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Ideia 53: A reinvenção da escola

Sim, um professor vale mais do que o Neymar. E sem investir neles o Brasil continuará semi-analfabeto. Mas a solução só virá mesmo com algo bem maior: uma revolução nos métodos de ensino

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 5 jan 2014, 22h00

André Gravatá

“Ao entrar na escola pública, encontrei alunos que não conseguiam decifrar palavras no fim do ensino fundamental. Como eles passam tantos anos na escola e não aprendem o mínimo?”, diz Caroline da Silva, professora de escola municipal de São Paulo. Infelizmente, a situação que Caroline encontrou na sala de aula é uma realidade comum: quase um terço dos brasileiros é incapaz de compreender esta frase. Quase 10% da população é incapaz de escrever o próprio nome, e outros 20% são os chamados “analfabetos funcionais” – eufemismo do IBGE para aquelas pessoas que reconhecem as palavras mas não conseguem interpretar um texto minimamente.

Existem várias explicações para essa (falta de) educação ligadas à falta de investimento. Escolas com péssima infra-estrutura, salas de aula lotadas, professores mal pagos, mal preparados e desmotivados. Mas a verdade é que a escola também se distanciou da realidade em que vivemos. Ela ainda reproduz um modelo baseado na decoreba de assuntos desconectados da prática e não consegue estimular os alunos a aprenderem nem sequer o tal “mínimo”.

Em pleno século 21, com tanta informação disponível, esse formato de ensino que não valoriza a criatividade e a capacidade dos alunos de conectar novos conhecimentos está em crise. “A escola não muda a sociedade, mas muda com a sociedade”, diz o educador português José Pacheco. Criador de um modelo de ensino de referência no seu país, ele hoje trabalha no Brasil como mentor do Projeto Âncora, escola que vira o ensino tradicional pelo avesso.

“Defendo um salário digno para os professores brasileiros, mas isso sozinho não vai resolver os problemas da educação”, diz Pacheco. “Eles podem ganhar dez vezes mais, mas não vai adiantar se continuarem a repetir as práticas de hoje. A solução é mudar a cultura da escola.”

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O Projeto Âncora faz sua parte. A escola em Cotia (SP) atende cerca de 300 estudantes de baixa renda de 3 a 15 anos com uma proposta baseada na autonomia do aluno. Para efeitos burocráticos, eles estão no ensino infantil ou no fundamental. Mas, na prática, não há séries ou disciplinas separadas. Os alunos desenvolvem projetos sobre assuntos deu seu próprio interesse, escolhidos por eles mesmos (no último semestre, os temas foram de escravidão a kung fu). O conhecimento é assimilado de forma integrada, tudo ao mesmo tempo. Os alunos são incentivados a encontrar soluções em equipe, baseados em experiências reais, exatamente como vão precisar fazer na vida fora da escola. Ao estimular a solução de problemas em conjunto, a ideia é favorecer um clima de cooperação, em vez de competição. E o trabalho coletivo vai além dos projetos em grupo. A cada quinzena, os alunos fazem assembleias com os professores para debater rotinas e regras de convivência. “É sempre um trabalho por consenso”, diz o professor Victor Lacerda. Dar voz ativa aos alunos faz com que eles se envolvam mais com a aprendizagem.

Essa subversão da grade curricular não é exclusividade do Âncora, mas uma resposta comum de escolas que inovam para resolver a falta de conexão entre disciplinas. Na Índia, a Riverside School também tem essa dinâmica. Quando o tema foi chocolate, por exemplo, as crianças pesquisaram, fabricaram e venderam o dito cujo. Durante o processo, aprenderam ao mesmo tempo história, biologia, química e matemática. O aprendizado já vem empacotado com sua aplicação. De quebra, o trabalho é uma experiência social, em que eles desenvolvem conhecimentos úteis normalmente negligenciados no ensino convencional, como relações pessoais e culinária.

O uso de estratégias para engajar o aluno no processo de aprendizagem é uma das principais tônicas dessa reinvenção do ensino. Na escola pública Quest to Learn, de Nova York, o uso de jogos está na essência do ensino. Lá, quase tudo envolve “gamificação” – uso da dinâmica de jogos para abordar temas do cotidiano. Os alunos aprendem a resolver equações, por exemplo, com jogos de mesa. Ou então fazem engenhocas como as destas páginas, que substituem as tradicionais provas escritas de fim de bimestre. O objetivo é acompanhar o desenvolvimento da capacidade dos alunos para trabalhar em grupo e solucionar problemas reais. A busca por soluções para cada parte do invento extrapola os limites da escola. Os estudantes buscam ideias em qualquer lugar. Por trás desta gincana, está algo maior: fazer do mundo inteiro um espaço de aprendizagem. Os alunos são incentivados a exercitar a busca por conhecimento onde quer que estejam, não apenas na sala de aula.

A estrutura dessas instituições, como é de se esperar, também é diferente. Na Quest to Learn, os alunos se espalham por salas com cadeiras em grupo. Há livros, pincéis e tintas à disposição, e as paredes são cobertas por desenhos. “Quando descobri a escola, senti na hora que queria estudar lá”, diz Rocco Rose, 14 anos.

