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Cresce a oferta de cursos superiores a distância, mas... será que isso funciona mesmo?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 30 jun 2003, 22h00

Clarissa Castro

Porto Velho (RO) e Porto Alegre (RS) estão distantes 4.020 quilômetros. O que essas duas capitais têm em comum além do primeiro nome? A resposta, improvável até pouco tempo, pode ser uma sala de aula, com um aluno em um ponto e o professor no extremo oposto. Pelo computador e um conjunto de outras ferramentas de comunicação, o ensino ultrapassou as fronteiras materiais. A educação a distância (EAD) já é uma realidade para João Batista Lago, 53 anos, consultor de Porto Velho, que acabou de concluir um curso de marketing político ministrado pela PUC-RS Virtual, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, uma das muitas instituições que oferecem ensino a distância nas mais variadas áreas, da graduação a cursos tecnológicos, de licenciatura a programas de formação específica. “Quem mora afastado dos grandes centros agora pode ficar antenado com o que ocorre no resto do Brasil e do mundo, com programas de primeiríssima qualidade”, diz Lago.

Até o fim do ano passado, mais de 84 mil alunos de 60 cursos superiores a distância estavam registrados perante os órgãos oficiais, segundo pesquisa realizada pelo professor João Vianney, coordenador de EAD da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e consultor brasileiro do Instituto Internacional da Unesco para a Educação Superior na América Latina (Iesalc). “O Brasil já é vice-líder em educação a distância na América Latina, perdendo por pouco para o México”, diz Vianney. Essa nova classe de estudantes inclui casos como o da professora Teresa Kátia de Albuquerque, 38 anos, de Boa Vista (RR), ao contrário de Lago, uma veterana no ambiente virtual. Depois de obter um diploma de Uso Educacional da Internet, concedido pela Unisul Virtual, ela agora está participando de um programa de Tecnologia em EAD, promovido pela UniRede, consórcio de 70 instituições públicas de ensino superior. “Minha experiência tem sido altamente positiva: fiquei apaixonada por cursos a distância”, afirma.

Pelos planos do governo, o número de brasileiros, como Lago e Teresa, em busca de alternativas para vencer a distância ou economizar tempo para dar continuidade a seus estudos com cursos de educação a distância não vai parar de crescer. “Educação a distância é política prioritária do MEC, não mais uma modalidade acessória”, afirma o secretário João Teatini, da Secretaria de Educação a Distância (Seed). Nos próximos quatro anos, deverão ser investidos em torno de R$ 600 milhões em programas de educação a distância. A ênfase continuará sendo o ensino superior, ajudando a combater sua elitização – apenas 1% da população brasileira é universitária.

Se, por um lado, o ambiente de ensino virtual é entusiasmante e traz novas possibilidades à luz, algumas zonas ainda sombrias merecem atenção na hora da escolha de um curso. Para Nélson Pretto, diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), é preciso, primeiro, verificar os aspectos legais, confirmando se o programa é autorizado pelo MEC. “Os interessados devem analisar os programas de educação a distância com cuidado ainda maior que na educação presencial”, afirma Pretto. “Afinal, nesse caso, não se está olho a olho com a instituição de ensino.”

Da mesma forma, a metodologia empregada precisa ser adaptada ao cenário desterritorializado do ciberespaço para melhor atender ao perfil do aluno. Um elemento importantíssimo para o sucesso de todo curso a distância é a proximidade. René Birochi, diretor executivo do IUVB, outro consórcio de universidades, destaca que o aluno não deve se sentir sozinho em casa, mas saber que faz parte de um grande grupo. Foi o que ocorreu com Teresa, a estudante de Roraima: “Num determinado ponto do curso, a interação é tão intensa que o virtual até parece real, um adquire confiança no outro”, afirma Teresa.

Nem sempre, porém, tem sido assim. Muitas vezes, as pessoas acabam sentindo falta de estar frente a frente com seus colegas e mestres, afirma o mineiro Erik Fleischer, 30 anos, com a experiência de quem já foi aluno de vários cursos e, também, professor. Para que se tenha uma educação a distância de qualidade são necessários elevados investimentos, tanto em tecnologia como na relação professor-aluno.

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Na educação a distância, o papel do professor é tão fundamental quanto na presencial, exigindo preparo adequado. Um exemplo é o Centro Universitário Newton Paiva, em Belo Horizonte (MG), que contabiliza, hoje, mais de 900 alunos de graduação matriculados em disciplinas a distância: professores, autores e tutores passam antes por um rigoroso processo de capacitação metodológica e pedagógica, ajustando suas práticas ao novo modelo educacional. A contribuição do professor é muito mais como moderador e líder do grupo do que como transmissor de conhecimentos, já que o fundamental numa aula on-line é a troca de experiências e a construção conjunta do conhecimento.

