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Música eletrônica: Chá de raízes

Na freqüência do dub

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 30 nov 2003, 22h00

Otávio Rodrigues

Embalado em grooves avassaladores, subfreqüências e psicoacústica, o dub deixa de ser um subgênero do reggae e mostra de onde vem a maioria das boas idéias da música eletrônica moderna

Hoje, é muito fácil extrair samples, fazer um remix. Até com computadorzinho meia-boca tem mané fazendo isso em casa (e nas paradas também). Agora, é fácil porque além da tecnologia temos as receitas, as referências. Uma matriz. Por exemplo: não dá pra imaginar música eletrônica sem loops, ecos e silêncios súbitos. Ora, isso tudo já faz parte do que conhecemos como música eletrônica.

Mas as origens dessa ciência estão no final dos anos 60, quando esse mundo era uma selva e os homens tinham de fumar um leão por dia. Trabalhando com velhos gravadores de apenas duas pistas, alguns jamaicanos começaram a inventar moda com aquele negócio de ter as vozes num canal e os instrumentos na outra. De vez em quando desligavam a voz (era no botão mesmo), valorizando algumas passagens instrumentais. Ou o contrário, deixavam a voz sozinha, reluzindo. Passaram a aplicar ecos onde nunca ninguém antes havia tentado. E aquilo ficou interessante, começou a tocar nos soundsystems e foi evoluindo, evoluindo e deu liga, tornando-se o que se conhece como dub.

É duro pra muita gente aceitar que a música eletrônica moderna, tão sofisticada, tenha alguma coisa a ver com o reggae, aquele som-favela, produzido por uns maconheiros cabeludos. Mas eis a verdade cristalina: um tal de Osbourne Ruddock, mais conhecido como King Tubby, é o pioneiro nessas técnicas de manipulação criativa de bases pré-gravadas, seguido de perto por Lee ”Scratch” Perry. E desse manancial surgem Augustus Pablo, Prince Jammy e Scientist, entre poucos outros graduados do gênero. E vai desculpando as generalizações, porque nem toda música eletrônica é sofisticada e nem todo jamaicano é cabeludo.

O termo “dub” hoje é usado na maior esculhambação, para qualquer coisa que tenha lá um ou dois efeitinhos. Para reconhecer um dub genuíno, aqui vai alguma munição. A regra primeira é que seja um reggae, ou que ao menos tenha um groove de reggae – um bom baixista, portanto, é essencial. Depois, é necessário que soe grave, muito grave – um bom baixista, portanto, é duas vezes essencial. Finalmente, podem entrar efeitos, da simples supressão da voz (total ou parcial) até a inclusão de balidos de carneiro.

Tem uma questão técnica aí, física, orgânica. O som da voz, assim como o do sax e outros instrumentos, atinge o alto do peito e a cabeça das pessoas, enquanto o baixão e a porrada da bateria ecoam na caixa torácica: essa alternância, ou seja, a música mudando do som da voz ou do sax (mais agudos) para o som da cozinha (supergrave) produz efeitos instigantes no corpo humano. Some-se a isso o que se conhece como psicoacústica – o balido do carneiro, um motor de helicóptero, crianças brincando ou o que mais a genialidade permitir (exclue-se, portanto, tudo que for só bobagem, porque ninguém é besta) – e começamos a chegar perto de um bom dub (tem ainda um outro dispositivo fundamental, mas não vamos tratar disso aqui, que dá cadeia).

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Se você quiser ir mais fundo neste assunto – sou suspeito, mas sugiro que faça isso, porque há um universo de coisas legais rolando –, verá que existem duas portas de entrada. Uma é a da fruição trivial do dub: você ouve no carro ou em casa, como qualquer outra música, e pronto. Os vizinhos jamais vão descobrir. Outra é buscar o real espírito do dub, e aí estamos falando em caixas acústicas empilhadas, confusão de fios, improvisação e exclusividades da casa: a história do dub confunde-se com a do soundsystem, portanto faz todo sentido perceber a coisa como ela é.

