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A saga de William Simpson: O criador dos monstros de Game of Thrones

O primeiro de Seu Nome, Arquiteto dos Sete Reinos, Desenvolvedor de Correntes e Pai dos White Walkers. Will deu forma às armas e criaturas de Westeros

Por Felipe Germano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 23 out 2020, 15h18 - Publicado em 24 ago 2017, 19h10

com todo o respeito a Toquinho, o irlandês William Simpson discordaria da afirmação de que, com cinco ou seis retas, é fácil fazer um castelo. Mesmo assim, aceitou na hora o pedido de desenhar alguns castelos para o produtor de O Resgate do Soldado Ryan, Mark Huffman. Will concordou rapidamente, não só porque gostou do convite, mas porque não tinha muito tempo para conversar. Na época, em 2010, ele estava ocupado até o pescoço com os storyboards de Sua Alteza?, uma comédia medieval que viraria um fracasso de público e de crítica. Will, então, teve que usar suas noites e finais de semana para trabalhar na encomenda extra desenhando cavaleiros, armaduras, muralhas, monstros.
Terminada a encomenda, Will enviou as artes sem saber muito bem no que estava se metendo. Nem o nome do projeto havia sido revelado para ele. Mas não demorou para que o telefone tocasse anunciando: aquele trabalho tinha sido um teste. Will tinha passado. E acabava de ganhar um contrato para fazer parte de uma nova série da HBO, a então modesta Game of Thrones.

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(William Simpson/HBO/Reprodução)

A missão de William não era simples. Game of Thrones é uma obra tão narrativa quanto visual. Foi justamente o aumento no número de cenas com computação gráfica que fez o custo por episódio passar de US$ 6 milhões para US$ 14 milhões entre a primeira e a última temporada. Sempre numa tentativa de recriar nas telas o que Will produz com lápis e papel. Sua tarefa inicial era fazer com que tudo que George R.R. Martin narrou nos livros de As Crônicas de Gelo e Fogo chegasse às TVs da maneira mais impactante possível. “Comecei no episódio-piloto. Basicamente, se tinha alguma coisa que pedia um pouco de imaginação no sentido artístico, isso era minha responsabilidade – de desenhar carroças chiques a criar armaduras com cabeça de cachorro. Até que um dia viraram para mim e perguntaram ‘Você pode fazer uma espada?’”. Ele é o responsável pelas armas que estão garantindo uma guerra com oito temporadas de duração. Algumas delas verdadeiras personagens da série, como a Gelo (espada de Ned Stark), a Agulha (de Arya) e a Garralonga (de Jon Snow), além de outros objetos cortantes que decepam pessoas semanalmente em Westeros – incluindo a decisiva adaga de Mindinho, determinante na atual fase da série.
Ao contrário do que o seriado mostra, no entanto, para criar monstros não basta enfiar pedaços de minerais no peito de humanos desesperados. Na verdade, tudo começa com um pouco de lógica darwinista. Na linha: se você tivesse um olho a mais, onde ele seria? Uma primeira tentação poderia ser a de colocá-lo na parte de trás da cabeça – afinal, assim você veria inimigos e até predadores –, mas quantos animais com “olho opositor” você conhece? Pois é. Alguma coisa a natureza deve estar querendo dizer. Bichos com mais olhos, como aranhas, costumam tê-los agrupados. O terceiro olho, então, deveria ser mais perto da testa. Foi com esse raciocínio que Will desenhou o corvo de três olhos, símbolo do seriado. “Para os dragões eu foquei mais em registros históricos. Estudei muita mitologia celta, inca, asteca. Dragões sempre estiveram no imaginário coletivo. No mundo todo. Me aproveitei disso”, conta.

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(William Simpson/HBO/Reprodução)

E foi com íris azuis que o artista fez sua menina dos olhos. “Meu maior orgulho são os White Walkers” [ou Caminhantes Brancos, como dizem as legendas brasileiras], conta Will. O grupo de personagens se tornou tão icônico e importante que, mesmo que você nunca tenha visto um episódio da série, é capaz de já ter esbarrado com uma foto dos monstruosos vilões de gelo. O problema, para Will, é que esses seres não derivam de animais reais ou de figuras mitológicas consagradas. São criaturas que nasceram na cabeça de George R.R. Martin. Logo, ele deveria se basear exclusivamente no que Martin escreveu. E não se engane pelas milhares de páginas: não tem tanta informação assim nos livros. “Achei só um parágrafo, no primeiro livro, que fala sobre isso.” O trecho em questão apenas diz que os monstros são altos, velhos, e pálidos como leite, além de terem olhos “mais azuis e profundos do que qualquer olho humano. Um azul que queimava como gelo”. Mas foi o suficiente. “Fiquei com esses elementos na cabeça e comecei a desenhar. Para minha sorte, o pessoal gostou.”
Tanto gostaram que, com o tempo, lhe deram um novo emprego: ele continuaria desenhando, mas dessa vez não mais conceitos, e sim cenas. Ele se tornou o desenhista de storyboard do seriado. Trata-se do artista responsável por traduzir o roteiro em imagens. Sabe aquele enquadramento fantástico da Batalha dos Bastardos? Pois é, ponto para o Will.
Para poder trabalhar, aliás, ele tem que fazer algo que muita gente pagaria para ter a chance: ler os roteiros com meses de antecedência. “Na volta das férias entre as temporadas, quando eu chego no meu escritório, os roteiros já estão em cima da minha mesa. A partir daí são dois dias de leitura assídua para pegar todos os detalhes – e aproveitar o quão bem escritos eles são!”, diz. Isso é um privilégio mesmo entre as estrelas de Westeros, diga-se. Ninguém do elenco recebe o roteiro completo, só os trechos em que seus personagens aparecem.

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(William Simpson/HBO/Reprodução)

Antes (e além)  da muralha

A trajetória profissional de Will envolveu seriados lá no início – ainda que numa escala completamente diferente da de hoje. “Meu primeiro trabalho profissional foi um livro de colorir de Supermáquina, a série dos anos 1980. Eu desenhava o David Hasselhoff!”, ri. Pouco antes ele havia largado a faculdade de artes, que cursou durante dois anos na Politécnica de Jordanstown (Irlanda). Resolveu vender pinturas de retratos e paisagens. Expôs seus trabalhos em algumas galerias e começou a trabalhar com quadrinhos, nas gigantes do ramo. Desenhou o Batman para a DC, fez Transformers para a filial britânica da Marvel e participou de marcas respeitadas, como Constantine e Judge Dredd. Dos quadrinhos foi um pulo para os storyboards de filmes. “Nos quadrinhos, minhas inspirações eram cinematográficas. Para mim, então, foi uma trilha muito natural”, conta. Trilha que ele deve continuar seguindo por um tempo. Will agora está dirigindo dois curtas-metragens: It’s Not You e Axle Grease. “São coisas pequenas, mas quem sabe elas não crescem?”, diz, esperançoso. Will talvez tenha ficado mal-acostumado. Mas quem não ficaria no lugar dele?

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