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Rituais macabros

Psicopatas podem virar assassinos por dois motivos: ou para eliminar quem atrapalha seu caminho ou pelo simples prazer de transformar a morte em cerimônia

Por Eduardo Szklarz
Atualizado em 31 out 2016, 19h04 - Publicado em 25 fev 2011, 22h00

Nos anos 70, a grande diversão da argentina Yiya Murano era tomar chá com as amigas. Risonha e bem-humorada, embalava o papo com biscoitinhos – e aproveitava para envenenar as amigas com cianureto. Aos 49 anos, foi condenada à prisão perpétua acusada de matar Nilda Gamba, Lelia Formisano de Ayala e Carmen Venturini – 3 aposentadas que tinham lhe confiado suas economias para que aplicasse no mercado financeiro. Nunca viram a grana de volta.

Yiya Murano faz parte de um grupo restrito: o dos psicopatas que matam. Psicopatas são muitos, mas só uma minoria chega a matar, embora sejam esses os casos mais famosos e documentados. O desafio dos especialistas é entender por que eles levam sua violência às ultimas consequências. Não dá para dizer, por exemplo, que toda pessoa com alto grau de psicopatia vai partir para o homicídio. Os casos são individuais, e só se explicam por uma combinação de fatores.

Um deles é a violência instrumental, aquela em que o criminoso faz um balanço custo/benefício dos seus atos para alcançar um objetivo. Por exemplo, quando um terrorista coloca uma bomba num mercado cheio de gente para chamar a atenção à sua causa. O psicopata é assim: usa a violência como um meio racional para conseguir um fim – inclusive matar uma amiga para ficar com seu dinheiro. Outro fator é a incapacidade do psicopata de se colocar na pele do outro. Psicopatas captam a necessidade das vítimas, mas apenas para detectar sua fraqueza e assim manipulá-las. Ou seja, simulam uma empatia que na verdade não têm.

“Com pouca empatia e o uso instrumental da violência, o risco de crimes contra a vida aumenta”, diz o psiquiatra brasileiro Paulo J. Negro, que trabalha no Clifton T. Perkins Hospital Center, um hospital forense de segurança máxima (equivalente a casa de custódia) em Maryland, nos EUA. Ainda assim, ele lembra que a violência do psicopata vai depender de outras variáveis, como a impulsividade e a permissividade social.

Trabalho ou prazer

Seja qual for a motivação dos psicopatas homicidas, eles em geral se dividem em dois subgrupos. “Uns matam porque é parte de seu trabalho. É o caso do bandido que vai assaltar um banco e elimina quem atrapalha seu caminho”, diz o psiquiatra Hugo Marietan, da Universidade de Buenos Aires. “Também há psicopatas assim na polícia e nas forças de segurança privada. São os homicidas socialmente aceitos.”

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Por outro lado, existem os psicopatas que matam por prazer. Eles sentem uma necessidade que os impele a matar, uma “fome” que é saciada e pouco depois reaparece. Por isso reincidem. São os assassinos seriais – uma minoria de 1 para cada 20 mil psicopatas. “Para eles, matar é fundamental como uma cerimônia da morte. Não são do tipo que atira a esmo e vai embora. Isso não tem graça. Sem ritual eles não matam; escolhem outro dia”, diz Marietan.

Foi assim com o americano Edmund Kemper. Enquanto Yiya colocava cianureto nos saquinhos de chá, Kemper fazia sucesso com as estudantes de Santa Cruz, na Califórnia. Grandalhão e boa-praça, ele dava carona a elas e as matava a sangue-frio. Esfaqueou as duas primeiras, sufocou a terceira e disparou em outras 3. Fez sexo com os corpos, esquartejou-os, comeu partes e tirou fotos. Edmund havia matado o avô e a avó bem antes, aos 15 anos, e passado 5 anos num hospital psiquiátrico. Ao sair, seu objetivo era matar a mãe, mas decidiu esperar. Praticou com as colegas da faculdade, e só depois decidiu dar cabo da mãe com um machado. Tinha apenas 24 anos.

Necrofilia e canibalismo são perversões sexuais comuns aos assassinos seriais como Kemper. Elas elevam o ritual da morte a um patamar de pleno comando sobre a vítima. Assim é fácil entender por que 86,5% deles são psicopatas, de acordo com o psiquiatra americano Michael Stone.

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Mas há ainda um grupo no qual a psicopatia reina absoluta: o dos estupradores seriais. “O estuprador serial por definição é um psicopata, enquanto não se prove o contrário”, diz o psiquiatra forense argentino Luis Kvitko, um dos maiores especialistas latino-americanos em delitos sexuais. Segundo ele, o estuprador psicopata nem sempre age por desejo sexual. Na verdade, ele goza fazendo sofrer e humilhando a mulher que submete. Isso complica as investigações. “Em até 40% dos casos, não há esperma nas vítimas desse delito. E, se não há esperma, não há DNA do criminoso”, diz Kvitko.

Portanto, ao contrário do estuprador circunstancial – que em geral age por tesão ou sob efeito de álcool -, o estuprador psicopata reincide. Com o mesmo tipo de vítima: meninas, loiras, e assim por diante. E, ao reincidir, pode matar. “Quando mata, é apenas para evitar ser reconhecido. Um efeito colateral não desejado, mas necessário. Isso o diferencia do assassino serial, que mata por prazer”, diz Marietan.

Yiya Murano saiu da prisão e vive hoje num asilo em Buenos Aires, onde virou uma espécie de celebridade. Continua negando os crimes – só confessou ao filho, que contou tudo em um livro. Já Ed Kemper está na cadeia desde que se entregou à polícia, após matar a mãe. Com seu QI 136 (quase de gênio), ele descreve em minúcias como destroçou suas vítimas, do mesmo jeito que fazia com bonecas e bichos na infância. Yiya e Kemper são tão diferentes como dois psicopatas podem ser. Ao mesmo tempo, tão parecidos a ponto de compartilhar histórias de charme, manipulação e rastros de sangue.

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