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Quando os filhos começam a mentir?

Antes de nascer, o filho já começa a mandar mensagens químicas para enganar o corpo da mãe. Mas é a partir dos 2 anos que ele passa a enganar com palavras - e não para mais

Por Maurício Horta
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 8 mar 2013, 22h00

Por fora, a gravidez é uma beleza. Por dentro, é uma guerra ambígua entre dois corpos. Ao mesmo tempo que disputam os mesmos nutrientes, um precisa do outro. Afinal, sem o corpo da mãe, o feto não nasce e, sem o feto, a mãe não leva adiante seus genes.

Mas há um momento em que essa luta se acirra: depois do 6º mês de gravidez. Nesse estágio, o feto já tem mais de 1 quilo e ocupa tanto espaço que a mãe sente dificuldade para respirar, fortes dores nas costas, azia, inchaço nas pernas, incontinência urinária. Se fosse um parasita qualquer, o corpo da mãe se livraria dele. Como, então, garante mais 3 meses no útero? Enganando sua mãe.

Nesse momento, claro, o bebê não pode usar palavras para atingir seus objetivos. Mas parte sem problemas para a linguagem química dos hormônios, explica Robert Trivers, pai da sociobiologia moderna e professor de antropologia e ciências biológicas da Universidade Rutgers, EUA. “No último trimestre, há uma mudança chocante do controle das principais variáveis do sangue da mãe – batimento cardíaco, nível de glicose no sangue e distribuição do sangue pelo corpo”, explica Trivers no livro The Folly of Fools (“A Tolice dos Tolos”, sem edição brasileira.) “Normalmente essas variáveis estão sob o controle dos hormônios maternos, produzidos em níveis muito baixos. Mas no 3º trimestre o controle passa para o feto, que produz substâncias iguais ou muito parecidas, em concentrações centenas ou milhares de vezes mais altas.”

Qual a função dos hormônios? Realizar a comunicação entre diferentes partes de um indivíduo. São mensageiros. Glândulas de uma mulher produzem hormônios que vão levar a alterações dentro de seu próprio corpo, de acordo com os interesses de sobrevivência desse corpo. Já o feto é outro indivíduo, ainda que não seja independente. Embora seus interesses não sejam opostos aos da mãe (afinal, ele precisa dela para sobreviver), tampouco são idênticos. É exatamente para mudar o comportamento do corpo da mãe de acordo com seus próprios interesses que, por meio da placenta, o feto joga na corrente sanguínea materna esses hormônios. O corpo da mãe, por sua vez, reconhecrá esses hormônios como se fossem seus. É assim que o filho inicia sua primeira campanha para enganar a mãe em benefício próprio.

 

 

Unhé!

Embora o feto engane o corpo da mãe, ele não tem consciência disso – seu corpo simplesmente evoluiu assim, claro. E mais. Quando ele nasce, não é mais capaz de usar a manipulação química. Mas demorará pouco para que ele encontre outra estratégia.

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Normalmente o bebê chora quando sente cansaço, fome, desconforto, dor ou solidão. Já aos 6 meses, quando mal terá soltado os primeiros “mamá” e “papá”, ele aprende que pode usar o choro para chamar a atenção. E vai fazer isso sem parcimônia. Para o alívio dos pais, dá para saber se o choro é de mentira. Diferentemente de quando é para valer, o falso choro é intercalado por pausas as quais o bebê verifica se a estratégia funcionou.

Mas o falso choro é mentira pequena em comparação ao que acontece entre o segundo e o terceiro ano, quando a criança já sabe falar suas primeiras frases completas. Nesse momento, seu vocabulário terá aproximadamente 300 palavras – o suficiente para contar uma mentira para fugir de punições. Ainda que não consiga enganar ninguém.

 

“Eu não mexi”

Uma das maiores especialistas sobre a capacidade de crianças para mentir é a doutora Victoria Talwar, da Universidade McGill, em Montreal. Seu laboratório não é um laboratório comum. Situado num casarão neogótico de frente à universidade, ele mais parece uma brinquedoteca. Mas os experimentos feitos lá não têm nada a ver com diversão.

Talwar não questiona se crianças mentem – afinal, todas têm capacidade de mentir, ao não ser que tenham algum déficit de desenvolvimento. O que ela quer é identificar quando os pequenos começam a mentir, como o fazem, quanto sucesso têm em dobrar os adultos e o que tudo isso tem a ver com os valores morais que elas aprendem.

