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Nunca se mentiu tanto

A mentira faz parte da vida. Mas, de uns tempos para cá, ela explodiu: dados mostram que as pessoas estão mentindo cada vez mais

Por Eduardo Szklarz e Bruno Garattoni
Atualizado em 30 mar 2021, 07h48 - Publicado em 16 dez 2015, 11h45

Texto originalmente publicado pela Super em 2015

A mentira nasceu junto com a sociedade. O ser humano começou a mentir assim que se juntou em grupos, e nunca mais parou. Uma experiência da Universidade de Massachusetts mostrou que, quando duas pessoas se conhecem, cada uma conta em média três mentiras – nos primeiros dez minutos de conversa. E pessoas que compartilham a vida toda (cônjuges, parentes, amigos) também mentem entre si, às vezes de forma terrível. Todo mundo mente. Tem gente que mente para levar vantagem, conseguir o que quer. Alguns mentem para não contrariar ou magoar outras pessoas. Tem quem minta para parecer mais legal e ser aceito socialmente. Existem infinitas maneiras de mentir, e elas nos acompanham o tempo todo.

Sempre foi assim. A novidade é que está piorando, e muito. Nunca se mentiu tanto (um estudo assustador, que vamos explorar daqui a pouco, indica que as pessoas passaram a mentir de três a cinco vezes mais na última década). A mentira nunca foi tão corriqueira e tolerada, e por isso ganhou um poder avassalador – hoje tem papel determinante na economia, na política, na imprensa, na medicina, na propaganda, no consumo, nas relações humanas. Se você acha que o mundo está mentindo para você, está certo. O que você nem imagina é quanto.

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Postou foto arrasando na balada, mas na verdade estava em casa de pijama. Uma mentira típica das redes sociais – onde as pessoas mentem de três a cinco vezes mais do que cara a cara. (Tomás Arthuzzi/Superinteressante)

O robô que aprendeu a mentir

Nós não somos os únicos a tentar enganar os outros. O besouro se finge de morto para despistar os predadores, os macacos enganam uns aos outros para conseguir mais comida. Até os robôs mentem – como mostrou, em 2009, um estudo da Universidade de Lausanne (Suíça). Os cientistas criaram mil robozinhos, programados para procurar “comida” (representada por um sinal eletromagnético) num labirinto. A comida era insuficiente para todos os robôs. Mas, quando um encontrava alimento, deveria automaticamente avisar os outros, acendendo uma luz. A cada rodada, os robozinhos eram reprogramados – e o software dos vencedores, que tinham achado a comida mais rápido, era instalado em alguns dos outros. É como se os líderes estivessem tendo filhos, e espalhando seus genes. Seleção natural – só que artificial.

Depois de nove gerações, a maioria dos robozinhos estava craque em encontrar comida. Mas aí alguns deles descobriram, sozinhos, que não precisavam avisar os outros. Podiam guardar tudo para si. Esse comportamento foi se espalhando – e, depois de 500 gerações, 60% dos indivíduos tinham aprendido a mentir. “Os robôs estavam competindo por comida, e por isso evoluíram para esconder a informação [dos outros]”, concluíram os autores do estudo. Aprender a mentir parece ser uma consequência natural, e inevitável, da luta pela sobrevivência.

E ela começa cedo. “Aos 2 ou 3 anos, as crianças já fazem afirmações falsas de forma deliberada. Só que ainda são mentiras inocentes, sem o objetivo de incutir uma falsa crença no ouvinte. Por isso, são chamadas de mentiras primárias”, explica o psicólogo Kang Lee, da Universidade de Toronto. “Aos 4 anos, a criança já sabe se o ouvinte tem conhecimento da situação, e portanto se ele está suscetível a falsas crenças. É a mentira secundária.” Aos 7 ou 8 anos, o engano atinge a terceira fase: a criança é capaz de esconder seu embuste de forma sofisticada, tentando manter coerência entre a mentira inicial e as declarações seguintes.

