Virgens, vampiros, e vendidos
Por trás de megasucessos adolescentes, como o filme Crepúsculo, vive uma lucrativa indústria pop. Para sobreviver, ela depende de muito marketing, um pouco de qualidade e absolutamente nada de sexo
Karin Hueck
Dois adolescentes, um rapaz e uma garota, estão no meio de uma floresta. O clima entre os dois é tenso. Eles se encaram fixamente. De cima de uma árvore, Edward diz a Bella:
– Eu sou desenhado para matar.
– Eu não ligo.
– Já matei pessoas.
– Isso não importa.
– Eu quis te matar. Nunca desejei tanto sangue humano na minha vida como o seu.
– Confio em você.
– Não confie. O seu cheiro é como uma droga para mim. Como a minha própria porção de heroína.
– Por que você me odiou quando me conheceu?
– Só te odiei porque eu te quero tanto.
Essa declaração de amor (sim, é uma declaração) é o ponto alto do mais novo blockbuster do cinema americano, Crepúsculo. O filme conta a história de Bella, uma adolescente que se apaixona por Edward, um vampiro. Eles vivem um romance impossível porque, ao mesmo tempo em que o garoto retribui o amor, ele tem vontade de matá-la e sugar seu sangue. Esse enredo mirabolante foi inspirado no livro de megasucesso escrito pela autora mórmon Stephenie Meyer, que rendeu 3 continuações e 17 milhões de cópias vendidas em todo o mundo. Não se sinta mal se você nunca ouviu falar na obra. Aliás, se você não for uma garota adolescente ou conviver com uma, é normal que a febre tenha passado batido por você. Mas o que não dá para ignorar é a bilheteria de US$ 174 milhões que o filme rendeu desde 21 de novembro, que mostra que há uma massa de adolescentes ávida por produtos culturais dedicados a ela – e que a indústria do entretenimento está se esbaldando nisso há muitos anos.
Harry Potter foi a maior avalanche que soterrou crianças e adolescentes nos últimos tempos. Os livros venderam 400 milhões de cópias e os 5 filmes lançados até agora arrecadaram inacreditáveis US$ 4,4 bilhões. Mas, desde Grease e os Menudos, já se sabia que investir em produções adolescentes era um grande negócio. O que mudou nos últimos tempos é o grau de profissionalismo e sofisticação. O orçamento de um filme teen costuma ser mais baixo do que o de uma superprodução – o que dá uma margem de lucro muito maior. Diário de uma Princesa, que estourou em 2001, custou US$ 37 milhões e rendeu 4 vezes mais. E Crepúsculo, que nem estreou no mundo inteiro ainda, já arrecadou mais de 5 vezes a quantia que custou para ser feito. Além disso, adolescentes são um mercado consumidor e tanto. A Market Research, uma empresa especializada em pesquisa de consumo, avaliou o poder aquisitivo dos teens americanos em US$ 137 bilhões. A maravilha desse tipo de público é que ele não tem nenhum pudor em comprar qualquer bugiganga de seu personagem favorito nem ver o mesmo filme mais de uma vez. Na verdade, 85% das pessoas que pretendiam assistir Crepúsculo tinham a intenção de vê-lo várias vezes. Em tempos de pirataria, isso é o sonho de qualquer produtor.
Para entender o making of dessa enorme indústria é só pegar o exemplo de High School Musical. A história de amor entre um jogador de basquete popular e uma nerd de origem latina, numa escola onde brancos, negros, gays e gordinhos misteriosamente convivem bem, começou como um filme feito para a TV. Acabou virando febre mundial. “A Disney conseguiu criar, com apenas 3 filmes, um novo jeito de viver para os adolescentes, que envolve uma franquia de produtos multimilionária”, diz Robert Thompson, professor de cultura pop da Universidade Syracuse, em Nova York. De fato, não houve ponto sem nó nesse musical. O criador do filme é Bill Borden, figurinha antiga em Hollywood, que já tinha trabalhado com Francis Ford Coppola. Ele encomendou as músicas a 10 compositores diferentes do mundo pop. Em seguida, mandou um roteirista costurar a história. Quando ficou pronto, uma equipe de marketing começou a anunciar a estreia do filme com um mês de antecedência. Já no dia seguinte à estreia foi ao ar uma versão com legendas do musical para que as crianças pudessem cantar com os personagens. O resultado: em menos de duas semanas, as músicas já estavam no top 10 da parada Billboard.
Nem sexo nem drogas
Além da incrível máquina de marketing, os novos sucessos contam com uma estratégia infalível – atacar diretamente a fonte de dinheiro: os pais. Adolescentes, você deve saber, não têm renda própria e dependem da boa vontade dos adultos para ir ao cinema, ler um livro ou comprar o karaokê da Hannah Montana. Por isso, as indústrias têm atacado em duas frentes: ou fazem com que os adultos aprovem e patrocinem as manias dos filhos ou, melhor ainda, conquistam os próprios pais com suas histórias, como foi o caso de Harry Potter. Na primeira categoria estão os seriados e filmes mais infantis. High School Musical, Hannah Montana e o grupo de pop rock Jonas Brothers são o sonho de qualquer pai: não há referência alguma a sexo, drogas ou violência. E o estranho é que, para os jovens, esses hits não são nem um pouco caretas. Para eles, não há ninguém mais bacana do que Zac Efron e Vanessa Hudgens, os protagonistas de High School Musical, que demoraram 3 horas ao longo de dois filmes para dar o primeiro beijo (e não foi de língua). “Descobriram um jeito de colocar o moralmente correto na moda. O hype agora é ser bem comportado”, diz Thompson.
