O gênio coletivo
Já acabou a era dos heróis solitários da ciência. A investigação se tornou um trabalho de equipe, feito em grandes centros de pesquisa.
Isabela Rocha e Silva
Se você está se perguntando onde está o Isaac Newton da nossa época, é melhor desistir. O estereótipo do gênio solitário, fechado num gabinete, está a anos-luz da realidade dos cientistas de hoje. Os grandes criadores já não trabalham sozinhos. O conhecimento se fracionou a um tal ponto que as novas descobertas só são possíveis como resultado de um mutirão de cérebros brilhantes, cada qual dono de uma parcela ultra-especializada do saber. Curiosamente, a nossa época ressuscitou a noção de inteligência coletiva que existia na Grécia antiga. A idéia de reunir cabeças privilegiadas em centros de excelência foi de uma das melhores cabeças da Antiguidade, Pitágoras, o pai da Matemática. No século VI antes de Cristo, Pitágoras fundou sua academia em Crotona, colônia grega no sul da Itália. Lá se estudava desde Aritmética e Geometria até Astronomia. A iniciativa de Pitágoras estabeleceu o modelo que seria seguido no século seguinte pela famosa Academia de Atenas. Hoje, a produção científica se desenvolve principalmente em centros universitários de pesquisas (veja quadro à direita). No Brasil, Ciência é sinônimo de pós-graduação. A nata dos pesquisadores está concentrada nos 23 programas de mestrado e doutorado que obtiveram a nota máxima (7) na avaliação da Capes, o órgão do governo federal que monitora o ensino superior. Conheça alguns deles entre as páginas 52 e 55.
As escolas que mais brilham
Para construir a bomba atômica, o governo dos Estados Unidos reuniu, durante a Segunda Guerra Mundial, os melhores cérebros disponíveis no campo da Física em Los Alamos. Lá estavam, entre outros, o italiano Enrico Fermi, o dinamarquês Niels Bohr e os norte-americanos Richard Feynman e Robert Oppenheimer. A partir daí, o conhecimento científico se vinculou, mais do que nunca, aos centros do poder e do dinheiro. Acabou-se a era do gênio individual. Os grandes institutos de pesquisa se tornaram a meca para onde se voltam os olhares do mundo inteiro, sempre que o assunto é Ciência. Você vai conhecer agora um pouco sobre três dos mais importantes deles: os institutos de tecnologia da Califórnia (Caltech) e de Massachusetts (MIT), norte-americanos, e o Laboratório Cavendish, inglês.
Poucos e bons
Com apenas 1 800 alunos (mais da metade deles em pós-graduação), o Instituto de Tecnologia da Califórnia, em Pasadena, EUA, é uma universidade pequena e altamente seletiva, com ênfase na pesquisa. Entre os seus 27 nobéis estão o físico Richard Feynman (perfil na página 36), o bioquímico Linus Pauling (perfil na página 28) e o biólogo David Baltimore, diretor do instituto e descobridor da enzima transcriptase reversa, essencial para a reprodução do vírus da Aids. Administra, em conjunto com a Nasa, o Laboratório de Propulsão a Jato, que lançou em 1958 o Explorer I, primeiro satélite norte-americano, e atualmente opera a nave Pathfinder, que realiza pesquisas em Marte.
Fábrica de ciência
Tudo no Instituto de Tecnologia de Massachusetts é impressionante. Instalado no município de Cambridge, na costa leste dos EUA, o campus abriga 61 laboratórios e mais de 12 000 pessoas, entre alunos, professores e pesquisadores. As proezas do MIT incluem o desenvolvimento do radar, a pele artificial (usada no tratamento de vítimas de queimaduras), a confirmação da existência dos quarks (as menores partículas do átomo), a descoberta do primeiro oncogene humano (gene envolvido no surgimento do câncer) e a criação da Internet, junto com outras instituições. Entre os 28 cientistas ligados ao MIT premiados com o Nobel estão o físico Steven Weinberg (1979), o matemático John Nash (1994) e o economista Paul Samuelson (1970).
Tradição britânica
Instalado na aristocrática Universidade de Cambridge, na Inglaterra, o Laboratório Cavendish é o berço onde nasceu e se desenvolveu a Física Atômica. Um dos primeiros diretores, John Joseph Thomson (1856-1940), descobriu o elétron. Seu sucessor Ernest Rutherford (1871-1937) descobriu o núcleo atômico. Foi lá também que o físico James Chadwick (1891-1974) identificou o nêutron. Cavendish foi também o cenário, em 1953, da descoberta do DNA (ácido desoxirribonucléico), a molécula que contém a herança genética dos seres vivos, pelo norte-americano James Watson e pelo inglês Francis Crick. A lista dos seus pesquisadores premiados com o Nobel tem 28 nomes.