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Isso foi descoberto por meio de uma experiência simples. O cientista senta com a criança, numa sala, e diz que há um brinquedo atrás dela – mas pede que ela não olhe para o brinquedo. Em seguida, o adulto sai da sala, monitora a reação da criança por uma câmera e depois lhe pergunta se ela espiou o objeto. Kang estudou 65 crianças de 2 a 4 anos. No grupo das menores, de 2 anos, 95% olharam para o brinquedo – mas apenas 33% mentiram a respeito. Já entre as crianças de 4 anos, 62% olharam – e nada menos do que 90% mentiram. Nessa idade, a mentira já é moeda corrente. E daí em diante a garotada mente com traquejo, como Kang constatou em outro estudo, dessa vez com 150 crianças de 3 a 8 anos. Ele escondeu um boneco do dinossauro Barney, colocou uma música qualquer para tocar e saiu da sala. Depois de um tempo, voltou e perguntou à criança: “Qual brinquedo você acha que é?”. A maioria das que olharam disse que era o Barney. “E como você sabe?”, ele perguntou. Entre as mais novas, a maioria se autoincriminou, com frases do tipo “não sei” ou “vi a cor roxa”. Já entre as mais velhas, quase 80% tentaram sustentar a lorota inicial contando outra: “A música que estava tocando era do Barney”, por exemplo. Mentira.

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“Em 99,9% dos casos, os candidatos aumentam o nível de proficiência em língua estrangeira. Se dizem que são fluentes em inglês, na verdade têm nível avançado”, diz Henrique Baião, gerente da empresa Michael Page, especializada em recrutar executivos. (Tomás Arthuzzi/Superinteressante)

Mas, calma, não há nada de errado nisso. Uma criança mentir não significa que ela vá se tornar um adulto mitômano. Mentir é um passo importante do amadurecimento. Mostra que a criança já consegue distinguir as próprias crenças das crenças alheias, e sabe avaliar as intenções e os desejos de cada um. Os cientistas chamam essa habilidade de “teoria da mente”. A incapacidade de mentir pode até ser sinal de transtornos cognitivos, como o autismo. Em suma: a evolução nos deu as ferramentas para mentir, mas é no convívio social que aprendemos a manejá-las. O problema é quando mentir sai do controle, e vira a regra.

A cada dois anos, o Instituto Josephson, um grupo de pesquisas americano, faz um levantamento com estudantes de 13 a 19 anos, que respondem a questionários anônimos. Na última edição da pesquisa, que envolveu 23 mil estudantes, 52% admitiram que colaram em provas, 74% copiaram tarefas de colegas, e 32% plagiaram textos da internet. Trapaças assim costumam envolver um cálculo de custo-benefício: o aluno decide colar porque conclui que o risco (ser pego) é menor que a recompensa (tirar nota boa). A mesma lógica vale para quem estaciona em local proibido ou surrupia algum objeto no trabalho. “Nosso comportamento é dirigido por duas motivações opostas: queremos nos ver como pessoas honestas e honradas, mas também queremos levar vantagem e ganhar o quanto for possível”, escreve o psicólogo Dan Ariely, professor da Duke University, em seu livro sobre mentira (A Mais Pura Verdade sobre a Desonestidade, editora Elsevier). “É a nossa incrível flexibilidade cognitiva: ao enganar apenas um pouco, podemos nos beneficiar da trapaça, e ainda nos vermos como seres humanos maravilhosos.” Todo mundo é capaz de cometer transgressões – até um limite.

Ariely constatou isso num teste com alunos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Eles tinham 5 minutos para resolver 20 problemas simples de matemática. Para cada resposta correta, ganhariam US$ 0,50. Os alunos foram divididos em dois grupos. No grupo A, o examinador contava as respostas corretas e pagava o valor correspondente. No grupo B, os próprios alunos diziam quantos problemas haviam resolvido. Ou seja: tinham a oportunidade de mentir. Como você pode imaginar, os alunos do grupo B se saíram “melhor” que os do grupo A. Inflando seus resultados, eles ganharam mais dinheiro. Mas não muito mais. Em média, os do grupo A resolveram quatro dos 20 problemas. Já os do grupo B, que tinham a chance de mentir, disseram ter resolvido seis problemas – ou seja, apenas dois a mais. E esse aumento não resultou de poucos indivíduos dizendo ter resolvido vários problemas, e sim de muitas pessoas que mentiram só um pouco.

