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Ploft!

Os preços estúpidos dos nossos imóveis deixam uma pergunta no ar: é bolha? É sim. Mas muito pelo contrário. Leia e entenda

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Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 13 ago 2014, 22h00

Otávio Silveira

Apartamento novo de três quartos e 150 m² em Chicago, a três quadras do metrô: R$ 360 mil. Apê antiguinho em São Paulo, com 80 m², sem garagem, a três quadras do metrô Ana Rosa: R$ 800 mil. É lá que mora um amigo meu, o Rafael. Ele comprou por menos da metade não faz nem quatro anos. E agora, se o preço subir mais um pouco e rolar um bônus da firma no fim do ano, o Rafa deve virar o primeiro milionário dos caras que tomavam cerveja comigo no bar do Bigode, o pé-sujo em frente ao nosso colégio.

Não que ele esteja soltando foguete. A vida do cara não mudou nem um teco. Claro: meu amigo sabe que não adianta vender o imóvel para aproveitar a explosão do preço. Se for para comprar outro da mesma estirpe, ele vai gastar quase 1 milhão – você sabe: até quitinetes de 35 m² já aparecem anunciadas a esse preço. Aí haja bônus… Então o jeito é ele ficar por lá mesmo, aproveitando a riqueza em toda a sua virtualidade, tal qual um Tio Patinhas na piscina de dinheiro da caixa-forte, e tocar a vida como se nada tivesse acontecido. O Rafa* só estaria contente mesmo se tivesse comprado o apartamento da Ana Rosa para investir. Se fosse o segundo imóvel dele. Aí, sim, seria enriquecimento instantâneo.

E foi o que aconteceu com bastante gente. De janeiro de 2008 a janeiro de 2014, o preço dos imóveis em São Paulo subiu 197%. No Rio, mais do que triplicou nesses seis anos: 242%. Descontando a inflação de lá para cá, de 39%, dá 158% e 203% de aumento real. Vertiginoso.

super.abril.com.br

E suficiente para colocar o nosso boom no mesmo patamar das duas maiores bolhas imobiliárias de todos os tempos: a do Japão dos anos 80 e a dos EUA na década passada. A bolha oriental, nos seis anos de alta mais forte, foi um aumento médio de 168% acima da inflação. A dos EUA foi aquela da última década, que desembocou na crise de 2008: 140% acima da inflação em seis anos. Nos dois casos, uma hora a renda de quem queria comprar uma casa não dava mais conta de pagar os financiamentos. Veio um surto de inadimplência. E as bolhas estouraram.

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“Qualquer um poderia ter previsto que a alta dos imóveis a um preço tão superior ao que eles valem teria uma consequência fatal”, disse um jornalista de economia – um que já morreu há 300 anos, e que acabou se transformando num autor famoso: Daniel Dafoe, autor de Robinson Crusoé. Em 1701, 18 anos antes de escrever o livro que criaria toda a cultura popular sobre náufragos dali para a frente, o inglês preparou um artigo sobre outro naufrágio, o da bolsa de Londres no século 17, quando uma bolha nos preços dos papéis deixou centenas de mortos e feridos no mercado financeiro. Só troquei a palavra “ações” da frase do Dafoe por “imóveis”, para não quebrar o ritmo, mas dá na mesma. Tanto ações como imóveis são coisas bolháveis: a certeza de que os preços vão continuar subindo forte, e para sempre, faz bombar a quantidade de compradores – seja os que só querem revender, porque é um baita negócio, seja os que só querem ter, para comprar menos caro enquanto é tempo. Quanto mais gente comprando, mais o preço aumenta. E começa um ciclo vicioso: a própria notícia de que os preços estão subindo vira o combustível para que os preços continuem subindo. A imaginação toma as rédeas da realidade.

É um roteiro que se repete desde sempre, em qualquer país, em qualquer mercado. E que está vivendo uma reencenação nas grandes cidades brasileiras: “Hoje, para comprar um apartamento de três quartos na periferia de São Paulo, a prestação pode dar R$ 8 mil por mês, dependendo da entrada”, diz o economista Luis Eduardo Ewald. “Quem tem R$ 8 mil livres por mês? Só se você for um diretor de empresa, que ganhe mais de R$ 20 mil”. De fato. Como aconteceu no Japão e nos EUA, o aumento da renda não acompanhou nem de longe a escalada nos preços. Em São Paulo, eles subiram 136% mais do que a renda média – quase duas vezes e meia. No Rio, 158% (veja no gráfico aqui em cima).

Nem o pessoal do topo da pirâmide tem como segurar a bronca, na verdade. A renda média do 1% mais rico do País está em R$ 18.900 por mês, segundo o IBGE. Razoável. Mas não o bastante para uma realidade em que o milhão de reais virou a unidade básica da economia imobiliária. E só chegamos a esse ponto por causa de uma combinação entre dois elementos voláteis: a fome e a vontade de comer.

A vontade de comer foi a dos investidores comprando apartamentos na planta com a certeza de que revenderiam mais caro depois. A fome veio de gente como o meu amigo Rafael, que não queria especular, só ter a própria casa. E pela primeira vez na história do País, o dinheiro para a casa própria ficou realmente barato, na forma de crédito fácil.