Na Disney, isso foi levado a níveis ainda mais altos. Em 2005, quando os executivos da empresa procuravam uma menina para estrelar o projeto de Hannah Montana, estavam em busca de 4 qualidades: talento musical, apelo com os jovens, simpatia com os pais e a capacidade de se manter longe dos paparazzi. A procura demorou mais de um ano, mas resultou em Miley Cyrus, que hoje é ídolo supremo e uma das pessoas mais ricas do mundo do entretenimento abaixo dos 25 anos. O maior escândalo que ela já protagonizou foi posar para uma revista com as costas e os ombros à mostra (uh!) e, desde o começo do ano passado, ela optou por usar um anel de pureza simbolizando que só perderá a virgindade depois do casamento.
E ela não é a única que faz a linha abstêmia. Os integrantes do Jonas Brothers, a maior banda teen da atualidade, que estrelaram outro filme de sucesso, Camp Rock, também ostentam orgulhosos seus anéis de pureza. Os irmãos Nick, Joe e Kevin, de 16, 19 e 21 anos, são uma mistura de Hanson (estilo musical) com KLB (cortes de cabelo), e arrastam dezenas de milhares de fãs para seus shows – mas são os genros que toda mãe gostaria de ter. Tamanha castidade acaba influenciando o público. Uma pesquisa feita em outubro do ano passado com 1 200 adolescentes no site da revista Capricho mostrou que 49% das meninas acham legal a moda do anel de pureza. “O sexo perturba sempre, em qualquer idade. E a abstinência é uma maneira de lidar com isso, fazendo de conta que ele não existe”, diz a psicanalista Diana Lichtenstein Corso, especializada na interpretação de narrativas infantis. Até mesmo Crepúsculo, que é direcionado a um público um pouco mais velho, esbarra no assunto. Bella, a adolescente de 17 anos, e Edward, o vampiro de 107, não podem fazer sexo. No enredo, é por causa do perigo de Edward machucar a menina. Mas quem disse que não é simplesmente por medo?
Mas todo o bom comportamento do mundo de nada adiantaria se esses sucessos não tivessem seus méritos. Ok, as músicas de Jonas Brothers podem ter letras previsíveis e ninguém com mais de 16 anos assistiria voluntariamente a mais de um episódio de Hannah Montana em sequência (não dá para entender por que Miley Cyrus passa o tempo todo fazendo careta), mas é justamente isso o que tanto atrai aquela faixa etária cinzenta entre a infância e a vida adulta. “Quem está entrando na adolescência tem devaneios meio pobres e fantasias muito concretas. Geralmente, sonha com 3 coisas: prestígio, amor e afirmação da identidade”, diz Corso. Quando Miley Cyrus vira Hannah Montana e se transforma num estrela pop, ou quando Harry Potter salva sozinho o mundo dos bruxos, eles realizam o sonho de todos os fãs. Além disso, é inegável a qualidade técnica das filmagens e as músicas contagiantes (tente tirar da cabeça Stick to the Status Quo, do HSM, depois de ouvi-la algumas vezes. Você não vai conseguir). Harry Potter e Crepúsculo, então, têm milhões de fãs adultos. 42% das pessoas que se declararam interessadas em ver Crepúsculo no cinema têm mais de 25 anos. Há até um site dedicado ao filme fundado por mães e donas-de-casa, as Twlightmoms, que não conseguem mais fazer outra coisa da vida a não ser ler o livro. Não que esses sucessos sejam bons o suficiente para fazer parte do cânone pop no futuro. Mas o que eles com certeza vão fazer é movimentar a multibilionária indústria teen por mais alguns anos – ou até o próximo fenômeno.
Era uma vez… uma fórmula de sucesso
Uma boa história adolescente envolve um enredo cativante, uma equipe de marketing afiada e a aprovação dos pais
Pegue um herói esquisitão
O personagem principal não pode ter vida fácil demais. Um vampiro, um bruxo e uma popstar disfarçada, como em Hannah Montana, rendem histórias muito melhores do que um herói perfeito.
Crie um mundo fantástico
Invente regras próprias. Um vampiro que não morre na luz do Sol, como em Crepúsculo? Uma escola de feitiçaria onde os alunos são bruxos, como em Harry Potter? Tudo é possível numa história para adolescentes.
Invente um bom enredo
Se quiser conquistar os meninos, pense numa aventura, como salvar o mundo. Já meninas gostam mais de amores impossíveis. Se os personagens cantarem e dançarem, como em High School Musical, só ajuda.
Fuja do sexo
Nada de amassos ou cenas picantes. O amor para os adolescentes fica na fantasia e vive de pequenas experiências eróticas. Ou seja, os personagens podem, no máximo, ficar de mãos dadas e dar um beijinho no grand finale.
Conquiste os pais
Pais querem bons exemplos para os filhos. Por isso, passe longe também de drogas e violência. Assim, é mais provável que os adultos aprovem as histórias e paguem a ida ao cinema, o livro novo, o dvd inédito…
Venda e repris
Não tenha vergonha de lançar bonecos, canecas ou até roupas íntimas com os personagens. Também nunca é demais investir em sequências e reprises para bombar até a exaustão o seu público.
Para saber mais
Crepúsculo
Stephenie Meyer, Intrínseca, 2008.
O Herói de Mil Faces
Joseph Campbell, Pensamento, 1995.