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Juros milionários

Se não fosse o número transcendental ¿e¿ os bancos estariam perdidos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 28 fev 1998, 22h00

Luiz Barco

Outro dia fui a um banco e, ao me explicar as vantagens de certa aplicação, a gerente afirmou:

“Seu dinheiro rende pouco, agora que a moeda está estável, mas rende sempre, continuamente, desde a hora em que o senhor deposita…” Quando ela terminou, perguntei: “Essa história de o dinheiro render continuamente é mesmo pra valer?” “Claro que sim”, foi a resposta. Lembrei-me então do modo como Kasner e Newman, em seu livro Matemática e Imaginação (Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1976) explicaram o número “e”, que é a base do logaritmo natural. Existem vários desenvolvimentos para esse tipo de logaritmo. Resolvi usar o de (1+1/n)n para n crescente e, assim, brincar com a moça.

Se uma instituição financeira resolve remunerar seu capital à taxa de 2% ao ano, isto é, pagar 2 reais por ano para cada 100 reais que você invista, isso equivale a multiplicar o seu capital por (1 + 0,02) ao final de cada ano. Assim, se o capital ficar aplicado por três anos, ele será multiplicado por (1 + 0,02)3. Imagine agora que esses juros são capitalizados a cada semestre. Ao final de três anos, cada real valeria (1 + 0,02/2)3×2. Observe que, como o ano tem dois semestres, não só dividimos a taxa como também dobramos o tempo.

Eu então lembrei à gerente que com a inflação inchada de certos países não é difícil imaginar taxas de 100% ao ano. Ora, com juro de 100% nós teremos que multiplicar o capital aplicado ao final do ano por (1 + 1)1. Isto é, se aplicamos 1 000 reais, deveremos receber [(1 + 1)1 x 1 000], ou seja, 2 000 reais.

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Se os juros para o mesmo valor (1 000 reais) e o mesmo tempo (1 ano) fossem capitalizados a cada semestre, teríamos: [(1 + 1/2)1×2 x 1 000] ou seja 2 250 reais. É mais porque os 500 reais de juros que já haviam sido incorporados no final do primeiro semestre também renderam no segundo semestre. Se a incorporação fosse a cada quatro meses, teríamos [(1 + 1/3)1×3 x 1000], ou 2 370,37 reais. Se fosse a cada trimestre, teríamos [(1 + 1/4)1×4 x 1 000], ou 2 441,41 reais. Mensal, [(1 + 1/12)1×12 x 1 000]. Diária, [(1 + 1/360)1×360 x 1 000].

Portanto, se o banco cumprir a promessa de incorporar juros “constantemente” ficaremos com uma fortuna. Poderemos multiplicar, ao final de um ano, o capital inicial de 1000 reais por algo como (1 + 1/N)N, com o N tão grande quanto você possa imaginar.

Se considerássemos o instante como a milionésima parte do segundo, o nosso N valeria 365x24x60x60x1000, ou seja, mais do que 31,5 bilhões.

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“Nossa! Que bobagem eu prometi para o senhor”, assustou-se a moça. “Mas eu aprendi a calcular juros compostos assim. Onde errei?”

Expliquei-lhe então que ela não errou, que eu apenas quis brincar com a idéia de crescer continuamente. É comum concluirmos que se um capital crescer assim se tornará uma verdadeira fortuna, o que não é verdade. Crescimentos desse tipo estão limitados pelo número “e”, que é o limite para o qual converge a expressão (1 + 1/N)N, quando o N se torna cada vez maior.

Dê uma olhada na tabela à esquerda: o limite é o número 2,71828182845904523533602874. Homens comuns não precisam de aproximações tão amplas, mas é saudável que percebamos como o senso comum pode enganar e também que esse número irracional transcendente “e” é um poderoso auxiliar dos homens quando eles tratam de questões econômicas, financeiras, estatísticas, da teoria das probabilidades e da função exponencial, bem como das ciências biológicas. Ele ajuda os cientistas a analisar uma das idéias mais instigantes das ciências naturais. A idéia de crescimento.

Luiz Barco é professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo

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