Cinquenta centavos é bem pouco. Quanto mentiriam os alunos do grupo B se pudessem ganhar mais? Por exemplo, US$ 1, US$ 2 ou até US$ 10 por cada resposta falsa? Assim foi feito. Mas deu na mesma: os mentirosos continuaram “acertando” duas respostas a mais, em média. “A quantidade de trapaça foi até um pouco menor quando prometemos aos participantes a maior quantidade de dinheiro – US$ 10 – por cada resposta correta”, diz Ariely. Ou seja: quando a recompensa é baixa, mentimos moderadamente. Mas, se a recompensa for um pouco mais alta, tendemos a mentir menos, ainda que o risco de ser pego se mantenha o mesmo. É que, ao enganar muito os outros, fica mais difícil preservar o próprio senso de integridade. Na verdade, muitas vezes a mentira existe justamente para defender nossa autoimagem. E é isso que está por trás da explosão dela.

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Onde nada é o que é

Quando se comunicam via mensagens de texto, as pessoas mentem três vezes mais, em média, do que falando cara a cara. Usando e-mail, cinco vezes mais. Foi o que concluíram os psicólogos Robert Feldman e Mattityahu Zimbler, da Universidade de Massachusetts Amherst, num estudo com 110 pares de estudantes que não se conheciam. Cada dupla conversou entre si por 15 minutos usando e-mail, mensagens ou ao vivo. Em seguida, os cientistas revisaram as conversas e entrevistaram novamente cada voluntário, para detectar inverdades. E o festival de mentiras virtuais veio à tona. “Quando você está online, fica menos contido. Os seus sinais faciais e comportamentos verbais não podem te delatar – e por isso é mais fácil ser enganoso”, explica Feldman. Além da distância física entre as pessoas, a tecnologia proporciona uma distância psicológica, que torna mais fácil mentir. “As pessoas preferem enviar mensagens em vez de falar porque assim elas se escondem das outras, mesmo estando conectadas o tempo todo”, diz Sherry Turkle, professora de estudos sociais do MIT e especialista nas relações entre comportamento e tecnologia. Na próxima vez que você andar pela rua, repare em quantas pessoas estão com o celular na mão e usando o WhatsApp. E entenderá por que nunca se mentiu tanto.

Quem você acha que mais mente para você?

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A mesma coisa vale para o e-mail e as redes sociais, com uma diferença: eles são ainda mais propensos à mentira, porque são assíncronos. Isso significa que você e as pessoas com as quais está se comunicando não se expressam ao mesmo tempo. Primeiro você escreve o seu e-mail (ou post), depois os destinatários leem e respondem. Você tem tempo de pensar com calma antes de escrever. E isso muda tudo. “Nós apresentamos uma imagem editada do que somos, que podemos apagar ou retocar o tempo todo”, lembra Turkle. Com certeza você já escolheu quais aspectos da sua vida iria mostrar no Facebook, omitindo coisas ruins. Há dez ou 15 anos, não era assim. Essas tecnologias não existiam. Todo mundo se comunicava bem menos. E mentia bem menos também.

