Robert-Houdin, o pai do ilusionismo moderno
Robert-Houdin (não é Houdini) mudou a história da mágica: aperfeiçoou truques simples, lotou teatros e instituiu um novo dress code para as apresentações.
O acaso deu início à carreira de um dos maiores nomes do ilusionismo moderno. Lá pelos 20 e poucos anos, Jean-Eugéne Robert só queria saber de seguir os passos do pai como relojoeiro, na pequena cidade de Blois, na França. Em início de carreira, ainda sem muita intimidade com a área, entrou em uma loja para comprar livros sobre fabricação de relógios. Levou por engano dois volumes sobre mágica. Foi quando a paixão pelo ilusionismo começou.
As primeiras apresentações aconteceram em sua terra natal, por pura diversão, já que o emprego oficial ainda era na relojoaria – anos mais tarde, a profissão o ajudaria na criação de seus truques. A carreira como mágico mesmo só virou coisa séria em Paris, na década de 1840, quando ele já havia adotado o sobrenome de sua esposa, com o qual ficou mundialmente conhecido: Houdin.
Naquela época, Robert-Houdin conseguira comprar seu próprio teatro, graças às vendas dos robôs que ele mesmo construía. Em 1845, ganhou tanto dinheiro com um robô capaz de escrever sozinho, como aquele do filme A Invenção de Hugo Cabret, que conseguiu terminar as peças que usaria em seu primeiro grande show – o “Soirées Fantastiques” (Noites Fantásticas, em francês).
Mas a estreia foi desastrosa. Em sua primeira aparição, errou quase todos os números. Envergonhado, prometeu nunca mais se apresentar e recolheu todos os cartazes de divulgação do show. A desistência não durou muito. Houdin trabalhou duro, reescreveu os números e voltou ao teatro. Subiu ao palco elegante, com roupas usadas pela alta sociedade da época: cartola e casaca – antes dele, os mágicos usavam trajes típicos de magos.
E fez de tudo: ensinou o filho a ler mentes (veja abaixo) e a flutuar, e ainda aprimorou a clássica árvore de maçãs de Isaac Fawkes (virou uma laranjeira e, no final do número, um dos frutos se abria revelando o anel de um voluntário qualquer da plateia). Houdin também foi o primeiro mágico a usar eletricidade em suas performances. Os franceses se encantaram tanto pelos números surpreendentes de Houdin que lotaram todas as noites do teatro.
Tamanho sucesso levou o mágico para outros cantos da Europa, carregando multidões por onde passava. E era sempre convidado de honra dos poderosos. Durante as turnês, apresentou-se para a rainha Victória, da Grã-Bretanha, e para o rei Luís Felipe, da França. Em 1856, quando já havia anunciado sua aposentadoria, recebeu um pedido do governo francês: desbancar líderes religiosos insurgentes da Argélia (colônia do país naquela época). Sacerdotes de uma tribo chamada Marabouts conquistavam seguidores por conseguirem andar sobre o fogo e encantar cobras. Seriam as provas do poder e da ligação direta deles com os deuses. A tarefa de Houdin era provar aos líderes que os franceses eram ainda mais poderosos.
E assim foi. Em outubro de 1856, Houdin desembarcou na Argélia para apresentar seu espetáculo. Nem precisou carregar seus autômatos. Truques fáceis, como tirar coelho e objetos da cartola ou deixar alguém sem força já serviram para convencer os sacerdotes. Aterrorizados com os poderes sobrenaturais dos franceses, os líderes cederam aos desejos de seus colonizadores e deram uma trégua à revolta.
Foi o último grande ato do pai da mágica moderna nos palcos. Ele dedicou o restante de sua vida à produção de livros sobre mágica e sobre suas memórias, além de continuar trabalhando em seus inventos. Morreu em 13 de junho de 1871, aos 65 anos, vítima de pneumonia. Mas deixou um legado na mágica, servindo de inspiração e referência para todo aspirante a ilusionista. Graças ao trabalho dele, um americano promissor decidiu se aventurar pelo mundo da mágica: Harry Houdini – nome artístico inspirado no ídolo francês.
Second sight
Como é: Houdin convidava o filho para subir ao palco e vendava os olhos dele. Então descia e pedia a alguém da plateia para mostrar um objeto pessoal (anel ou nota de dinheiro). Enquanto conversava com o público, pedia ao filho para descrever o objeto. Aos poucos, o menino conseguia dizer até o nome gravado no anel – ou o valor e as cores da moeda.
O segredo: Houdin e o filho tinham bolado uma forma de se comunicar sem que ninguém percebesse. Durante todo o diálogo, o mágico descrevia em códigos o objeto – e o filho só precisava encenar sua habilidade como mentalista.
Alfabeto de Houdin
Imagine que Ann é o nome gravado no anel de alguém da plateia. Houdin soletrava o nome ao filho, mas com um alfabeto diferente. A letra inicial de cada frase ou as expressões usadas pelo mágico representavam determinadas letras e objetos. Por exemplo: A – equivale à letra C; N – refere-se à letra V.
E a expressão “rápido” seria para repetir a última letra. Houdin passava o recado assim: “Como será o nome gravado no anel? Vamos, como ela se chama? Rápido, rápido!”. O filho entendia o recado e acertava o nome. A mesma regra valia para números e objetos. “Muito bem” poderia ser uma expressão para óculos ou chapéu, por exemplo.