ser um defesor da escravidão, abolida pelo próprio Lincoln.
JORNALISMO MENTIRA
Esta foto não foi retocada nem recortada. O problema é o que está fora dela. No dia 9 de abril de 2003, o Exército americano derrubou a estátua de Saddam Hussein e, no dia seguinte, imagens como a acima tomaram as primeiras páginas de jornais por todo o mundo. O colunista William Safire, do jornal The New York Times, chegou a comparar a comemoração de civis iraquianos com a multidão de alemães derrubando o Muro de Berlim. Mas, enquanto o enquadramento das fotografias dava a impressão de que o local estava lotado, basta ver imagens mais abertas para constatar que a praça estava quase vazia.
NA URSS, A FOTO APAGA VOCÊ
Para Stálin não bastava matar ou mandar para a Sibéria seus adversários (e aliados). Eles precisavam desaparecer também nas fotografias. A coisa piorou em 1937, início do expurgo de centenas de milhares de membros do Partido Comunista – e do próprio gabinete do ditador. Esta sequência mostra a cúpula do Partido em 1926: ao lado de Stálin, Nicolai Antipov, Sergei Kirov, Nikolai Shvernik. Preso e executado em 1941, Antipov foi o primeiro a sumir da foto. Depois disso, os demais sumiram um por um, até sobrar apenas Stálin.
Saiba mais
The Commissar Vanishes
David King, Metropolitan Books, 1997