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Flashback gamer: 24 horas jogando GTA V. Sem pausa.

GTA V precisou de 72 horas para faturar 1 bilhão de dólares. 24 horas na frente da TV explicam por quê.

Por Fabrício Miranda (a.k.a. Fab-Boy)
Atualizado em 17 set 2021, 14h20 - Publicado em 17 set 2021, 12h18

É difícil fugir de um Bravado Banshee. Percebi isso quando estava sentado no banco de passageiros dele, com o braço para fora empunhando uma submetralhadora. O carro é um dos mais desejados esportivos americanos, uma lenda de Liberty City a Los Santos. Deu para entender a fama quando o motorista pisou fundo e alcançou o Chevy do colombiano que caçávamos.

Uma pancada na traseira e os dois carros rodaram, ficando um de frente para o outro. Para o azar do Colômbia, descarreguei a SMG e o cobri de balas. Ele tinha inimigos que nos pagaram uma gorda recompensa pela sua cabeça. Mal começamos a dividi-la e deu para ouvir a polícia chegando. Foi aí que olhei no relógio (o de verdade) e vi: já fazia 24 horas que estava jogando GTA V. Hora de parar.

Eu poderia estar matando, roubando. Foi o que fiz, desde a noite anterior, quando iniciei uma sessão online de Grand Theft Auto V, aguardado com ansiedade por fãs (como eu) desde seu anúncio, no final de 2011. O desafio era experimentar as possibilidades que o jogo oferece e descobrir que tipo de criminoso está à disposição quando se precisa de um parceiro no crime. Vinte e quatro horas pareceram um tempo razoável. Também era um número emblemático: nas primeiras 24 horas de venda, ele virou o produto com a maior receita gerada na indústria do entretenimento. Mais que qualquer filme ou disco na história.

Jogar 24 horas seguidas pode ser um exagero para a saúde, é claro, mas para as possibilidades de GTA não. A série ficou notória não só pela violência e humor satírico, mas por ser um jogo de mundo aberto, ou seja, em que você circula com liberdade para escolher o que fazer (ver um striptease ou explodir um carro de sorvete?).  No modo off-line, há uma história com começo, meio e fim. Mas, no on-line, que estreou em outubro, não: lá se encontram milhares de jogadores, cada um com sua carreira no crime.

Ao começar, tenho de criar o biótipo do personagem dentre milhares de combinações possíveis. Sou Fab-Boy, mistura dura de roer de latinos e irlandeses. Estava pronto para chegar a Los Santos, a Los Angeles fictícia onde a história se passa, apresentada numa introdução digna de filme de ação. A bordo do avião que cruza o céu, eu, o maior criminoso que a cidade já viu. Bem, é assim que me sinto.

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No jogo, você pode usar seu celular para fotografar e postar em uma espécie de Instagram. Aqui, as melhores imagens que fiz em 24 horas on-line:

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1. Meu primeiro carro sendo roubado por outro jogador. Putz.

2. Fugindo da polícia sobre o capô de um carro em movimento.

3. Sem o GPS é fácil se perder em Los Santos.

4. Alguns jogadores brincando de aviãozinho.

5. Referências pop por todos os cantos.

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Cidade maravilhosa

Los Santos tem uma agitada área urbana e um vasto interior à disposição: belo litoral, montanhas e desertos selvagens. O mapa do jogo é tão extenso (cerca de 360 km2, maior que Belo Horizonte) e cheio de possibilidades que é difícil contabilizar as opções. Assim como em outros jogos da série, dá para fazer assaltos e participar de rachas com carros roubados.

De acordo com o desempenho, você ganha dinheiro e pontos de reputação. Quanto mais grana, mais itens pode comprar (óbvio). Quanto mais reputação, mais missões pode fazer. No início, esqueça corridas com carros luxuosos e superarmas. Melhor focar em lojinhas e postos de gasolina. Vida de ladrão de galinha. Esses lugares têm menos segurança que bancos e joalherias. Gastei as primeiras horas de jogo cometendo pequenos roubos e tentando fazer amigos on-line.

Com milhares de pessoas jogando ao mesmo tempo pelo mundo, eu ouvia comentários deslumbrados de jogadores explorando as paisagens de Los Santos (com um headset, é possível conversar e ouvir outras pessoas on-line). Era comum também gangues surgirem. É um jeito de encontrar amigos e gastar algumas horas jogando juntos numa “sala”. As salas são universos paralelos, cada qual com uma Los Santos própria e até 16 pessoas interagindo.

Posso não ter sido uma celebridade meteórica, mas consegui entrar em uma gangue depois de alguns trabalhos bem-sucedidos. Fui atrás de uns caras que aterrorizavam a sala e supliquei no meu espanhol barato para que me deixassem fazer parte do grupo. Bang! Eu estava dentro. Os três garotos falavam o mínimo possível comigo. A maioria das palavras eram ordens para seguir e ajudar o grupo nas missões. Só descobri a nacionalidade da turma quando, depois de muito insistir, me responderam de maneira seca: “Puerto Rico”. Até que me dei bem na gangue, mas tive um choque de realidade. Ao roubar uma mansão em Vinewood, eles me abandonaram na fuga e me deixaram para os policiais. Traído, fui fuzilado.

