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Orquestra invisível

A história do primeiro DJ do Brasil

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 30 set 2003, 22h00

Você vai ler a seguir trechos exclusivos de um capítulo do livro “Todo DJ Já Sambou – A História do Disc-Jóquei no Brasil”, que será lançado em outubro pela editora Conrad. (Não estranhe ao trombar com os créditos: a autora, Claudia Assef, também é editora da VOLUME01)

No final dos anos 50, São Paulo tinha bons salões de baile. Os mais famosos eram: Clube Holms, Clube 220, Palácio Mauá, Paulistano da Glória, Clube Piratininga, Casa de Portugal e Som de Cristal. As festas nesses salões eram verdadeiros acontecimentos. Sempre aos sábados, os bailes eram pomposos, animados por orquestras competentes, com músicos vestidos em traje de gala. Ao contrário de países como os Estados Unidos, não havia no Brasil um código social que vetasse a entrada de negros nesses bailes. O fator excludente era mesmo o alto preço dos ingressos. As festanças com orquestras eram verdadeiros shows, com músicos impecáveis, som da melhor qualidade e até iluminação caprichada.

Tudo perfeito para divertir os dançarinos da elite. Sabe a história da pessoa certa, no lugar certo, na hora certa?

Serve direitinho para contar como o técnico de rádio Osvaldo Pereira, hoje com 68 anos, se tornou o primeiro DJ do Brasil. Formado em rádio e TV, Osvaldo trabalhava numa loja que era, ao mesmo tempo, revendedora de LPs e assistência técnica de aparelhos eletrônicos. Quando não estava consertando rádios, Osvaldo ficava como vendedor na pequena seção de discos que havia ali. Fã de música desde criança, o técnico ficava frustrado por não poder freqüentar os bailes nos salões bacanas. Visionário, construiu um sistema de som com pouco mais de 100 watts de potência (um assombro para a época, porém pouca coisa mais potente do que um aparelho de som caseiro de hoje) e começou a fazer som em aniversários e casamentos no bairro de Vila Guilherme, zona norte de São Paulo, onde mora até hoje. O ano era 1958.

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Com um toca-discos dinamarquês da marca Torris e o sistema de som que havia construído, Osvaldo foi o primeiro a sustentar um baile num salão chique da cidade sem uma orquestra. Ou melhor, com uma orquestra invisível…

Em 59, um ano depois de começar a fazer festinhas de bairro, Osvaldo Pereira negociou com o proprietário do Clube 220 o empréstimo do salão aos domingos. A idéia parecia boa para ambos, já que o salão não funcionava naquele dia e Osvaldo prometia um baile bem mais barato que o habitual, já que não gastaria com músicos. Hoje, aos 68 anos de idade, aposentado, Osvaldo descreve, orgulhoso, a sensação de segurar um baile só com música mecânica: “Montei meu toca-discos no palco, distribuí as caixas de som pelo salão.

As pessoas que iam chegando não entendiam direito como um som tão potente saía da minha vitrolinha. Tinha gente que subia no palco para ver. Às vezes, eu ficava escondido num cantinho ou deixava a cortina fechada. Aquele sonzão todo e nenhum músico, o pessoal ficava meio assim. Daí um primo meu deu a idéia de divulgar que os bailes eram animados pela orquestra invisível, porque ninguém via direito de onde vinha o som. Eu gostei disso, achei charmoso. E completei com um nome em inglês bem bonito. Eu virei a orquestra invisível Let’s Dance”. Ali nascia, ainda que sem querer, o esboço do que viriam a ser, nos anos 70, as equipes de baile. Só que, no caso de Osvaldo, o DJ, o técnico, o roadie e o empresário eram a mesma pessoa. Em pouco tempo, a notícia da orquestra invisível de Osvaldo Pereira havia se espalhado pela cidade.

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As festas tinham fama de ser boas e baratas, o que poderia ser melhor? “Outros discotecários se animaram, surgiram várias orquestras invisíveis em São Paulo”, recorda Kim, DJ e freqüentador do bailes, que cita, além de Osvaldo, o discotecário Daniel como uma lenda nas festas da virada dos anos 50 para os 60. “Só que o Daniel virou crente. Ouvi dizer que hoje em dia é pastor de igreja lá no bairro da Liberdade”, diz Kim.Do Clube 220, a orquestra invisível Let’s Dance foi para o Ambassador, outro salão chique da cidade, instalado na avenida Rio Branco. Ali, ainda em 1959, Osvaldo passou a comandar os sábados, além das domingueiras.

Como só tinha um toca-discos, ele conta que tinha que correr para trocar de música. “Eu trocava rápido porque conhecia muito bem os LPs, sabia do que as pessoas gostavam. Conforme fui pegando prática, o intervalo entre as músicas foi ficando tão pequeno que às vezes as pessoas nem paravam de dançar.” Quando demorava um pouco mais na troca, os dançarinos batiam palmas, como se aplaude uma orquestra de verdade no final de uma execução impecável. Na vitrolinha Torris do discotecário rolavam bolachas de 78 e 45 rotações. Até meados dos anos 60, as orquestras invisíveis tocavam um som bem fiel ao das orquestras de carne e osso. “A gente botava Glenn Miller, Stan Getz, Ray Charles, Frank Sinatra, Johnny Mathis, Ray Conniff… era um som bem requintado”, lista Osvaldo. Entre os artistas nacionais, os bons de pista eram Bolão e Valdir Calmon (os precursores do samba-rock), Golden Boys, Elza Soares e Miltinho, Eduardo Lincoln, Claudete Soares, Trio Ternura…

A dinâmica do baile não era muito diferente daquela que se vê atualmente nas festas de nostalgia. O discotecário começava esquentando o salão, com sons mais calminhos, orquestrados. Depois passava para o swing, o shuffle e, mais tarde, para o fox trot, gênero anterior ao rock, que se dançava com passinhos ligeiros em torno do salão – era o momento drum’n’bass da noite, com BPM no talo. Para desacelerar a galera, o discotecário soltava uma seleção de lentas, um sucesso entre os casais. Era a deixa para o cavalheiro tirar seu lencinho do bolso para não suar a mão da dama na hora de dançar.

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Em tempos de “homens-golfinho”, aqueles meninos sem camisa que nas pistas molham todo mundo de suor, fica difícil acreditar que tal cena tenha existido… Fecha parênteses.Baile bom ia nesse pique de sobe-e-desce até as quatro e pouco da manhã.

Nos salões do centro, chegava-se a tocar até as cinco, horário em que os ônibus voltavam a circular. Segundo o DJ Kim, não havia consumo de drogas nesses bailes. “No máximo o sujeito ia para fora do salão e fumava uma maconhinha”, diz. Coisa light. Entre os drinques mais pedidos estavam a cuba libre, o gim-tônica e o samba (pinga com coca-cola). Tomar uísque era coisa para “pessoa rara”, seja lá qual for o significado disso. Com o sucesso dos bailes, Osvaldo teve que contratar auxiliares. Eram alguns amigos e parentes que se dispunham a tirar um por fora nos fins de semana em troca de carregar caixas e passar recadinhos pelo microfone nos intervalos das músicas. Além deles, Osvaldo mandava alguns rapazes, às sextas-feiras, a pontos movimentados da cidade para entregar as “circulares” dos bailes. Circular? É o nome paleozóico do que viria a ser conhecido como filipeta e, mais tarde, flyer.

‘Montei meu toca-disco no palco, distribuí as caixas pelo salão. As pessoas não entendiam como um som tão potente saía da minha vitrolinha. Aquele sonzão todo e nenhum músico, o pessoal ficava meio assim’

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Osvaldo Pereira

 

 

Livro – “Todo dj já sambou – a história do DJ no Brasil”

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Autora – Claudia Assef

Editora – Conrad

Lançamento – Outubro

Preço – A definir

 

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