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O escritor , campos de Carvalho

A história do escritor que era avesso à publicidade, à glória e ao que considerava medíocre.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 31 jul 2001, 22h00

Ciro Pessoa

Em 1997, dois anos antes de morrer, o escritor mineiro Campos de Carvalho concedeu sua primeira e última entrevista a uma emissora de TV. Após 40 minutos de um quase monólogo, o entrevistador, desesperado, tentava fazer com que o escritor dissesse algo que fosse além dos três ou quatro monossílabos com que era brindado a cada nova pergunta. E arriscou: “O senhor é feliz?” Campos de Carvalho olhou para o alto do estúdio, para os lados, para o chão. Após um minuto e meio de um silêncio avassalador, ruidoso, o escritor finalmente respondeu. “Não.” O entrevistador, visivelmente constrangido, tentou uma “saída pela esquerda” e emendou: “Se o senhor pudesse mudar alguma coisa no mundo, o que mudaria?” De novo, um longo silêncio. Um pouco mais leve. E a resposta: “Nada”.

Assim era o escritor Walter Campos de Carvalho: desconcertante, avesso à publicidade, à glória, ao que considerava medíocre. Nascido em Uberlândia em 1916, formou-se em Direito aos 22 anos, já em São Paulo. Sua vida, contudo, sempre esteve ligada à literatura, apesar de só ter escrito seis livros. O mais conhecido, A Lua Vem da Ásia, é um verdadeiro manifesto surrealista. Depois que o escritor baiano Jorge Amado leu-o pela primeira vez, por volta de 1956, entrou numa livraria de Salvador e pediu para a atendente 30 cópias. Estava tão impressionado com o texto que havia acabado de ler que resolveu mandar exemplares de presente para os amigos. Eis um trecho da obra:

“Quando em 1934 atravessei sozinho o deserto de Iguidi, tendo por única companhia um casal de borboletas, ocorreu-me a aventura mais surpreendente que pode ocorrer a um homem vivo ou morto, e que procurarei resumir em três linhas. Foi o caso que um dia despertei transformado em mulher e, nessa qualidade, fui pouco depois recrutado para o harém do sultão de Marrocos, onde servi como pude durante um ano e 14 dias”.

A trama de A Lua Vem da Ásia se passa num hospício e é cheia de lances hilariantes, como uma tentativa de fuga num zeppelin envolvendo personagens completamente absurdos. O nome dos capítulos (Capítulo sem Sexo, Capítulo CLXXXIV, Capítulo) e a total ausência de seqüência entre eles (do Capítulo Primeiro pula para o Capítulo 18 graus) dão uma idéia do que espera o leitor que nunca teve o prazer de ler Campos de Carvalho.

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Em suas duas últimas entrevistas, uma para o fanzine Azougue e outra para o site literário Baladas.com, o escritor afirmou ser um surrealista e que a solução era o humor. Contou também que gostava de escrever andando na rua, com lápis e papel, e que jamais reescrevia nada. Em A Lua Vem da Ásia, por exemplo, havia uma frase que o Jorge Amado não gostava, “ele me pediu para tirar, mas eu jamais tirei”, disse Campos de Carvalho ao jornalista e escritor Antônio Prata na entrevista da internet.

O autor deixou mais três novelas além de A Lua Vem da Ásia, todas com títulos, digamos, diferenciados: Vaca de Nariz Sutil, A Chuva Imóvel e o Púcaro Búlgaro – esta última escrita em 24 dias. Depois disso, parou inexplicavelmente de escrever. Todas as obras foram produzidas entre 1956 e 1964 e só tiveram uma edição à sua altura em 1995, quando a Editora José Olympio reuniu tudo numa coletânea.

Campos de Carvalho costumava andar todas as tardes pelo bairro de Higienópolis, em São Paulo, onde morou até os últimos dias de vida. Numa dessas tardes, teve um súbito mal-estar e, pouco antes de morrer, contou à mulher Lygia que estava passando mal “por causa de um sorvete que tomei”. Uma frase típica de Campos de Carvalho, o primeiro – e talvez o último – escritor verdadeiramente surrealista do Brasil.

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Jornalista, foi um dos fundadores da banda Titãs

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