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Por que South Park incomoda tanto?

Nada é mais politicamente correto do que expor as mazelas do mundo

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 31 ago 2000, 22h00

Denis Russo Burgierman

Imagem: Divulgação

Uma dessas organizações xiitas que querem livrar a televisão americana de palavrões e de pornografia se deu ao trabalho de contar quantas vezes um único episódio de South Park, seriado de desenho animado que passa no canal por assinatura Multishow, agrediu os olhos e ouvidos dos telespectadores. Em apenas meia hora, computaram dez cenas violentas, três derramamentos de sangue, 13 insinuações de sexo, cinco vômitos e sete puns.

Em South Park, o único garoto relativamente bonzinho morre em todos os episódios, ora atravessado por um mastro de bandeira, ora devorado por um bando de perus. A lista de personagens inclui ainda um professor homossexual e esquizofrênico, uma enfermeira que tem um feto grudado na cabeça, um cozinheiro maníaco sexual e – acredite – um cocô falante. Tudo isso ilustrado com um traço tão tosco que dá a impressão de que os filmes foram feitos por alunos do jardim da infância.

O que dizer dessa sucessão alucinada de agressões, ofensas e absurdos? No mínimo, segundo os críticos, que não acrescenta nada ao intelecto do telespectador. No máximo, que se trata de material nocivo porque torna as pessoas menos sensíveis à violência e à pornografia. Virou lugar-comum rotular as histórias de South Park, passadas em uma pacata cidade nas montanhas do Colorado, de politicamente incorretas.

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De fato, o diretor Trey Parker e o roteirista Matt Stone não se esforçam muito para acalmar a ira. Pegue um diálogo qualquer como exemplo. Numa certa altura, o personagem Cartman pede desculpas por chamar o amigo Kyle de judeu idiota. “Eu não te acho um judeu”, diz em seguida. Kyle retruca indignado dizendo que é judeu sim. A resposta: “Não seja tão duro consigo mesmo”.

Cartman, o personagem mais popular do desenho, é um gordinho irritante, desbocado, mal-humorado, folgado, covarde e racista. Os adeptos da doutrina do politicamente correto apontam para o risco de que os telespectadores, especialmente as crianças, se identifiquem com ele e copiem seus defeitos e seu desprezo por pobres, negros, subalternos, judeus etc. Não é por isso que South Park incomoda tanto. É porque as atrocidades expostas no seriado refletem muitas vezes o pensamento médio do público.

Um exemplo disso é o episódio no qual os garotinhos fazem uma doação para as crianças da Etiópia. Não, os pequenos egoístas não foram tocados por um repentino impulso humanitário – estavam apenas interessados no relógio digital que receberiam de brinde. Acontece que a organização beneficente se engana e, em vez de entregar o relógio, deixa um garoto etíope na casa de Cartman. A criança negra enfrenta a esperada incompreensão da cidadezinha caipira. Passados alguns dias, porém, algo interessante acontece. O etíope vai ficando tão canalha quanto seus contemporâneos americanos. Tanto que acaba preparando uma armadilha para mandar Cartman para a Etiópia no lugar dele.

A história não tem pé nem cabeça. Acontece que esse enredo absolutamente inverossímil acabou colocando um americano bem-alimentado no meio do sufoco da África miserável. Ao mesmo tempo, mostrou que uma criança etíope tem tantas fraquezas e é tão humana quanto qualquer branquelo do Colorado. Pode parecer óbvio, mas bem poucas pessoas lembram que aqueles sujeitos passando fome nos trópicos são gente como elas. É incômodo demais pensar nisso, para o bem e para o mal. O episódio expõe a ferida com escracho e enfia o dedo nela sem precisar adotar um discurso engajado e chato. Por isso, atinge melhor as pessoas do que muito documentário da BBC.

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South Park não esconde os defeitos de seus personagens embaixo do tapete. Não foge do fato inegável de que as crianças também podem ser más. Também não se preocupa em maquiar as imperfeições da mentalidade americana, do mundo moderno, do capitalismo. Isso não é incorreção política. Aliás, nada é mais politicamente correto do que expor os problemas do mundo.

Em tempo: se você nunca viu um episódio de South Park, o longa-metragem que acabou de estrear nos cinemas brasileiros não é a melhor introdução ao universo dos canalhinhas do Colorado. Desta vez, Parker e Stone, na ânsia de irritar seus perseguidores, chutaram longe o balde. Consta que é o filme com mais violência, linguagem obscena e mortes por minuto de toda a história do cinema. E quase tudo é gratuito, como aliás são, quase sempre, na vida real, coisas como violência, morte e obscenidades.

Denis Russo Burgierman é editor da Super

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