Você acredita em tudo?
A Loira do Banheiro, o Fofão assassino, o quadro do menino chorando... e outras lendas urbanas que se fixaram no imaginário popular
Alexandre Petillo
As lendas urbanas são um fenômeno mundial. Toda cultura, em qualquer região, cultiva suas próprias histórias e crenças sobrenaturais. Elas costumam florescer nas escolas, entre as crianças. Sempre aparece aquele amigo para contar algum “causo” novo. São as versões urbanizadas das velhas histórias de bruxas ou saci-pererê.
O folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo dizia que as lendas e os contos urbanos eram como “um dos altos testemunhos da atividade cultural de um povo, ensinando a conhecer diversas facetas do espírito humano, agrupando informações históricas, etnográficas, sociológicas, jurídicas e sociais, constituindo um documento vivo dos costumes, idéias e julgamentos de um grupo cultural”.
Com a internet, a disseminação de novas lendas urbanas se acelerou. E as pessoas continuam acreditando em cada absurdo, como aquela história de encaminhar mensagens para toda sua lista de endereço, para ajudar um jovem menino a ser operado, ou para ganhar um carro de alguma concessionária. Apesar da rápida proliferação de novas histórias por meio da internet, as lendas urbanas mais charmosas e eficazes nasceram e se espalharam por meio do velho boca a boca. Aquelas de arrepiar, que tiraram o sono de muito marmanjo de hoje em dia, geralmente ocorreram com o “fulano, amigo do sicrano, primo do beltrano”. Leia a seguir e atire a primeira pedra quem nunca ouviu alguma dessas lendas relatadas – e acreditou nela. Duvide e uma maldição cairá sobre você, caro leitor…
AS MENSAGENS SECRETAS DE XUXA
A rainha dos baixinhos começou sua escalada para a fama nos anos 80 e não faltaram teorias conspiratórias para explicar sua ascensão meteórica até o estrelato. A mais célebre dizia que Xuxa teria feito um pacto com o Demônio e, por isso, colocava mensagens satânicas subliminares em suas músicas. Um de seus maiores sucessos, “Doce Mel”, diz no refrão: “doce, doce, doce/a vida é um doce”. Se o disco for tocado no sentido anti-horário, garantem os conspirólogos, dá para ouvir “sangue, sangue, sangue”.
Testemunhas da época juram de pés juntos que viram Xuxa num centro de macumba em Niterói (RJ), onde ela fazia seus pactos com o Diabo. Não só isso: diziam que a boneca da Xuxa ganhava vida à noite e matava crianças incautas. Uma das histórias mais malucas era a de que uma menina havia ganhado uma dessas bonecas e a mãe só permitiu que ela abrisse o presente no dia seguinte, data do seu aniversário. Mas, quando o dia amanheceu, a mãe encontrou sua filha morta na cama, com a boneca no colo e uma faca ao lado. Essa história de arrepiar se passou com a boneca menor. Já a maior sufocava as crianças com suas longas pernas. Há quem afirme também que Xuxa vem de “oXUm” e “oXAlá”. É por isso que a apresentadora costuma se referir a Deus como “o cara lá de cima”…
O MENINO QUE CHORA
No começo dos anos 80, era extremamente popular em todo o país um quadro que mostrava um menino chorando. Dizia a lenda que, virando o quadro ao contrário, apareceria a imagem do Demônio. O quadro jamais poderia ser queimado, senão liberaria o espírito do Mal. Se fosse jogado no lixo, misteriosamente ele retornaria para a casa do dono. O único jeito de se livrar da maldita obra seria atirá-la num rio que corresse para o sul – e sair de perto de fininho, sem olhar para trás.
Supõe-se que o quadro tenha sido concebido por um pintor que fez um pacto com o Diabo para receber um pouco de talento. O menino que posou para o retrato teria sido morto durante um ritual satânico. Essa história rendeu até matéria no Fantástico, com padres pedindo aos fiéis que jogassem fora o quadro. Hoje, o retrato virou raridade. Mas, na dúvida, se você topar com um deles por aí, é melhor passar reto.