Entre as melhores definições de dub que conheço está esta, de autor desconhecido: “reggae psicodélico”. Boa. É isso mesmo, um som lisérgico, transcendente. O dubmaníaco Alex Meirelles, compositor e arranjador, tecladista do Cidade Negra, me contou outra, do clarinetista e saxofonista Paulo Moura: “Nunca vi nada igual: tem solo de estrutura!” É mesmo. Tem hora que não sobra nada, nem melodia, nem ritmo – nada. E você sente o groove ali, no escuro da música. Não por coincidência, o dub é matéria-prima do jungle e do drum’n’bass. E não por acaso também, cada vez mais gente descobre essa variação do reggae – em baladas autênticas, como Susi in Dub (São Paulo) e DigitalDubs (Rio), quem chega tardão fica na porta.

Ecos no Brasil

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Eles fazem o chão tremer

O primeiro disco do gênero por aqui é Dubs, do Cidade Negra (Sony, 1999), que tem uma superprodução, com vários mitos do dub na química, entre eles Lee Perry, Augustus Pablo, Sly & Robbie, Aswad e Mad Professor. Nesse mesmo álbum, em “Jah Vai Providenciar”, a pista pra encontrar um dos primeiros dubmasters brasileiros: Nelson Meirelles, músico, baixista, radialista, cara bem informado que lançou e produziu o Cidade e fundou O Rappa com Marcelo Yuka – banda que já no primeiro álbum, em 1994, fez versão dub em uma das músicas. Yuka é outra pedra angular. Atualmente, trabalha num álbum de inclinação dub, que deve inclusive contar com a parceria do bruxo inglês Adrian Sherwood (tem mais na página seguinte). Em São Paulo, as melhores baladas contam com os DJs Yellow P. (Susi in Dub), Lucas (Qorpo Santo), Roberto Rasta e Zé Luiz (Planeta Dub), Ricardo Fernandes (o Magrão) e o dúbio Doctor Reggae (Bumba Beat). No Rio, a área é do DigitalDubs, que tem Marcus Paulo, Cristiano Dubmaster e Nelson Meirelles (de novo ele).

Ouça

Edu Sattajah – Leões de Israel (J. B. Good)

É todo dub o primeiro disco-solo do vocalista e baixista da banda Leões de Israel. https://www.johnnybgood.com.br

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Pras Bandas de Lá – Mystical Roots (Tratore)

No disco de estréia, a banda maranhense fez as coisas à moda jamaicana: seis músicas aparecem ao final em versões dub. https://www.mysticalroots.com.br

In The Jaws of the Tiger – Dry & Heavy (Beat Records)

Das melhores coisas que ouvi nos último tempos. Difícil de acreditar: vem do Japão!

Suzuki in Dub – Tosca (G-Stone)

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Trabalho alternativo e sideral da dupla austríaca Kruder e Dorfmeister. Este álbum, com produtores convidados, é só um bom começo.

Susi in Dub

Rua Vitória, 810, São Paulo, sextas

Digitaldubs

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Cyber Café da Fundição Progresso, Rio, quintas, https://www.esquemageral.com.br

Nu dub

O dub não está no formol

Apesar das origens jamaicanas, o dub agora é cidadão do mundo. Com outra cultura e outras influências musicais, muitos americanos, europeus e até japoneses (veja a dica do Dry & Heavy no Ouça) vêm fazendo bonito. Ou seja, quando a erva é boa, dá certo. Além do Asian Dub Foundation, que tem dub até no nome, o trio britânico Smith & Mighty também coloca o baixão na frente, com grooves de arrepiar. Nova York tem a confraria do illbient (ill + ambient), na qual se destacam os grupos Sub Dub e Wordsound. Chama atenção o trabalho do compositor, baixista e produtor Victor Rice, que já trabalhou com Slackers, Stubborn All-Stars e toca no álbum Dub Side of the Moon, que traz as músicas do Dark Side do Pink Floyd em dub! (Como é que não pensamos nisso antes…?) Victor tem uma assinatura: faz dubs modernos, mas com a sonoridade do passado.

E a melhor parte da história, na minha opinião, é que ele deixou NY e está morando e trabalhando no Brasil (confira o dub remix animal de “Máquina do Tempo”, dos gaúchos do Ultramen).

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