Mas os alunos nem sempre estão preparados para a aprendizagem fora dos limites físicos, como revela uma pesquisa conduzida pelo professor João Dornelles Júnior, da PUC-RS. Segundo o estudo, eles ainda não estão acostumados com a autonomia em ambientes virtuais de ensino, continuando a pensar e proceder como numa sala de aula convencional. “Eu me vi numa sala de aula diferente; alunos de frente para o computador e eu de frente para o caótico”, diz Marina Arruda, 47 anos, doutoranda em Serviço Social, que fez um curso de pedagogia a distância.

Como reverter esse quadro? Para educadores, como Léa Fagundes, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o problema não está no aluno, mas no professor, nos administradores e nas instituições, que muitas vezes acabam reproduzindo a escola tradicional nos ambientes virtuais, provocando frustrações que repercutem de modo mais amplo e mais intenso. O objetivo da educação a distância, afirma Léa, é ajudar cada aprendiz a confiar em si mesmo, e a confiar no outro, interagindo de modo cooperativo, desenvolvendo seus talentos, sua inteligência e sua criatividade. É dar ao aluno a liberdade de tomar decisões sobre o que quer aprender.

Um dos aspectos mais controversos em relação à educação digital diz respeito ao sistema de avaliação. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases, os cursos de graduação e pós-graduação a distância, sejam lato sensu (especialização e extensão) ou stricto sensu (mestrado e doutorado), devem incluir, necessariamente, provas e defesas presenciais. É essa exigência que vem abrindo espaço para consórcios, como a UniRede, o IUVB e o Projeto Veredas, de Minas Gerais. Congregando instituições de todo o país, eles facilitam o deslocamento dos alunos para as provas, sem que seja preciso vencer grandes distâncias.

A exigência tem encontrado críticos, como Francisco José da Silveira Lobo Neto, professor de história da educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Sair – ao arrepio da lei – em busca do presencial como garantia de verificação e avaliação eficaz e séria é um expediente preguiçoso e falacioso para isentar-se da busca de meios capazes de superar a distância”, afirma. Mas o que mede mesmo o desempenho é a auto-avaliação: mais que na sala de aula tradicional, o aluno de educação a distância está permanentemente pronto à prova os conhecimentos adquiridos em relatórios de atividades, participação em fóruns, encontros em chats e trabalhos práticos.

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Apesar dessas discussões, as universidades vêm ampliando cada vez mais os programas de cursos a distância. A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) diplomou este ano 300 alunos da primeira turma de graduação a distância em Pedagogia das Séries Iniciais. E a oferta continua crescendo: pelos cálculos de Rubens de Oliveira Martins, da Secretaria de Educação Superior (Sesu), há atualmente mais de 120 processos tramitando para credenciamento de cursos, a maioria de graduação. Por determinação do MEC, 20% de suas atividades devem ser presenciais. A maioria dos cursos de pós-graduação oferecidos a distância também conta com atividades presenciais – obrigatórias ou não. “Não se pode abrir mão do campus, pois é nele que o aluno busca a biblioteca, as atividades culturais e esportivas. Enfim, a vida acadêmica”, diz Birochi, do IUVB.

Nem o tempo todo na sala de aula nem horas e horas na frente do micro – o futuro, na opinião dos educadores, aponta para os cursos híbridos, nos quais a teoria é virtual e a prática, presencial. “Num ambiente exclusivamente virtual, eu ficaria perdido”, assegura o médico José Carlos Mori, que fez um curso a distância na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas. “Aulas presenciais deram mais segurança para lidar com assuntos novos para mim, como marketing e contabilidade.”

A educação a distância também está chegando com tudo a um mundo bem familiar a Mori: ela já faz parte da rotina de instituições como a Escola Paulista de Medicina. Com material didático on-line, os alunos de medicina podem, por exemplo, consultar lâminas de histologia e fazer simulações de procedimentos cirúrgicos, além de ter acesso a conteúdos teóricos. “Nenhum médico entra numa sala de cirurgia sem ter feito antes uma simulação. Então, por que não fazer isso por meio da realidade virtual?”, diz Mônica Parente Ramos, do departamento de Informática e coordenadora do Laboratório de Ensino a Distância.