A velocidade da internet também é uma grande aliada na propagação de mentiras. Um estudo da Universidade Columbia analisou 100 boatos e informações falsas que se propagaram pela rede entre agosto e dezembro de 2014 – e 1.500 reportagens, posts e artigos que foram escritos a respeito delas. Concluiu que notícias falsas tendem a se espalhar mais rápido e com mais força do que as verdadeiras, e recebem dez vezes mais cliques do que eventuais desmentidos: porque a mentira, quase sempre, é mais espetacular (e, portanto, mais chamativa) do que a verdade. Seu mecanismo de propagação costuma ser sempre o mesmo. Primeiro alguém posta um boato numa rede social. Sites então replicam a “notícia”, incentivando os leitores a compartilhar e curtir. Alguns endossam a informação, enquanto outros lavam as mãos usando termos como “supostamente” ou títulos na forma de pergunta (“Uma mulher implantou um terceiro seio?”). “Essa falta de verificação torna os sites de notícia alvos fáceis para o embuste”, diz o jornalista Craig Silverman, autor do estudo. E, com eles, os leitores. Quando você está online, está sempre sujeito a mentiras – tanto as que os seus amigos e conhecidos praticam, quanto aquelas escritas em sites e blogs. E vivendo desse jeito, com pequenas mentiras entranhadas no dia a dia, abre-se espaço para mentiras cada vez maiores.

Como a mentira quebrou o mundo

Existem pessoas capazes de mentir em grande escala – a ponto de detonar a maior crise em décadas. Foi o que aconteceu entre 2004 e 2007. Nesse período, funcionários de grandes bancos de Wall Street mentiram sistematicamente para seus clientes, que eram induzidos a investir em títulos podres. Os analistas do banco Morgan Stanley, por exemplo, vendiam investimentos imobiliários de alto risco – mesmo já sabendo que haveria calote, e os investidores iriam perder seu dinheiro. Isso ficou provado por e-mails em que admitiam a manobra e faziam piadas, se referindo aos títulos como scaaaarryyyyy (assustadores) e crap (lixo). Continuaram mentindo até desencadear a crise imobiliária dos EUA e o crash de 2008, do qual até hoje a economia global não se recuperou. Nenhum dos mentirosos foi preso – porque o governo americano optou por não processá-los.

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Falar em política e mentira, aliás, é chover no molhado. Do ex-deputado federal João Alves, que disse ter ganho 200 vezes na loteria para justificar a origem de dinheiro ilícito (“Deus me ajudou”), ao ex-presidente Richard Nixon, ao negar envolvimento no caso Watergate (“não sou trapaceiro”), os políticos são famosos pela cara de pau. Mas, ao contrário do que se pensa, eles talvez não sejam os campeões da mentira. “As corporações também buscam construir sua reputação usando argumentos similares. A diferença é que, como os políticos são muito expostos na mídia, fica parecendo que eles mentem mais”, diz Malco Camargos, professor de ciências sociais da PUC-Minas.

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Pesquisa feita pela Universidade Cornell constatou que 80% das pessoas que buscam uma cara-metade pela internet contam alguma mentira – geralmente relacionada a sua altura (48%), peso (59,7%) ou idade (18%). Em todas as categorias, os homens mentem mais que as mulheres. (Tomás Arthuzzi/Superinteressante)

Nas empresas, a forma de mentira mais comum é a omissão. Nos anos 1970, o Ford Pinto se tornou um dos carros mais populares dos EUA. Ele era bom, exceto por um detalhe: o tanque de gasolina ficava entre o eixo traseiro e o para-choque, exposto a parafusos que podiam perfurá-lo em caso de batida. A Ford sabia que bastava colocar uma simples peça de plástico, de US$ 11, para evitar explosões. Mas preferiu vender o carro assim mesmo. Os engenheiros calcularam que no máximo 180 pessoas poderiam morrer em acidentes por causa daquilo, e sairia mais barato pagar as indenizações do que colocar a peça em todos os carros. Dito e feito. Morreu gente, e os casos foram parar na Justiça dos EUA – que teve acesso ao relatório com a conta macabra. Não foi o único caso do tipo. Na década de 1960, a GM vendeu um carro, o Corvair, cuja suspensão usava peças baratas – e sabidamente perigosas. O assunto foi descrito no livro Unsafe at any Speed (“Inseguro em qualquer velocidade”, sem edição em português), do advogado americano Ralph Nader. A GM tentou desacreditar Nader. Mas acabou tirando o carro do mercado.

