Projeto Gemini: os prós e contras de gravar a 120 frames por segundo
O novo filme de Will Smith estreia hoje no Brasil, mas é muito provável que você não o veja da maneira que foi filmado. Entenda.
Projeto Gemini, o novo trabalho de Will Smith, estreia no Brasil nesta quinta-feira (10). Na história, o ator vive o atirador de elite Henry Brogan, que começa a ser perseguido por outro assassino: Júnior, um clone de si mesmo (só que mais jovem), que tem a missão de eliminá-lo.
Pois é. O filme, dirigido por Ang Lee (de O Segredo de Brokeback Mountain e As Aventuras de Pi), tem como foco o embate entre as duas versões de Smith: uma em que ele aparenta ter sua idade atual (51 anos) e outra 30 anos mais novo – mais ou menos a aparência que ele tinha em Um Maluco No Pedaço. Dá uma olhada no trailer:
Mas a luta não é o único chamariz do longa. A tecnologia usada por Lee também virou assunto. Acontece que o filme foi filmado a 120 quadros (ou frames) por segundo (FPS), em resolução 4K e com câmeras especiais para 3D.
É uma tecnologia para poucos – literalmente. Acontece que filmar nesse nível de qualidade foi algo tão incomum que nem os cinemas estavam preparados para isso. De acordo com o site Collider, apenas 14 salas nos EUA conseguirão o exibir o filme dessa maneira. No Brasil, as 430 salas programadas para Projeto Gemini exibirão o filme a 60 FPS, em um modelo que está sendo chamado de “3D+”: uma versão turbinada no 3D convencional, com mais nitidez e claridade.
Mas afinal, o que significa dizer que um filme tem mais ou menos frames por segundo? Faz alguma diferença? Para entender isso, vamos precisar voltar um pouco no tempo.
Uma breve história dos frames
O cérebro humano, apesar da sua complexidade, tem algumas limitações. Uma delas é a capacidade de identificar imagens distintas exibidas uma após a outra em um curto intervalo de tempo. Nós conseguimos assimilar algo em torno de 10 a 12 frames por segundo (FPS). Com qualquer FPS maior do que isso, você perde a capacidade de entender onde começa uma coisa e termina a outra – e surge a ilusão de movimento.
Esse efeito foi descrito pela primeira vez em 1912 pelo psicólogo Max Wertheimer, que o chamou de fenômeno phi. O gif aqui embaixo é um exemplo: ele é composto de uma sequência de 12 fotos, e em cada uma delas a bolinhas está em uma posição diferente. Juntas, elas dão a impressão de que a bolinha se desloca. Mas, na prática, é só um slideshow que roda muito rápido, a uns 6 FPS. Todo filme que você já viu nada mais é do que uma sucessão de fotos. Todo movimento é mentira.
No cinema mudo, os filmes eram exibidos em 16 FPS. Era o suficiente para evitar a cintilação – aqueles flashes escuros entre um frame e outro. Mas ser exibido em 16 FPS é algo diferente de ser filmado em 16 FPS. Como a captura de imagens dependia de girar uma manivela acoplada às câmeras, a velocidade com que o braço do operador se movia mudava o número de frames por segundo. Por isso, as produções daquela época na prática variavam entre 14 a 26 FPS, mesmo que na hora de reproduzir todas rodassem nos mesmos 16 FPS.
Para alguns, ainda não era o ideal: Thomas Edison, que dentre outras coisas inventou o cinetoscópio, dizia que a projeção perfeita era a de 46 quadros por segundo. Para ele, qualquer valor abaixo disso ainda seria estranho aos olhos. Visionário? Talvez. Mas o cálculo de Edison tinha um problema da ordem financeira: fazer filmes com tantos quadros demandaria mais rolo de filme – algo caro naqueles tempos.
Som, Hobbit e novos formatos
Com o surgimento do cinema falado, foi preciso rever as coisas. Foi aí que a taxa de 24 FPS foi oficialmente padronizada, em 1929. 24 quadros era o menor formato que conseguia ser compatível com o áudio. Assim, os estúdios conseguiriam se adaptar gastando o menos possível com rolo de filme. 24 era um bom número também para quem editava as fitas, já que a divisão era simples: meio segundo são 12 quadros, um quarto de segundo são 6 e assim por diante.
As coisas permaneceram assim até os dias de hoje. Mas com o avanço da tecnologia, houve quem ousou desafiar o status quo da “ditadura” dos 24 quadros, aumentando essa taxa para criar vídeos com movimentos mais suaves e realistas. O exemplo recente mais famoso é o do diretor Peter Jackson, que filmou O Hobbit – Uma Jornada Inesperada em 48 FPS, em 2012. Só faltou avisar o público: teve gente que reclamou de tonturas e náusea na época da exibição. A quantidade de detalhes obrigava o cérebro a trabalhar mais do que estava acostumando, causando desconforto.
É aí que mora o perigo: quanto mais se aumentam os quadros por segundo, mais cuidado é preciso tomar com o chamado motion blur. Sabe quando alguém balança a mão para dar tchau e ela parece estar borrada? O motion blur é exatamente isso, e garante que os movimentos em cena pareçam reais. Sem isso, o vídeo parece estar “errado”.
Ficou curioso? O site Frames per Second permite que você faça uma série de testes de FPS e motion blur para observar as diferenças entre o resultado final quando se mexe em cada uma dessas técnicas. Vale a visita.
Mas, e os tais 120 quadros de Projeto Gemini? O diretor, Ang Lee, disse em uma entrevista que essa foi a maneira que eles encontraram para rejuvenescer Will Smith da melhor maneira possível, mas que sabe que algumas pessoas podem não curtir o novo formato. O problema é: ao mesmo tempo que o FPS alto ajuda a tornar o CGI mais realista em algumas situações, ele também pode ter o efeito oposto e escancarar de vez o fato de que uma cena foi gerada no computador.
Pense na taxa de FPS mais alto como um zoom que ocorre na dimensão do tempo, e não do espaço: se uma foto está boa, em alta definição, um zoom é capaz de revelar detalhes interessante sobre a maneira como ela foi editada no Photoshop. Se a foto é ruim, porém, o zoom só vai escancarar o fato de que ela está pixelada e foi editada de maneira tosca. De maneira semelhante, com mais frames por segundo, um CGI que já não está muito convincente pode ficar pior ainda.
Taxas mais altas de quadros por segundo ainda encontrarão o seu espaço – basta tomar cuidado para que o estranhamento não cresça a ponto de fazer o realístico tomar o sentido contrário, e ficar com cara de coisa falsa.
Seja como for, o cinema precisa de diretores visionários, ainda que o resultado final nem sempre agrade. Nomes como Ang Lee, Peter Jackson e James Cameron (de Titanic e Avatar) estão aí para renovar a indústria, testando formatos e novas tecnologias. Sem pessoas do tipo, a sétima arte pararia no tempo.