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Para descobrir isso, Talwar usa os brinquedos como armadilha. Vejamos como funciona o método mais clássico para avaliar as lorotas de crianças. Um adulto diz a elas que dentro de uma caixa há um brinquedo. Então, ele diz que precisa sair e pede para não mexer nele enquanto estiver sozinha. Como é naturalmente curiosa, dificilmente a criança consegue resistir à tentação – 90% delas acabam bisbilhotando o que há na caixa. Quando o adulto volta, pergunta se ela o obedeceu. Então, a criança tem uma escolha: mentir ou contar a verdade.

Nos vários estudos de Talwar e de outros pesquisadores que usaram esse teste, descobriu-se que as crianças começam a mentir por volta dos 2 anos, quando 20% delas mentem no teste. Aos 3 anos, são 40%. Aos 4, 80%. Mais tarde, são todas. Outros estudos observando crianças em casa descobriram que as de 4 anos mentiam uma vez a cada duas horas. E as de 6 anos, uma a cada hora – em geral para esconder alguma coisa que não deveriam ter feito.

Tudo isso significa que crianças são terríveis seres amorais? Não. Elas aprendem, sim, que mentir “é feio”. Só que isso muda conforme a idade. Quanto mais novas forem, mais elas dividem o mundo entre bem e mal e acham que qualquer tipo de mentira é má. Aos 5 anos, segundo Talwar, 92% das crianças acham que toda mentira é má, por mais que elas próprias mintam. Só que elas não conseguem nem sequer definir direito o que é uma mentira. Para 38% das crianças de 5 anos, xingar é mentir. Se você perguntar por que mentir é ruim, metade dirá que é ruim porque quem mente é castigado. Ou seja, crianças de 5 anos mentem e acham isso feio, mas ainda não sabem definir o que é mentira e a julgam de acordo com as consequências.

Mas isso vai mudando conforme elas crescem, até saberem o que são mentirinhas de nada e mentiras para valer. Isso porque passam a entender as implicações além do castigo. Segundo Talwar, aos 11 anos, 48% delas dizem que o problema da mentira é que ela destrói a confiança, 22% que ela nos faz sentir culpa e só os 30% restantes citam o castigo.

 

Aprimorando a arte

Não basta mentir. É necessário convencer. E, nesse ponto, crianças só começam a melhorar sua habilidade dos 7 em diante, quando, diante de perguntas de adultos, são capazes de sustentar a lorota sem cair em contradição, planejando uma estratégia que convença o enganado. Essa sofisticação de suas mentiras evolui sem parar até se tornarem adolescentes, tão dissimulados quanto um adulto.

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Para ver o quão eficientes crianças são em sustentar suas mentiras, Talwar fez mais um estudo. Nele, seus pesquisadores perguntaram a um grupo de 172 crianças de 6 a 11 anos uma série de questões impressas em cartas de múltipla escolhas. Em troca de respostas, elas recebiam prêmios. Logo antes da última pergunta – “Quem descobriu a Tunísia?” -, os pesquisadores disseram que precisavam sair momentaneamente e pediram para que as crianças não lessem a resposta, que estava escrita em vermelho no verso da carta: “Prodidius Aikman”, ao lado de uma imagem de leão. Como o nome foi inventado aleatoreamente, jamais uma criança poderia dar essa resposta se não tivesse colado. E metade das crianças olhou para o verso da carta.

Quando os pesquisadores perguntaram se tinham lido a resposta, 93% das crianças que colaram disseram que não violaram a regra – mas depois deram como resposta o tal “Prodidius Aikman”. Quando os pesquisadores perguntaram como sabiam aquilo, crianças entre 6 e 7 anos em geral titubearam e depois disseram um frustrante “eu não sei”. Mas grande parte daquelas de 9 a 11 anos inventou respostas plausíveis – “Aprendi na escola”, “Vi na televisão”.

Para ver se não se embananariam, vieram em seguida outras perguntas: “Qual animal está no verso desta carta?” e “De que cor está escrito o verso dela?”. Crianças mais novas cairam na armadilha, mas os velhos tiveram a habilidade de fazer de conta que não sabiam. E o que isso mostra?