Casos assim podem parecer absurdos, coisa de outro tempo. Mas até hoje a propaganda visita, de vez em quando, a fronteira entre verdade e inverdade. Porque temos certa tolerância à cascata. De certa forma, queremos achar que o nosso celular é o melhor do mercado, acreditar que o suco que tomamos é 100% natural ou que a atriz da novela usa mesmo o xampu que anuncia. Se você tem mais de 30 anos, talvez se lembre do slogan “Danoninho vale por um bifinho”. Não vale, claro. Mas exageros assim continuam fazendo nossa cabeça – embora alguns sejam desmascarados. Em 2010, a Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC) acusou a Danone de exagerar na capacidade do iogurte Activia de regular a digestão. A empresa aceitou retirar o termo “clinicamente provado” dos rótulos e propagandas, além de pagar US$ 21 milhões de multa. Caso parecido foi o de um tênis da New Balance, que prometia queimar mais calorias graças a uma revolucionária (e secreta) tecnologia de ativação muscular. Em 2011, consumidores entraram na Justiça dizendo que era propaganda enganosa, com base em estudos que não detectaram nenhum benefício. O fabricante fez acordo e pagou indenizações.

Ok, você pode desconfiar da publicidade e dos políticos. Mas e do seu médico? Porque os médicos mentem, sim. E não é pouco. Numa pesquisa feita em 2012 pela Escola de Medicina de Harvard, 34% dos doutores disseram que acham aceitável omitir erros graves dos pacientes. E 20% admitiram ter ocultado um erro médico, cometido no ano anterior, por medo de levar processo. Já que estamos falando de saúde: você já deve ter ouvido que remédio é caro porque desenvolvê-lo é caro. É uma meia-verdade. O desenvolvimento é caro mesmo – é preciso testar de 5 a 10 mil substâncias para chegar a uma nova droga. Ocorre que os laboratórios gastam muito mais em marketing dos remédios do que em pesquisa científica. Em 2013, por exemplo, a gigante Johnson & Johnson, maior empresa farmacêutica do mundo, gastou US$ 17,5 bilhões em marketing e promoção de vendas – o dobro do que investiu em pesquisa científica (US$ 8,2 bilhões), segundo um levantamento da empresa de pesquisas Global Data. Todos os outros grandes laboratórios fazem a mesma coisa.

A extinção da mentira

A pessoa ruboriza, pisca muito, transpira, põe a mão na boca, mexe em objetos, evita o contato visual. Quando desconfiamos de alguém e notamos indícios assim, é tiro e queda. Está mentindo! Será mesmo? “Não há tiques universais que indiquem que as pessoas estejam mentindo. Uma pisca rápido, mas outra pode olhar fixamente para você, com longas pausas entre as piscadas”, diz o psicólogo Robert S. Feldman, da Universidade de Massachusetts Amherst. Mesmo que você se ache fera em detectar gente falsa, o fato é que você cai como um patinho em metade das vezes. Foi o que os psicólogos Bella DePaulo e Charles Bond descobriram em 2006. Eles analisaram mais de 200 estudos, sobre o desempenho de 24 mil pessoas na detecção de mentiras. Conclusão: conseguimos distinguir a verdade da mentira em apenas 54% do tempo. É praticamente a mesma chance de acerto que pegar uma moeda e jogar cara ou coroa. Puro chute.

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E a polícia, que supostamente tem técnicas para desmascarar mentirosos, não vai muito melhor. O psicólogo americano Paul Ekman avaliou a performance de agentes do Serviço Secreto dos EUA, da CIA e do FBI, além de juízes, promotores, policiais, psiquiatras e estudantes. Os 509 participantes assistiram a dez vídeos curtinhos, de um minuto cada. Cada vídeo mostrava uma mulher contando o que sentiu sobre um filme que havia visto. Algumas mulheres mentiram, outras falaram a verdade. Após ver cada entrevista, os participantes decidiam se a pessoa era honesta ou não. Os profissionais altamente treinados só conseguiram identificar as mentiras – adivinhe – na metade das vezes. Igual aos estudantes. Igual a todo mundo.

