Na Antiguidade, acreditava-se que a Terra fosse um imenso plano, com bordas das quais se poderia cair. Com a evolução da Astronomia, passou-se a crer que o planeta fosse uma esfera. Até que se descobriu que ela era achatada nos pólos e bojuda no equador, como uma enorme abóbora, com evidente exagero. Nos últimos tempos, porém, os estudiosos da Geodésia – ciência que se ocupa de desvendar a forma e as dimensões do planeta – passaram a divulgar que a “abóbora”, ou elipsóide, como preferem, é toda enrugada. E agora eles contam com a ajuda dos chamados satélites passivos para entender melhor esse fenômeno. O mais novo rebento da pesquisa geodésica pelo espaço é o francês Stella, o mais moderno satélite passivo, a ser lançado num foguete da série Ariane. Ele deve confirmar que elipsóide não é a melhor definição para o perfil do planeta. Não que essa hipótese esteja errada. Só que a Terra não é uma “abóbora perfeita”, como se pensava. “Seria, se a distribuição de massa do planeta fosse homogênea”, explica o professor Nelsi Côgo de Sá, do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo. “Como a densidade da matéria varia em todas as camadas, a superfície fica irregular.” Esse modelo cheio de altos e baixos foi batizado de geóide.
Vale lembrar que os altos e baixos do geóide não significam as montanhas ou vales que vemos no dia-a-dia. Mesmo que um hipotético rolo-compressor gigantesco aplainasse esses acidentes geográficos, existiriam subidas e descidas da superfície da Terra (veja ilustração). E verdade que essas ladeiras nunca seriam percebidas sem a ajuda de satélites e equipamentos de medição, pois seu ângulo, de tão pequeno, é imperceptível aos sentidos humanos.
Mas, quando se fala de longas distâncias, acontecem desníveis curiosos. Parece loucura, mas o litoral do Pará está 15 metros mais baixo que o do Rio de Janeiro. Ao ouvir isso, a primeira reação é perguntar: como então as praias paraenses não estão cobertas pelas águas do oceano? A resposta é espantosa: também os mares acompanham os aclives e declives da superfície geoidal. Por incrível que possa parecer, a força de gravidade age com intensidade e direção diferentes, garantindo que os oceanos também fiquem tortos.
Na verdade, é uma questão de referencial. Em relação ao nível do mar, tanto o Rio como o Pará estão na mesma altitude. Mas em relação a uma nave espacial, a Ilha de Marajó e suas águas estarão sempre alguns metros mais distantes do que a capital carioca e o mar esverdeado que a banha. Da mesma forma, o Estado do Acre está 32 metros acima do que deveria, caso a Terra fosse um sólido perfeito. O Amapá, por sua vez, está 32 metros abaixo de uma hipotética superfície ideal. Ainda que Rio Branco e Macapá tivessem a mesma altitude em relação ao mar, a capital do Acre estaria 64 metros mais alta que a do Amapá, em relação a um referencial no espaço.
A partir do espaço, os cientistas conseguem determinar, de modo global, as ondulações de continentes e oceanos. Isso porque as irregularidades influem na órbita dos satélites. A força gravitacional que os impede de escapar espaço afora resulta do enorme acúmulo de matéria que é a Terra. “Como a distribuição da massa no interior do planeta é heterogénea, a força gravitacional fica maior ou menor em determinadas regiões da superfície”, explica Côgo de Sá.
Para revolta dos vestibulandos, o valor da aceleração da gravidade que se aprende no colégio – 9,8 metros por segundo ao quadrado – não pode ser levado muito a sério. Existem regiões em que esse número cresce ou diminui alguns décimos. Isso faz o satélite descer ou subir um punhado de metros em sua órbita, permitindo desenhar o geóide mais amplo do planeta. Para isso. os geodesistas usam o satélite passivo: uma carcaça, sem badulaques eletrônicos, mas dotada de refletores de raio laser extremamente precisos. Eles refletem os feixes de laser com os quais são bombardeados a partir da Terra. Os cientistas descobrem a altitude do satélite pelo tempo de ida e volta da luz. Se a Terra fosse uma “abóbora perfeita”, por dentro e por fora, essa altitude nunca mudaria, estivesse o satélite sobre o Brasil, o Japão ou o Pólo norte.
Como, na prática, ela é enrugada e com porções mais cheias ou vazias em seu interior, a
força gravitacional é maior ou menor em algumas regiões, o que faz a altitude dos satélites variar. Os cientistas mapeiam essas regiões e alimentam seus computadores com os dados. Eles associam as variações da gravidade às deformações da superfície do planeta e desenham a “abóbora com suas rugas”. Ou. em termos científicos, o geóide.
O satélite passivo de estudos geodésicos Stella, a ser lançado pelo foguete Ariane 40, na Guiana Francesa, será monitorado pelo Centro de Estudos Geodinâmicos e Astronômicos de Calem, na França. A partir do Centro, localizado nos Alpes, o Stella receberá baterias e mais baterias de laser, que devem ser prontamente refletidas pelos seus 60 espelhos de alta tecnologia. Assim, esperam os pesquisadores franceses, teremos a mais perfeita representação da superfície geoidal em escala global.