Matemática nota 10
Quem tem a expectativa de encontrar um ninho de nerds no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), no Rio de Janeiro, vai ficar surpreso. Primeiro, com sua bela sede suspensa entre escadas, em meio à vegetação exuberante do Jardim Botânico. Depois, com o alto nível de sua equipe de 32 pesquisadores, todos com doutorado, e o grande prestígio no exterior, como o mais importante centro latino-americano de pós-graduação em Matemática. O IMPA, fundado em 1952, é a primeira instituição acadêmica brasileira criada especificamente para atividades de pesquisa avançada e formação de cientistas. Já formou 160 doutores e 400 mestres e amealhou uma invejável coleção de prêmios internacionais – além de possuir a melhor biblioteca de Matemática na América Latina.
Com todo o peso da tradição, o IMPA respira juventude, a começar pelos seus corredores e pátios internos, com estudantes que parecem saídos da Praia do Arpoador. O instituto chama atenção, no meio acadêmico, por conceder bolsas de mestrado e até de doutorado a alunos extremamente jovens. Meninos e meninas a partir dos 14 de idade já podem conseguir bolsas no Impa.
“O talento matemático é inato e se revela cedo, já que não requer muita vivência e sim raciocínio lógico”, disse à SUPER o diretor-adjunto, César Camacho. “O importante, para um pesquisador nessa área, é a capacidade de abstrair os dados concretos do mundo físico para criar modelos matemáticos.” Não são raros os casos, no IMPA, de títulos de doutor concedidos aos 22 anos. Uma prova de que a aposta na precocidade dá resultados é o carioca Carlos Gustavo Tamm de Araújo Moreira, de 25 anos, um dos mais jovens pesquisadores na instituição. Gugu, como é conhecido, ingressou no IMPA com apenas 14 anos, no curso de verão oferecido aos melhores alunos de matemática no país inteiro, e não parou mais de fazer contas. “Ser cientista não faz ninguém ficar rico, mas dá uma satisfação intelectual e uma independência profissional muito grande, além de ajudar a humanidade a se desenvolver”, orgulha-se Gugu. Além de matemático, ele é “torcedor fanático do Flamengo” e militante de um partido de esquerda, conforme fez questão de registrar em sua homepage na Internet.
Aqui, veneno vira remédio
Um antigo e imponente casarão colonial, adaptado a um campus em franca expansão, abriga o Departamento de pós-graduação em Farmacologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto. De importância estratégica para um país que possui a quinta maior indústria farmacêutica do mundo, o departamento atrai estudantes e pesquisadores de vários países da América Latina e publica todos os anos uma média de 23 trabalhos em revistas especializadas estrangeiras – um indicador excelente para os padrões nacionais. Entre os dezoito cientistas-pesquisadores, todos com pós-doutorado no exterior, o mais conhecido é o professor Sérgio Henrique Ferreira, autor de uma das maiores proezas da ciência brasileira. Em 1965, Ferreira conseguiu isolar o princípio ativo do veneno da jararaca, uma cobra perigosíssima, e mostrar que uma das proteínas nele contidas era capaz de bloquear a hipertensão nas cobaias usadas em suas experiências. Essa proteína, a bradicinina, havia sido descoberta, anos antes, por um brilhante farmacologista, o professor Maurício Rocha e Silva, ex-diretor do departamento, falecido em 1983. O veneno da jararaca foi, mais tarde, sintetizado em laboratório e virou um remédio para a pressão alta que é vendido nas farmácias do mundo inteiro. O espírito investigativo que tornou possível essa descoberta está incorporado aos métodos de pesquisa no departamento. “Nosso curso não foi projetado para formar professores, mas para mostrar aos futuros pesquisadores a importância de se aprender a pensar,” afirma Ferreira, atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Apetite por descobertas
Em contraste com as instituições limitadas à ciência pura, o curso de pós-graduação em Ciência de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) ostenta um trabalho eminentemente voltado para a pesquisa aplicada – a prática. As teses defendidas nos últimos três anos incluem temas como o aproveitamento da carne do jacaré, o suco de melancia, o uso industrial do extrato do urucum (o corante dos índios) e a produção de queijo minas. Entre as descobertas do departamento, destaca-se um novo tipo de açúcar dietético natural, extraído de um microrganismo do solo. Além de não engordar, esse adoçante tem a vantagem de não deixar na boca um gosto residual amargo, como a maioria dos produtos existentes no mercado. Está sendo desenvolvido em parceria com uma empresa privada. O curso faz parte da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA). Tem dezessete professores e recebe uma média anual de 130 alunos de mestrado e doutorado.
Uma usina de ciência
Em Porto Alegre há uma fábrica de produção científica. É a pós-graduação do Instituto de Física, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) onde estudantes e professores trabalham juntos em grupos de pesquisa, rompendo com a divisão rígida de funções que vigora na maioria das instituições acadêmicas. Além da nota máxima da Capes e da biblioteca com 25 000 livros, o instituto publica uma média anual de 120 artigos em revistas especializadas. Numa prova de prestígio, seus pesquisadores ganharam algumas horas anuais de observação no telescópio Hubble, da Nasa, na órbita da Terra. O acesso ao Hubble é uma oportunidade que vale mais do que muitos prêmios.