A LOIRA DO BANHEIRO
Essa lenda é mais conhecida no Estado de São Paulo, uma vez que foi criada pelo jornal paulista Notícias Populares. É uma das histórias horripilantes mais famosas. Houve uma época em que muitos alunos não se arriscavam a ir sozinhos aos banheiros escolares, pois morriam de medo de topar com a loira. Segundo a lenda, ela era uma garota muito bonita, de cabelos bem loiros, com cerca de 15 anos. A garota gostava de matar aula e uma de suas formas favoritas era ficar no banheiro, de bobeira, esperando o tempo passar. Um dia, escorregou no banheiro, bateu a cabeça no chão e morreu. A alma da menina não acreditou no seu azar e passou a assombrar todos os banheiros escolares possíveis. Muitos alunos afirmavam ter visto a loira do banheiro, pálida e com um algodão no nariz para evitar que o sangue escorresse.
MULHER NA ESTRADA PEDINDO CARONA
Em uma noite de nevoeiro, numa estrada cheia de curvas, um carro deu carona para uma mulher muito bonita que estava no acostamento. A mulher contou ao motorista que seu carro havia caído numa ribanceira com ela, o marido e seu filho, e eles precisavam de socorro. Imediatamente, as pessoas que tinham dado a carona desceram a ribanceira. Chegando ao local do acidente, encontraram no carro um homem e uma mulher já mortos e um bebê muito ferido. A mulher morta era a mesma pessoa que havia pedido carona. Seu espírito tinha ido em busca de socorro para salvar o filho.
A MORTE NÃO ANUNCIADA
Esta história circulou por e-mail em meados de 2002. O texto dizia que um alto executivo da Rede Globo tinha sido afastado e, para se vingar, revelou que Roberto Marinho estava morto desde outubro de 2001. O enterro teria ocorrido secretamente, no cemitério de São João Batista, no Rio, e sido presenciado apenas pela viúva e pelos filhos. Uma imagem no Jornal Nacional, em março de 2002, mostrava Roberto Marinho no jantar de inauguração de um hospital patrocinado pela sua fundação. Mas o vídeo seria uma gravação de 1998, feita no Real Gabinete Português de Leitura. O falecimento teria sido ocultado porque a Globo estava em dificuldades e o anúncio causaria um abalo financeiro irremediável. Oficialmente, Roberto Marinho morreu em 6 de agosto de 2003, aos 98 anos, vítima de edema pulmonar.
LADRÕES DE RINS
Uma das primeiras lendas urbanas propagadas pela internet e que teria acontecido em vários países. O primeiro caso de que se tem notícia foi em Buenos Aires. Um jovem foi a uma festa, bebeu todas e conheceu uma garota, que o levou para outra festa. Lá, ele tomou algum tipo de droga (não há informação de que Maradona estivesse na festa) e apagou. Depois disso, o jovem só se lembra de ter acordado pelado numa banheira cheia de gelo. Ao lado, havia um bilhete: “Ligue urgentemente para o hospital ou morrerá”. Os médicos que o examinaram descobriram que os rins do infeliz haviam sido roubados, por meio de dois cortes de 15 centímetros. Cada rim no mercado negro custa 20 000 dólares. O argentino estaria até hoje internado no Hospital Fernandez, ligado a um aparelho que o mantém vivo, enquanto aguarda um novo doador de rins… Muita gente jura que a história é real!
GANGUE DO PALHAÇO
Uma Kombi dirigida por um palhaço, com uma bailarina no banco do carona, era vista rondando as saídas das escolas em busca de alunos inocentes. O coitado moleque era atraído para dentro do Kombão e tinha seus órgãos extirpados para serem vendidos.
CAVERNA DO DRAGÃO
Outra lenda da era da internet. Caverna do Dragão foi um dos desenhos animados mais populares dos anos 80, criado a partir do jogo de RPG Dungeons & Dragons (que significa algo como “Masmorras & Monstros”). Era um fenômeno de audiência infantil, impossível de tirar os olhos, apesar de seus capítulos serem repetidos à exaustão pelas emissoras.
Segundo conspirólogos, a animação escondia mensagens subliminares diabólicas. Caverna do Dragão contava a comovente história de seis amigos, Hank, Sheila, Eric, Presto, Diana e Bobby, que, ao andar numa montanha-russa, são transportados para um mundo mágico povoado por dragões e feiticeiros. Eles passam toda a série tentando voltar para casa. São ajudados pelo Mestre dos Magos, que sempre aparece misteriosamente para dar pistas. No caminho, enfrentam o vilão Vingador; seu escudeiro, o Demônio das Sombras; e o dragão de cinco cabeças Tiamat. A série acabou nos Estados Unidos em 1985 e seu final nunca foi exibido.