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O professor facilitador
Nesse ambiente em que os alunos parecem mandar na escola, o professor desce do pedestal. A descentralização da autoridade e a valorização da liberdade do aluno são marcas centrais dessas escolas inovadoras. “Aquele jeito hierárquico de lidar com a educação é bastante ultrapassado e ineficaz para o mundo dinâmico em que vivemos hoje”, diz Victor Lacerda, educador do Projeto Âncora. Na construção das engenhocas da Quest to Learn, por exemplo, os professores não ensinam a montar nada. Em vez disso, eles facilitam o processo indicando caminhos e dando pistas sobre onde descobrir o que precisam para que o projeto funcione. “A maneira mais efetiva de ensinar é deixar os estudantes no controle da sua própria aprendizagem”, afirma Elisa Aragon, diretora da Quest to Learn.

Se o professor perde sua condição de “proprietário” de um conhecimento que vai apenas entregar, a figura dos alunos obcecados em decorar conteúdos em busca das melhores notas se torna algo raro. Nessa proposta de educação, em um mundo onde a Wikipedia pode ser acessada do celular, o cdf – e sua quantidade exorbitante de conhecimento na ponta da língua – deve entrar em extinção. A ignorância, essa sim, tem sido cada vez mais valorizada como um instrumento importante de aprendizagem. Nos EUA, Stuart Firestein, professor de biologia e pesquisador da Universidade Columbia, fez sucesso com o livro Ignorance: How it Drives Science (“Ignorância: como ela guia a ciência”, sem edição no Brasil). “O propósito de conhecer um monte de coisas não é saber um monte de coisas, mas ser capaz de elaborar questões profundas e interessantes”, escreve. É exatamente essa grande interrogação que os professores facilitadores querem manter acesa na mente dos alunos. A ideia é incentivar constantemente a sua curiosidade e fazer do aprendizado mais um instrumento que um fim.

Certo, tudo isso pode ser muito legal, mas difícil de implantar no rígido sistema educacional brasileiro, não é? Nem tanto. “A homogeneidade não é obrigatória para as escolas – e é a pior palavra que podemos usar para resumir um espaço de aprendizagem”, diz Pilar Lacerda, ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação. Ela lembra que a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, que rege a educação nacional, prevê a autonomia das escolas na elaboração do seu projeto pedagógico, entre outras aberturas. Ou seja, o Brasil já tem uma porta aberta para a experimentação. Tanto que já existem escolas do tipo no país. O que falta, como acredita José Pacheco, é conhecer, valorizar e divulgar essas novas práticas.

E às vezes nem é preciso criar uma nova escola do zero. Pequenas atitudes dos professores que se mobilizam dentro dos colégios tradicionais já produzem impactos significativos. É o caso de Caroline da Silva, aquela que, no começo desta matéria, se impressionou com o analfabetismo de seus alunos no fim do ensino fundamental. A professora organizou um pequeno festival na escola, com apresentações de música e dança, oficinas de origami e mágica, entre outras atividades. Organizando tudo, descobriu que havia um piano abandonado em uma sala fechada da escola. “Procuramos a chave e vimos que o instrumento não estava quebrado, apenas desafinado”, diz. Com a ajuda de uma aluna que sabia tocar, o piano virou uma grande atração do evento. Com o pouco que tinha, ela incentivou outra prática valorizada nas escolas inovadoras: a de aprender com o corpo inteiro, não apenas com a cabeça.

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A iniciativa mostra que atitudes simples e baratas podem ensaiar uma nova melodia em nossas desafinadas escolas públicas. Valorizar essas atitudes pode ser a chave para reverter um triste indicador de nossa educação. Um em cada quatro alunos que entram no ensino fundamental abandona os estudos pela metade. Entre os 100 países com maior índice de desenvolvimento humano, o Brasil tem o terceiro maior índice de evasão escolar. Aumentar o salário dos educadores, essas pessoas com o potencial de operar pequenas revoluções e mudar nosssa realidade, seria justo. Mas reinventar a escola pode não depender tanto assim de dinheiro, e sim de mais disposição para pensar a escola de um jeito diferente.

Ideia 59: Mais dinheiro para a educação

O Brasil precisa investir melhor o dinheiro que destina à educação. Mas também é preciso investir mais. O piso nacional dos professores que ensinam o bê-a-bá é de R$ 1.560. É o pior salário do país, entre as carreiras de nível superior. Hoje, eles recebem em média apenas 59% do que ganham outros profissionais com faculdade.

“O salário e o plano de carreira são primordiais. Estamos perdendo educadores”, diz Jamil Cury, professor da pós-graduação em educação da PUC-MG. O Plano Nacional de Educação, em discussão no Senado, exige que se invista 7% do PIB nos próximos cinco anos e 10% até o fim da década. Seria um bom reforço para diminuir a diferença de investimento por aluno que existe entre o Brasil e países mais desenvolvidos.

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Sem dinheiro
Um único estudante americano recebe o mesmo investimento que 4,4 brasileiros.

Investimentos em educação por aluno *

1º Luxemburgo – US$ 19.964

Noruega – US$ 13.066

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3º Estados Unidos – US$ 11.859

29º Brasil – US$ 2.653

30º México – US$ 2.278

31º Turquia – US$ 2.008

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