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Em 1964, os Beatles se recusaram a tocar em um show segregacionista

Episódio aconteceu nos EUA, no ápice da beatlemania e do movimento pelos direitos civis dos negros no país.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 13 out 2021, 21h35 - Publicado em 11 jun 2020, 16h19

Em junho de 2020, o músico Paul McCartney relembrou, pelo Twitter, uma história dos Beatles envolvendo racismo. Em 1964, a banda, que estava em turnê pelos EUA, tocaria na cidade de Jacksonville, na Flórida, quando descobriu que os negros seriam segregados na plateia – e se recusou a entrar no palco:

O post de Paul veio na onda do movimento #BlackLivesMatter (“#VidasNegrasImportam”), que surgiu em 2013 e reacendeu na semana anterior devido ao assassinato de George Floyd por um policial branco em Minneapolis, nos EUA. Na mensagem, ele escreveu que, em seguida, os Beatles acabaram tocando para a primeira plateia não-segregada da cidade, e disse estar com raiva e enojado que, quase 60 anos depois, atos racistas (como a morte de Floyd e inúmeras outras) ainda aconteçam.

A recusa foi unânime entre os quatro (Paul, John, George e Ringo) e acabou influenciando o restante da carreira da banda. Mas, para entender tudo isso, é preciso compreender o que estava acontecendo nos EUA naquele momento.

“Beatlemania” e o movimento dos direitos civis

1964 foi um ano emblemático. Os Beatles haviam aparecido pela primeira vez na televisão britânica meses antes, em outubro de 1963. A partir daí, a banda, que ainda só possuía um álbum de estúdio, Please, Please Me, estourou.

Em fevereiro do ano seguinte, Lennon, McCartney e cia. foram aos EUA, onde se apresentaram no programa de TV de Ed Sullivan. É um dos momentos mais importantes da música pop: a audiência, uma das maiores da história, chegou a 70 milhões de pessoas, e consolidou a Beatlemania.

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Os Beatles, a partir daí, viraram um fenômeno mundial. O álbum A Hard Day`s Night, lançado meses depois, foi outro sucesso. Em julho, estreou um filme, com o mesmo nome do disco, que abordava a fama do quarteto, a repercussão das músicas pelo mundo e toda a perseguição dos fãs. Foi um hit de bilheteria.

Mas 1964 não foi emblemático apenas por isso. Nos EUA, foi quando o movimento encabeçado por Martin Luther King Jr. atingiu o seu ápice, com a aprovação da Lei dos Direitos Civis, que proibiu a segregação racial no país.

Antes disso, boa parte das cidades e estados americanos (sobretudo na região sul) adotava uma política racista: negros estudavam em escolas diferentes e nasciam em hospitais separados. Havia distinção até na hora de usar o banheiro e ser enterrado no cemitério.

Essa mudança na legislação, claro, não aconteceu de uma hora para outra. Por décadas, pequenos grupos de ativistas lutavam como podiam para pôr fim à segregação. A coisa começou a tomar maiores proporções em 1955, quando a ativista Rosa Parks se recusou a ceder o seu assento a uma branca dentro de um ônibus em Montgomery, no Alabama.

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Rosa, vale dizer, não foi a primeira a protestar em Montgomery, mas sua prisão foi o estopim para que a comunidade se organizasse. O primeiro ato foi um boicote aos ônibus da cidade: trabalhadores negros, ao invés de pegar o transporte, andavam até o trabalho, e defendiam o fim da segregação. Deu certo: mais de 50 mil pessoas aderiram, a a cidade revogou a lei dos assentos preferenciais.

Com o tempo, outras leis segregacionistas foram alteradas. Luther King liderou marchas e protestos por todo o país. O discurso “I Have a Dream” (“Eu Tenho um Sonho”, que você provavelmente já escutou), por exemplo, aconteceu em 1963 em Washington. Foi um momento histórico, e reuniu mais de 200 mil pessoas.

Em 1964, a pressão popular por uma mudança nas leis americanas era gigante. O presidente Lyndon B. Johnson, que assumiu após a morte de John F. Kennedy, não teve outra escolha senão sancionar a lei que acabou com a segregação em espaços públicos nos EUA. Mais tarde, naquele ano, Luther King recebeu o Prêmio Nobel da Paz.

Novos contratos

A lei foi promulgada no dia 2 de julho, mas alguns lugares relutaram em aceitá-la. O show em Jacksonville estava marcado para o dia 11 de setembro no estádio Gator Bowl.

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“Nós nunca tocamos para públicos segregados e não vamos começar agora”, disse John Lennon na época. Quando as autoridades perceberam que a banda ia desistir, decidiram voltar atrás e unificaram a plateia.

No Twitter, o baterista Ringo Starr endossou as palavras de Paul, e disse que os Beatles sempre defenderam a igualdade, e que ele jamais parou de trabalhar em prol da paz e do amor:

Depois desse episódio, os Beatles passaram a exigir plateias integradas nos seus shows. E nada de acordo falado – essa era uma cláusula de contrato. Um documento de 1965, para um concerto em Cow Palace, na Califórnia, dizia que a banda “não irá se apresentar na frente de um público segregado”.

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“Nós não tocávamos para esse ou aquele tipo de pessoa, nós simplesmente tocávamos para pessoas”, disse Ringo em um vídeo sobre o tema.

A luta contra o racismo nos EUA inspirou Paul, anos mais tarde, a compor a música “Blackbird”, em 1968. Ouça aqui – e preste atenção nas metáforas da letra.

 

 

 

 

 

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