Conheça os poemas de Louise Glück, vencedora do Nobel de Literatura 2020
A autora americana foi premiada "por sua inconfundível voz poética que, com beleza austera, torna universal a existência individual".
Nesta quinta-feira (8), foi anunciada a vencedora do Nobel de Literatura de 2020. Contrariando apostas, a ganhadora foi Louise Glück, poeta e ensaísta americana de 77 anos que aborda em seus textos temas como a morte, solidão e as relações familiares.
Para muitos brasileiros, o nome soa como novidade, mas isso tem uma explicação: a obra da autora nunca foi traduzida no País. Por outro lado, seu talento é aclamado nos Estados Unidos. Entre os prêmios da autora, estão o Pulitzer, em 1993, por seu livro The Wild Iris (A Íris Selvagem, em tradução livre), e o National Book Award, em 2014, com a obra Faithful and Virtuous Night (Noite Fiel e Virtuosa, em tradução livre).
A última poeta a receber o Nobel foi a escritora polonesa Wislawa Szymborska, em 1996, que aborda em seus textos a ciência, a natureza e o amor. Quanto a Louise Glück, o comitê comunicou que o prêmio se deve a “sua inconfundível voz poética que, com beleza austera, torna universal a existência individual”.
O Nobel do ano passado foi repleto de polêmicas. Em 2018, a premiação havia sido adiada após 18 mulheres relatarem terem sofrido assédio sexual por Jean-Claude Arnault, um fotógrafo casado com uma das integrantes da Academia. Arnault e sua esposa também vazavam nomes dos vencedores para casas de apostas francesas. Então, o Nobel de 2019 teve que juntar os vencedores: A polonesa Olga Tokarczuk ficou com o prêmio de 2018 e o austríaco Peter Handke levou o de 2019.
Como se não bastasse, Peter Handke também se envolveu em confusão. O escritor era um apoiador do ex-presidente sérvio Slobodan Milosevic, que foi responsável por ordenar o genocídio de mais de 8 mil bósnios de religião muçulmana na década de 90. Sua premiação atraiu muitos olhares negativos. Por conta disso, a escolha de Glück é como um respiro para o comitê.
Michael Schimidt, que trabalha com a escritora na editora Carcanet, disse ao The Guardian que “Ela não é, de forma alguma, uma voz para qualquer causa – ela é um ser humano engajado na língua e no mundo. E eu acho que há uma sensação maravilhosa de que ela não é polêmica, e talvez seja isso que está sendo celebrado. Ela não é uma pessoa tentando nos persuadir sobre nada, mas nos ajudando a explorar o mundo em que vivemos. Ela é uma poeta esclarecedora. Não parece haver muito engajamento político em seus poemas. Eles são realmente sobre o ser humano individual, vivo no mundo e na língua”.
Os poemas de Glück parecem trazer muitos pontos de sua própria vida, e a artista nunca negou este fato. Por outro lado, Anders Olsson, presidente do comitê do Nobel, explicou que ela não é uma “poeta confessional”, mas sim alguém que “aspira ao universal”. Além disso, a escritora também costuma retrabalhar com a mitologia grega e romana, trazendo personagens como Perséfone, a deusa do submundo.
Por enquanto, nenhum dos livros da autora foi lançado no Brasil, mas alguns tradutores trouxeram o gostinho de seus poemas. Confira:
Matins
Unreachable father, when we were first
exiled from heaven, you made
a replica, a place in one sense
different from heaven, being
designed to teach a lesson: otherwise
the same — beauty on either side, beauty
without alternative — Except
we didn’t know what was the lesson. Left alone,
we exhausted each other. Years
of darkness followed; we took turns
working the garden, the first tears
filling our eyes as earth
misted with petals, some
dark red, some flesh colored —
We never thought of you
whom we were learning to worship.
We merely knew it wasn’t human nature to love
only what returns love.
Matinas*
Pai inalcançável, quando nós fomos originalmente
expulsos do paraíso, você criou
uma réplica, um lugar de alguma maneira
diferente do paraíso, sendo
planejado para ensinar uma lição: por outro lado
a mesma — beleza em cada lado, beleza
sem alternativas — Exceto que
por não sabermos qual era a lição. Deixados sós,
nós exaurimos uns aos outros. Seguiram-se
anos de trevas; nos revezamos
trabalhando no jardim, as primeiras lágrimas
encheram nossos olhos conforme a Terra
ficou turva com pétalas, algumas
vermelho-escuras, outras cor de carne —
Nós nunca pensamos em você
a quem aprendíamos a venerar.
Nós apenas sabíamos que não é da natureza humana amar
somente aquilo que retribui o amor.
*Tradução de André Caramuru Aubert, escritor e historiador, retirada do jornal literário Rascunho.
Gratitude
Do not think I am not grateful for your small
kindness to me.
I like small kindnesses.
In fact I actually prefer them to the more
substantial kindness, that is always eying you
like a large animal on a rug,
until your whole life reduces
to nothing but waking up morning after morning
cramped, and the bright sun shining on its tusks.
Gratidão**
Não pense que não sou grata por tuas pequenas
gentilezas.
Gosto de pequenas gentilezas.
De fato as prefiro à gentileza mais
substancial, que está sempre a te cravar os olhos,
feito um grande animal sobre o tapete
até que tua vida inteira se reduza
a nada além de levantar manhã após manhã
embotada, e o sol luminoso rebrilhando em seus caninos.
**Tradução de Pedro Gonzaga, poeta e tradutor, retirada da revista de cultura Estado da Arte.
The Wild Iris
At the end of my suffering
there was a door.
Hear me out: that which you call death
I remember.
Overhead, noises, branches of the pine shifting.
Then nothing. The weak sun
flickered over the dry surface.
It is terrible to survive
as consciousness
buried in the dark earth.
Then it was over: that which you fear, being
a soul and unable
to speak, ending abruptly, the stiff earth
bending a little. And what I took to be
birds darting in low shrubs.
You who do not remember
passage from the other world
I tell you I could speak again: whatever
returns from oblivion returns
to find a voice:
from the center of my life came
a great fountain, deep blue
shadows on azure seawater.
A íris selvagem***
No final do meu sofrimento
havia uma saída.
Me ouça bem: aquilo que você chama de morte
eu me recordo.
Mais acima, ruídos, ramos de um pinheiro se movendo.
Então, nada. O sol fraco
cintilando sobre a superfície seca.
É terrível sobreviver
como consciência,
enterrada na terra escura.
Então tudo acabou: aquilo que você teme,
se tornando
uma alma e incapaz
de falar, encerrando abruptamente, a terra dura
se inclinando um pouco. E o que pensei serem
pássaros lançando-se em arbustos baixos.
Você que não se lembra
da passagem de outro mundo
eu te digo poderia repetir: aquilo que
retorna do esquecimento retorna
para encontrar uma voz:
do centro de minha vida veio
uma vasta fonte, azul profundo
sombras na água do mar azul.
***Tradução de Camila Assad, escritora e tradutora, retirado do portal de notícias G1.