Na internet, circulou uma versão do último episódio da série: os seis amigos descobrem que, na verdade, sofreram um grave acidente na montanha-russa, todos morreram e estão no Inferno. O Tiamat não é um vilão, mas sim um anjo enviado para avisá-los que jamais voltarão para casa. O Vingador e o Mestre dos Magos são duas versões de Lúcifer, que faziam a turma entrar em enrascadas só para se divertir. Os roteiristas da Caverna do Dragão desmentiram essa versão. Segundo eles, o último episódio da série nunca foi escrito.
A AGULHA NO CINEMA
Uma famosa lenda urbana lançada no auge do pavor da Aids, em meados dos anos 80, dizia que um maluco soropositivo teria espalhado seringas com agulhas contaminadas nas poltronas dos cinemas brasileiros. Quem se sentava sobre as agulhas era contaminado na hora.
PIPOCA COM COCAÍNA
Tratava-se supostamente de um golpe de traficantes espertos para atrair novos compradores. Os traficas adicionavam cocaína à pipoca vendida nas portas dos colégios, misturada com sal. A molecada comia a pipoca batizada e ficava viciada. Assim, voltava todos os dias para comprar pipoca sempre com o mesmo vendedor.
O HOMEM DO SACO
Esta história, na verdade, é uma versão moderna do mito do bicho-papão. Fala de um mendigo que carregava um saco nas costas, onde ele escondia as crianças que roubava pelo caminho. Depois, ele vendia a garotada.
O ESPÍRITO BAIXA NO CORPO
Brincadeira muito popular há alguns anos. São necessários um copo virgem (na falta, purificar um com água corrente e sal grosso e secar ao vento), um tabuleiro redondo com letras, números e inscrições de “sim” e “não”. Todos os presentes dão as mãos, rezam três Pai-nosso e invocam algum espírito, que então baixa no copo. O grupo faz perguntas ao copo, que responde movimentado-se sozinho (!) e formando palavras com as letras. Se o copo se levantar, o espírito pode “grudar” em alguns dos presentes. Para mandá-lo embora, é preciso quebrar o copo com um martelo.
TATUAGENS DE LSD
Em 1980, a polícia americana apreendeu um carregamento de 4 000 cartelas de LSD com a cara de Mickey Mouse. Esse fato deu origem à história de que traficantes vendiam chiclete acompanhado de figurinhas de tatuagens com motivos infantis. As crianças que tatuavam a pele com esses desenhos ficavam maluquinhas e viciadas.
O BONECO FOFÃO ASSASSINO
Inspirado em um dos personagens mais populares do programa infantil Balão Mágico, o boneco Fofão tornou-se um produto campeão de vendas em meados dos anos 1980. Mas, segundo a lenda, havia um detalhe horripilante: dentro do boneco se encondiam uma adaga e uma vela. A lenda dizia que o boneco matava seu dono e ainda fazia um ritual satânico com o corpo do coitado. Foi um perfeito golpe de marketing, pois muita gente comprou o boneco só para abri-lo e procurar tais objetos. Uma história absurda, claro.Mas que o Fofão era assustador, isso era…
Eu acredito!
“Gatos em microondas. É o nome que dou às lendas urbanas, em homenagem à americana que secou seu gato no microondas e foi indenizada pois a fabricante não explicara que não podia pôr o bicho lá. Duas coisas me impressionam: quem escreve essas histórias e quem acredita nelas. Aliás, seu cérebro acaba de ser programado para você bater a cabeça na parede daqui a pouco. Para evitarisso, dê um sorriso. Isso. Bacana.”
Leo Jaime é músico
“Você nunca viu o Pé de Garrafa. Na verdade, ninguém viu. Mas, em Mato Grosso do Sul, os peões sabem o arrepio que dá quando, no meio do mato, ouvem o grito do Pé. A cachorrada corre logo na direção do alvoroço. Quando os peões chegam lá, confirmam que o Pé passou por ali: no chão, as pegadas redondinhas. A mesma marca que deixa o fundo de uma garrafa. O Pé faz parte da constelação de narrativas que povoam o país da maioria, aquele sem shopping por perto. Em muitos anos de viagens pelo lado de dentro do Brasil, claro que quase esbarrei na Mulher de Branco, numa estrada noturna. E não custa cuidar dessas preciosidades, em risco de extinção.”
Maurício Kubrusly é repórter do Fantástico (TV Globo) e conhece o Brasil e suas lendas urbanas como poucos