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Esse afrouxamento do crédito também é uma combinação de dois fatores. Em novembro de 1997, o governo baixou uma lei que mudaria o mercado imobiliário. Até então, o banco que financiasse um imóvel e levasse calote passava quase dez anos na Justiça para tomar a casa de volta. Com a lei nova, a da “alienação fiduciária de coisa imóvel”, os trâmites jurídicos deram uma azeitada e o prazo para retomar “coisa imóvel” não paga baixou para menos de um ano. Isso transformou as casas e apartamentos em garantias de fato para o banco – já que elas não fogem, como carros e pessoas. As instituições financeiras acabaram encorajadas a liberar mais crédito imobiliário para mais gente. Bom para todas as partes.

Mas ainda tinha uma pedra no meio do caminho: o dinheiro em si custava bem mais caro que hoje. A taxa básica de juros, que é o preço que os bancos pagam para pegar dinheiro emprestado com o governo (e com outros bancos), começou 1998 em 39% ao ano. Se o banco paga 39% de juros para ter dinheiro, ele só vai emprestar esse dinheiro para mim ou para você cobrando mais do que 39%. Geralmente, bem mais. Como a quantidade de gente disposta a pagar tudo isso de juro é um recurso mais finito que bauxita, o boom imobiliário não aconteceu. Ficou para a década seguinte, quando a Selic, nossa taxa básica de juros, começou a baixar paulatinamente. Em 2006, ela estava em 17,25% ao ano. E chegaria a 7,25% entre 2012 e 2013. Aí a porteira abriu de vez: o volume de dinheiro voando na forma de financiamento de casas e apartamentos saltou de R$ 50 bilhões em 2006 para mais de R$ 400 bilhões neste mês. SETECENTOS POR CENTO de aumento. Com tanto dinheiro girando, os tubarões podiam comprar um prédio todo na planta para revender depois que não tinha erro: sempre haveria sardinhas bem financiadas para realizar o sonho da sacada envidraçada própria. Surpresa mesmo seria se não tivesse havido uma subida irracional nos preços. Mas e agora que o valor dos imóveis chegou ao milionésimo andar?

“Os preços não devem continuar subindo”, diz outro economista da FGV, Fábio Gallo. “Mas isso não significa o estouro de uma bolha”. Gallo aposta que o pouso nos preços será suave. Primeiro, porque a Selic entrou num ciclo de alta (está em 10,5% agora). Isso aperta o crédito, e o apetite dos compradores – tanto que as ações das maiores construtoras do País entraram em queda livre na Bovespa (veja aqui à esquerda). E para haver um “pouso suave” os preços nem precisam cair: basta que subam abaixo da inflação. Aí, em alguns anos, eles voltam a patamares terráqueos, condizentes com a renda de quem compra. Seja como for, ainda tem o segundo motivo para não temer uma tragédia: o risco de inadimplência é baixo. Os bancos brasileiros praticamente não emprestam para quem não pode comprovar uma renda razoável. E sem calote generalizado, não tem estouro de bolha. Bom, mesmo se acontecer um surto de calotes não será o apocalipse. Esses R$ 400 bilhões de crédito significam 8% do PIB – uma das menores proporções do planeta. Nos EUA, são 84%; na Holanda e na Dinamarca, mais de 100%. Um deus-lhe-pague geral nos financiamentos arrebentaria o sistema bancário nesses países (como arrebentou mesmo nos EUA), levando o resto da economia para o ralo. Aqui não: a vida seguiria. Ainda bem.

Ou nem tanto. Isso também deixa claro o tamanho da desigualdade aqui dentro. A renda média domiciliar dos 5% mais ricos é de R$ 5.178 por cabeça. A dos outros 95%, R$ 643. Ou seja: o grosso da população está praticamente fora do mundo mágico do financiamento. Daí o paradoxo de termos preços de bolha imobiliária com crédito de economia paralisada. E daí também a atitude do governo, de aumentar a Selic numa ponta, o que freia a especulação, e bancar juros subsidiados para famílias que ganham menos de R$ 5 mil (via Minha Casa, Minha Vida). Parece esquizofrenia, mas não é. Por outro lado, foi justamente o crédito fácil para a base da pirâmide que acabou quebrando os EUA lá atrás – não faz diferença que lá foi crédito privado e aqui é público: em qualquer lugar, quem acaba segurando o rojão em caso de inadimplência brava é o dinheiro público, o seu dinheiro. Nosso futuro, então, ainda está na planta. E construí-lo é um empreendimento de alto risco.

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Que a casa não caia.

I’m forever blowing bubbles,

Pretty bubbles in the air,

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They fly so high,

Nearly reach the sky,

Then like my dreams,

They fade and die.*

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I’m Forever Blowing Bubbles, música de John Kellete (1918), e que define poeticamente o caso de amor entre a espécie humana e as bolhas.

*Sempre solto bolhas/Bolhas bonitinhas no ar/ Elas voam tão alto/Chegam quase no céu/ Então, como os meus sonhos/Vão para o beleléu.

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