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Status é tudo

Mas GTA não tem “game over”. Se morro, perco dinheiro e recomeço. Abandonei a gangue e resolvi encarar trabalhos menos violentos. Disputei corridas, mas o resultado me fez lembrar que não tenho habilitação na vida real. Tentei aulas de aviação. Saltei de paraquedas do letreiro de Vinewood (há vários pontos turísticos de Los Angeles recriados). Joguei golfe e tênis com um canadense e andei de jet ski com um brasileiro. Num clube de striptease, gastei o pouco dinheiro que tinha por danças privês da Nikki, a moça virtual mais mercenária que já conheci. Vida boa.

Com essa agitada agenda, explorei o mapa da cidade, embalado pelo humor bizarro da série, que torna GTA uma versão ácida da vida real. Para criar a atmosfera de uma metrópole corrupta, há uma história de fundo rolando enquanto você joga. Cada metro quadrado do cenário tem conteúdo para alimentar isso.

Na estrada, outdoors elogiam o alto consumo de gordura e açúcar. Na TV (que você pode parar para ver), Jock Cranley, político corrupto assumido, diz que odeia imigrantes, sindicatos e velhinhas. É um agudo senso crítico, que tem até um Facebook, o Lifeinvader (“invasor de vidas”). Isso tudo servido em gráficos hiperrealistas de tirar o fôlego. Paisagens detalhadas e mudanças climáticas me deixavam embasbacado. Já meus olhos vidrados ardiam, após dez horas de jogo.

À medida que o dia (de verdade) passava, mudavam as pessoas que apareciam para jogar. Ao meio-dia, deixei de esbarrar em americanos e latinos e comecei a ver franceses, italianos, russos e uma gangue do Oriente Médio, a The Israeli OutLaws. Joguei  um tempo com eles. Entre um assalto e outro, iam a seu QG e me convidavam para visitar (“Come with us” era a única frase que escapava da conversa em hebraico). Era um lugar descolado, com vista para Del Perro, bairro chique à beira-mar. Na garagem, carros esportivos de cores duvidosas.

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Com eles, entendi uma das chaves do fascínio que GTA causa. À medida que se evolui, você precisa de cada vez mais pontos para chegar ao nível seguinte. Níveis mais altos liberam novas missões. Quanto mais missões, mais dinheiro. E a grana banca não só a próxima ação como também boas roupas, armas complexas, carros turbinados, jatinhos e mansões.

Comprar essas coisas não é novidade na série. Mas GTA V reforça a ideia de que seus bens refletem quem você é. Entre um tiroteio e outro, o importante para aqueles caras era se exibir. Já eu estava jogando havia 15 horas e tinha apenas $ 19 mil. Não dava nem para uma moto sem vergonha, pois escolhi ser bon vivant. Uns querem status. Outros, experiências. Por mais surreal que seja essa versão absurdamente criminosa de uma cidade, GTA reflete a vida real de um jeito difícil de ver em outros videogames.

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6. O glamour do letreiro de Vinewood.

7. Um sobrevoo noturno em minha primeira aula de aviação.

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8. Prisão estadual, destino dos melhores (ou piores) jogadores.

9. Nikki, a mercenária que roubou meu coração – e minha carteira.

Mente sã, corpo não

Resolvi focar em algo mais importante, fora do jogo: dor nas costas. Tomei vários analgésicos e mudei de posição para acalmar ombros e coluna. Estava difícil ficar confortável, mas tinha de seguir. Após 20 horas, me sentia desnorteado, como se estivesse bêbado. Dois minutos aqui fora valem 60 no jogo. Minhas 24 horas on-line foram 30 dias lá. Sem dormir, com sono, sem ver o Sol verdadeiro e vendo dia e noite surgirem a cada 48 minutos na TV, fiquei com a noção de tempo descompensada, como um jetlag. Meus reflexos diminuíram.

Mesmo exausto e lesado, dá para ver que há regras que mantêm tudo sob um certo controle, evitando extremismos. Todos os personagens são adultos. Não dá para montar uma gangue nazista, por exemplo. Temas políticos e religiosos não são permitidos, só os criados pelos produtores. A mecânica do jogo, por incrível que pareça, desfavorece a violência desenfreada. Quanto mais você apronta, maior o revide (a polícia cai matando, você perde dinheiro etc.). Isso ajuda a evitar que a lista de polêmicas aumente ainda mais.

Precisei de algumas horas para desacelerar e conseguir dormir. Acordei de ressaca, as sirenes da polícia ainda ecoavam na cabeça. Fiquei alguns dias sem jogar, mas  logo voltarei a Los Santos. Certamente farei mais crimes. Mas não por 24 horas seguidas. Chega!

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