Estrelas de primeira grandeza
Não é com muita freqüência que algum cientista brasileiro faz uma descoberta de repercussão internacional. O astrônomo Augusto Daminelli, do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo, é autor de uma dessas raras proezas. Com ajuda de um prosaico telescópio, em Itajubá (MG), Daminelli chegou à conclusão de que Eta Carina, o corpo celeste mais luminoso da Via Láctea, era constituída por duas estrelas, e não apenas uma, como se imaginava. Também previu que uma das estrelas eclipsaria a outra – o que de fato aconteceu, em dezembro do ano passado, surpreendendo os demais cientistas que estudavam Eta Carina. Por trás da descoberta de Daminelli, existe o trabalho de um verdadeiro mutirão de cientistas no curso de pós-graduação em Astronomia da USP, um centro de excelência onde se formou boa parte dos 220 astrônomos brasileiros com diploma de doutorado. “O Brasil tem hoje um time de astrônomos de primeira linha”, orgulha-se Sylvio Ferraz Mello, um dos professores do curso, que só aceita dez novos alunos por semestre, todos eles previamente recomendados por um orientador.
Garotos estudiosos e engenhocas mirabolantes
O desafio é difícil até mesmo para engenheiros com muitos anos de experiência: com um kit de setenta itens de material – mangueiras de plástico, parafusos, cabos de aço e até um cabide –, projetar e construir um robô capaz de executar tarefas por controle remoto. Todos os anos, trinta estudantes, de seis países diferentes, dividem-se em equipes mistas para disputar quem consegue produzir a engenhoca mais original e eficiente. É o Robocon, o concurso internacional de design de robôs, que neste ano aconteceu no curso de Mecatrônica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. A Póli, como é conhecida, participa do evento desde 1993, ao lado de instituições de primeiríssima linha dos Estados Unidos, Japão, França, Alemanha e Coréia do Sul. Em cada equipe havia um brasileiro. Eduardo Kawano, de 18 anos, curitibano, neto de japoneses e aluno do 2º ano da Póli, integrou o time campeão. “Gênio? Aqui na Póli tem gente mais inteligente do que eu”, sorri Eduardo. “Sempre estive entre os primeiros da classe, mas não sou um cara que só vive para estudar. Na Engenharia, o fundamental é a minha aptidão para Matemática e Física e a curiosidade de saber como as máquinas funcionam.”
A Mecatrônica da Póli – criada pela fusão da Mecânica com a Eletrônica e a Computação – é o primeiro curso do gênero no país. Só um em cada 33 candidatos consegue uma vaga, no vestibular. A carga horária chega a 35 horas de aulas por semana no último ano, muito mais do que qualquer outro curso de Engenharia, mas vale a pena. Os formados pela Mecatrônica saem da faculdade preparados para projetar equipamentos tão diferentes quanto robôs submarinos e semáforos “inteligentes”, desses que regulam o tempo de acordo com o fluxo do trânsito.
Se estudar na Mecatrônica já é um privilégio dos mais cobiçados, como será a sensação de ser o melhor entre tantos jovens prodígios? Eduardo Aoun Tannuri, de 21 anos, no 5º ano do curso, é ainda mais do que isso. Ele conseguiu o melhor desempenho acadêmico em mais de 100 anos da Póli: uma média de 9,44, aí computadas todas as suas notas desde o início (para se ter uma idéia, o segundo colocado tem 8,4). O paulistano Tannuri, descendente de libaneses e filho de médicos, estudou inglês desde o primário, lê jornais e revistas e já viajou para o exterior. Em lugar de um emprego numa multinacional, Tannuri pretende seguir a carreira de pesquisador – tanto que já integra os quadros do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). “Ele tem o perfil de um cientista”, disse à SUPER Lucas Moscato, um de seus professores. Mesmo com tantos elogios, Tannuri não se considera um gênio. “Eu simplesmente tenho facilidade para aprender”, afirma. Ele atribui sua trajetória ao exemplo profissional do pai (“meu ídolo”, diz) e ao gosto pelo estudo. “Sempre fui curioso e construí meu cérebro devagar, sem me prender apenas ao que o professor apresenta na aula. Estudar não é só sentar e decorar fórmulas.”
O melhor no país
Dos 1 293 cursos de pós-graduação avaliados em 1998 pela Capes (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), apenas 23 receberam a nota máxima (7). Esta é a lista das “23 mais”:
• Antropologia Social – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
• Astronomia – Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (USP)
• Física – Campus de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP)
• Física – Instituto de Física de Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
• Ciência de Alimentos – Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
• Genética – Escola de Agronomia Luís de Queiroz, no campus de Piracicaba da Universidade de São Paulo (USP)
• Fitotecnia (Produção Vegetal) – Universidade Federal de Viçosa (UFV), Minas Gerais
• Biofísica – Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
• Biologia Molecular – Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
• Bioquímica – Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo (USP)
• Farmacologia – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto
• Química Biológica – Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
• Microbiologia e Imunologia – Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
• Educação – Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
• História – Instituto de Estudos Históricos da Universidade Federal Fluminense (UFF)
• História Social – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP)
• Lingüística – Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
• Literatura Brasileira – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP)
• Estatística – Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (USP)
• Matemática – Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro
• Físico-Química – Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), campus de São Carlos
• Sociologia – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP)
• Genética e Melhoramento de Plantas – Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais