Por que os aplausos em Cannes são tão longos?
Tradição, que não tem contagem oficial, é um misto de efeito manada, empolgação e interesse comercial. Entenda a história (recente) das palmas no festival.

Depois de 2 horas e 38 minutos, a plateia de O Agente Secreto, filme do brasileiro Kleber Mendonça Filho, não queria sair da enorme sala de cinema do Auditório Louis Lumière, que comporta 2.309 pessoas e integra o circuito do Festival de Cannes todos os anos. Foram 13 minutos de aplausos, a maior parte desse tempo com o público em pé enquanto uma câmera filmava e transmitia na telona as reações da equipe do longa.
Treze minutos já parece um exagero, mas saiba que a marca está longe dos filmes mais aplaudidos. A maior de todas as sessões de aplausos foi de O Labirinto do Fauno, filme de 2006 dirigido por Guillermo del Toro. A plateia bateu palmas por 22 minutos, sem parar. É o tempo de um episódio inteiro de Friends.
Em segundo lugar está o documentário do americano Michael Moore, Fahrenheit 9/11. Em 2004, ele recebeu 20 minutos de palmas.
Os aplausos não são apenas uma curiosidade específica ou um bom jeito para extravasar seus sentimentos sobre um filme: em todos os grandes festivais de cinema, esses minutos influenciam na disputa comercial entre as distribuidoras para comprar as produções cinematográficas. Vamos entender quando isso começou.
O que as palmas significam?
O Festival de Cannes acontece desde 1946. Mas a tradição das palmas é algo recente – e só acontecia para poucos filmes.
Um dos primeiros relatos de aplausos longuíssimos na Riviera francesa vem da edição de 1984, quando o diretor italiano Sergio Leone, conhecido por clássicos do faroeste com Clint Eastwood, lançou Era Uma Vez na América. O filme enorme, com quase 4 horas de duração, recebeu 15 minutos de ovação.
A tradição pegou de fato nas últimas duas décadas, quando os veículos de imprensa perceberam que as pessoas gostavam de ler sobre o número de minutos de palmas. Distribuidoras e produtoras, por sua vez, notaram que isso poderia ser usado no marketing dos filmes. Quem não ficaria curioso para assistir a algo que rendeu 15 minutos de aplauso, afinal?
Hoje em dia, logo depois da estreia de um filme em Cannes, uma câmera exibe todo o elenco para captar a reação dos atores durante os aplausos. O diretor normalmente discursa um pouco. Os veículos de imprensa presentes cronometram tudo e geralmente pausam durante os discursos, para só registrar os momentos de palmas. Não há, porém, um método muito rígido – muito menos uma contagem oficial.
Praticamente todos os filmes são recebidos com alguns minutos de aplausos de pé. Mas o elogio não é unânime: às vezes, há vaias misturadas no meio, que se estendem até o final dos aplausos.
Às vezes, o ato é só uma questão de educação, ou mesmo de contágio social. Foi isso que um estudo de 2013 comprovou: as palmas se propagam por puro efeito manada. Somos animais sociais, e nosso cérebro gosta de se encaixar em padrões: se todo mundo está aplaudindo, você vai interpretar isso como um bom sinal – e reproduzi-lo.
Alguns diretores e atores não são muito fãs da tradição. Bong Joon-ho, que dirigiu Parasita (um dos poucos a vencer tanto o Oscar quanto a Palma de Ouro de Cannes), pediu para que os aplausos se encerrassem depois de 8 minutos. “Obrigado, vamos todos para casa”, disse o autor sul-coreano para o público. Depois ele explicou que queria sair logo porque estava com muita fome.
Mas é bom ressaltar: as palmas e as vaias não são um bom critério de qualidade. Filmes que hoje são considerados grandes obras, como L’Avventura de Michelangelo Antonioni, Taxi Driver de Martin Scorsese e Maria Antonieta, de Sofia Coppola, foram vaiados quando estrearam no festival.
Já Demônio de Neon, filme de Nicolas Winding Refn que estreou em 2016 em Cannes, foi aplaudido por 17 minutos mas teve reação morna com a crítica e fria com o público. As palmas e vaias, no fim, não decidem quais filmes vão se tornar clássicos. Os espectadores que continuam assistindo, comentando e amando os filmes mesmo sem acesso aos festivais badalados tem muito mais poder para criar o cânone do cinema.