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Numa pesquisa feita em 2012 pela Escola de Medicina de Harvard, nada menos do que 34% dos médicos disseram que é aceitável omitir erros graves dos pacientes. E 20% admitiram ter feito isso: ocultado um erro médico, cometido no ano anterior, por medo de processo. (Tomás Arthuzzi/Superinteressante)

Por tudo isso, há quem aposte no famoso detector de mentiras: o polígrafo. Essa máquina, que não costuma ser usada no Brasil, mas é comum nos EUA, mede sinais como pressão arterial, alteração da voz, suor, pulsações e dilatação da pupila. Mas o problema dos polígrafos é que eles não detectam a mentira, e sim o medo. Muita gente fica ansiosa não porque está mentindo, e sim por se submeter ao teste. Se você sente o coração pular na cadeira do dentista, imagine sendo interrogado com fios por todo o corpo. Por outro lado, pessoas que mentem sem demonstrar ansiedade têm mais chance de passar. Por isso, o polígrafo não é confiável (a propósito: os detectores de mentira para celular, aqueles aplicativos que só analisam a voz, não têm qualquer validade).

Mas existe uma coisa que promete avanços contra a mentira: a estimulação magnética transcraniana (tDCS). Essa técnica consiste em aplicar campos magnéticos sobre o cérebro, interferindo com sua atividade elétrica – e, com isso, estimular ou inibir determinadas áreas. Foi o que aconteceu num polêmico estudo feito na Universidade de Talinn, na Estônia. Os voluntários viam duas bolinhas, uma vermelha e outra azul, se alternando numa tela de computador. Eles eram orientados a mentir, ou seja, falar outra cor (qualquer uma) que não a verdadeira. Mas, em alguns casos e sem que as pessoas soubessem, seus cérebros estavam sendo estimulados. Um campo magnético era aplicado sobre o córtex pré-frontal dorsolateral, região que acredita-se estar relacionada à mentira. Quando isso acontecia, as pessoas passavam a mentir um pouco menos: elas simplesmente não conseguiam mentir tanto, mesmo se quisessem. Talvez um dia seja possível usar essa técnica para criar uma “máquina da verdade” neurológica.

Mas o estudo foi pequeno, e o efeito conseguido foi modesto. O fato é que a mentira continuará conosco para sempre. E é inevitável que, daqui a alguns minutos, horas ou dias, você conte a sua próxima. Resta tentar usá-la para o bem. Como dizia o poeta Noel Rosa: “Saber mentir é prova de nobreza/Pra não ferir alguém com a franqueza/Mentira não é crime/É bem sublime o que se diz/Mentindo para fazer alguém feliz”.

O censo da mentira

A SUPER realizou, pelas redes sociais, uma pesquisa sobre mentira. 11.106 pessoas responderam. Confira os principais resultados.

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Seu (sua) namorado(a) quer sair, mas você não. Você inventa uma desculpa? (Inara Negrão/Superinteressante)
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Seu irmão ou irmã foi traído(a) pelo cônjuge – e você ficou sabendo. Mas hoje eles vivem felizes. Você omite a traição? (Inara Negrão/Superinteressante)
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Seu colega de trabalho foi para outra empresa. Tudo bem pegar aquela ideia genial dele e mentir que é sua? (Inara Negrão/Superinteressante)
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Pintou um programa superlegal e você quer faltar no emprego. Tudo bem mentir que está doente? (Inara Negrão/Superinteressante)
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Você viajou aos EUA e comprou eletrônicos. Você mente na alfândega para tentar pagar menos imposto? (Inara Negrão/Superinteressante)
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Chegou a hora de fazer o Imposto de Renda. Você mente na declaração para pagar menos? (Inara Negrão/Superinteressante)

Colaboraram Camila Felix, Otavio Cohen e Priscila Bellini

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