Em educação, o futuro já virou o presente. O avanço da tecnologia trouxe recursos nem sonhados. Mas a educação a distância também impõe a necessidade de novas aprendizagens tanto por parte de quem a recebe quanto de quem a planeja, desenvolve e avalia. Quase doutora em Serviço Social pelo ensino convencional, com um curso de pedagogia a distância, Marina Arruda, de Porto Alegre, identifica bem esse momento: “Estamos todos aprendendo a aprender a distância. Inaugura-se uma época de aprendizes”. Se ainda não chegamos ao mundo das tecnologias da inteligência, que marcam o início de uma nova civilização, antecipada pelo filósofo Pierre Lévy, o pensador do ciberespaço, com certeza já estamos muito perto dele.

Saiba mais

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Associação Brasileira de Ensino a Distância: https://www.abed.org.br

Biblioteca de Educação a Distância: https://www.prossiga.br/edistancia

Cidade do Conhecimento – USP: https://www.cidade.usp.br

Consórcio Cederj: https://www.cederj.rj.gov.br

GVnet – Fundação Getulio Vargas: https://www.fgvsp.br/gvnet

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Instituto Universidade Virtual Brasileira: https://www.iuvb.edu.br

Projeto Virtus – UFPE: https://www.virtus.ufpe.br

Projeto TelEduc – Unicamp: wwwteleduc.nied.unicamp.br

Projeto Veredas: https://www.veredas.mg.gov.br

Secretaria de Educação a Distância: https://www.mec.gov.br/seed

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Universidade Virtual Pública do Brasil: https://www.unirede.br

Uma rede de conhecimento

Depois de conquistar espaço em universidades, a educação a distancia começa a ganhar adeptos em outros níveis de ensino e entre outras faixas da população. Cerca de 27 mil professores sem ensino médio completo já foram beneficiados pelo Programa de Formação de Professores em Exercício (Proformação), da Secretaria de Educação a Distância (Seed), órgão do MEC, e mais 8 mil se inscreveram este ano. A novidade também está chegando às escolas privadas. A rede Pitágoras, terceira maior do país, com 360 unidades, é uma das que vêm empregando a educação a distância para capacitação de professores – no total, mais de 10 mil já participaram da iniciativa.

O mesmo caminho também começa a ser trilhado pelas organizações não-governamentais. Uma das iniciativas mais recentes é o Aulas Unidas, parceria entre o portal EducaRede e a Fundação Telefônica, para criar uma comunidade virtual para o intercâmbio de experiências pedagógicas entre 102 escolas públicas de seis países (Brasil, Argentina, Chile, Espanha, Marrocos e Peru) e incorporar novas tecnologias ao trabalho em sala de aula.

Mesmo longe dos bancos escolares, qualquer interessado já pode fazer parte do processo de virtualização do ensino. Desde 2001, a Universidade de São Paulo (USP) mantém no ar a Cidade do Conhecimento, cujos programas investem na formação de redes de colaboração e aprendizagem que reúnam pessoas de diferentes grupos sociais. Um deles, o Educar na Sociedade da Informação, voltado inicialmente para professores do ensino médio, é aberto a docentes do ensino superior, membros de ONGs, universitários e funcionários do setor privado em áreas de interesse específico. O programa oferece 1.200 vagas, criando uma rede na qual, por meio de listas de discussão, blogs, chats, murais e encontros presenciais, cada um tem espaço para articular projetos e também para desenvolver novas práticas pedagógicas.

O que funciona e o que não funciona na educação on-line

Pontos positivos

• Amplia e diversifica a oferta de cursos

• A ausência de rigidez em relação aos requisitos de espaço (onde estudar), tempo (quando estudar) e ritmo (em que velocidade aprender)

• O aluno vê respeitado seu ritmo de aprender, há comunicação bidirecional freqüente, aprendizagem dinâmica, conteúdos elaborados por especialistas e utilização de recursos multimídia

• Formação permanente e pessoal: o professor sabe o que o aluno precisa desenvolver e dá acompanhamento sistemático individualizado

• Evita gastos de locomoção de alunos

Pontos negativos

• A socialização (aluno-professor e aluno-aluno) é limitada

• Não há troca direta de experiências proporcionada pela relação pessoal entre professor e aluno

• O feedback e a retificação de possíveis erros podem ser mais lentos

• O perigo de homogeneidade dos materiais didáticos

• Em determinados cursos, o aluno precisa possuir elevado nível de compreensão de textos e saber utilizar os recursos multimídia

• Os resultados da avaliação são menos confiáveis do que no presencial

• A alta de um bom acompanhamento do processo provoca numerosos abandonos

• Custos iniciais muito altos para a implantação dos cursos

Fonte: Um Estudo sobre o Nível de Satisfação dos Alunos de Educação a Distância da PUC-RS – 2002, de Alam de Oliveira Casartelli

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