Talwar e o psicólogo Kang Lee, da Universidade de Toronto, desconfiaram de que na melhoria do talento para mentir houvesse uma nova relação: aquela entre a capacidade de sustentar a mentira e as funções executivas da mente. Ou seja, habilidades como planejamento, memória de curto prazo, controle inibitório e estratégia. A dupla então comparou resultados do teste do brinquedo, feito agora com crianças de 3 a 8 anos, com testes que medem essas funções executivas. As crianças que conseguiam mentir melhor foram melhor também nesses testes. A conclusão foi de que a mentira na infância não era uma falha moral, mas sinal de que a criança atingiu um novo patamar cognitivo. Mentir bem não é nada mais que saber pensar.
 

 

Evolução dos mentirosos
Saiba como a capacidade de enganar se aprimora ao longo da infância

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2 ANOS

Aos 2 anos, a criança já imita os outros – principalmente os mais velhos. Também é capaz de obedecer instruções simples, como “pegue o sapato e guarde no armário”. Entende cerca de 200 palavras, fala umas 50 e já consegue construir frases com 2 ou 3 delas. Mas nem tudo é beleza. Afinal, ela aprendeu o que significa “meu”, mas não “seu”. De repente, a belezinha de bebê passa a gritar, chutar, morder, brigar, desafiar quem manda nele. E, quando faz alguma coisa que não deveria, já é capaz de contar uma mentira. Em testes para avaliar a honestidade, 20% delas mentem.

4 ANOS

A criança já sabe de 2 500 a 3 mil palavras, entende algumas figuras de linguagem, constrói períodos compostos e conta histórias. Com isso, suas brincadeiras de faz de conta também se tornam mais complexas – e as mentiras, abundantes. Nessa idade, 80% das crianças mentem com facilidade em testes. Isso, porém, não significa que ela seja boa no engano. Para contar uma mentira bem-sucedida, é necessário manter a história coerente do início ao fim. E aí está seu ponto fraco. Basta fazer-lhe algumas perguntas para a criança cair em contradição.

7 ANOS

Chega a idade escolar – e, com ela, um novo passo para a mentira: agora, a criança consegue manter sua história sem se contradizer. Isso revela uma nova capacidade importantíssima da mente da criança. Ao mesmo tempo que planeja e memoriza uma versão mentirosa, consegue manter-se atenta e inibir pensamentos que sejam contrários a essa versão.

13 ANOS

Ao entrar para a adolescência, o filho se torna capaz de mentir com palavras e com o corpo, feito um adulto. Até então, conseguia criar um discurso coerente, mas seu olhar facilmente a entregava. Num estudo com crianças de 7 a 15 anos, as de até 9 anos mantiveram menos tempo o contato visual quando mentiram. Em vez disso, olhavam para cima, numa expressão de pensamento. Já as mais velhas sabiam que manter “olho no olho” era sinal de sinceridade.
 

 

Quando começam a detectar mentiras?
A partir dos 4 anos, crianças começam a identificar mentirosos pelo olhar

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Durante a década de 80, estudos mostraram que até o início da adolescência crianças têm dificuldade para processar e usar as pistas não verbais que normalmente revelam quando alguém diz a verdade ou não. “Mas esses estudos se focaram basicamente em pistas sutis ou intencionalmente mascaradas, como fingir um sorriso quando faz de conta de que gostou de uma bebida”, afirma o psicólogo Kang Lee, da Universidade de Toronto. Mas o que dizer de pistas menos sutis? A partir de que idade a criança consegue perceber que o que uma pessoa diz não combina com o que seus olhos dizem? Para descobrir isso, Lee fez 3 experimentos, mostrando a 97 crianças de 3 a 5 anos um vídeo em que uma atriz escondia um brinquedo em uma de 3 xícaras. Nos primeiros dois experimentos, a atriz dizia “eu não sei onde está o brinquedo”, mas olhava para uma das xícaras – no primeiro, só com os olhos; no segundo, com um movimento de cabeça. No terceiro experimento, a atriz dizia que o brinquedo estava em uma xícara, mas olhava para outra. Enquanto as crianças de 3 anos não conseguiram usar a pista do olhar da atriz para descobrir onde o brinquedo estava, as de 4 a 5 anos conseguiam. Isso mostrou a idade em que crianças se tornam capazes de comparar linguagem corporal e linguagem verbal – estratégia básica para desvendar mentiras.

 

 

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