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O imenso catálogo de amantes mortais (e imortais) de Zeus

A vida de rei do camarote do deus dos deuses da mitologia grega.

Por José Francisco Botelho
Atualizado em 4 out 2019, 17h02 - Publicado em 3 out 2019, 16h48
Para seduzir a princesa Europa, filha do rei Agenor da Fenícia, Zeus assumiu a forma de um touro branco, saído das ondas do mar. (Adams Carvalho/Superinteressante)

Para alguns, Zeus, o senhor dos deuses, era o símbolo da ordem, da disciplina e da civilização. Para outros, era um tirano ciumento e vingativo. Seu papel no universo da mitologia grega, de qualquer forma, era bem diferente daquele exercido pelo Deus cristão. Embora fosse o governante supremo, nem tudo o que ocorria no Universo era controlado por Zeus. E vastas porções do mundo eram governadas por seus dois irmãos: Poseidon (em latim, Netuno), de gênio explosivo, e o taciturno Hades (Plutão, entre os romanos), que raramente falava, jamais chorava e nunca sorria.

A divisão do mundo entre os três irmãos divinos ocorreu logo após a queda dos titãs, quando os campos ainda fumegavam pelas terríveis batalhas na guerra dos deuses. Tudo foi decidido na sorte: dados foram balançados dentro de um capacete, sendo que cada resultado correspondia a uma região do planeta. Os dados decidiram que Zeus governaria os céus. Por isso, ele passou a coordenar os fenômenos meteorológicos, como as chuvas e as tempestades.

Entre os poetas gregos, ele era chamado “Aquele que junta as nuvens”, “O que envia as chuvas” e “O que lança o relâmpago”. Poseidon se tornou o senhor dos mares. E a Hades coube a parte mais sombria: as temidas regiões subterrâneas. Já a superfície dos continentes seria comum a todos os deuses. Lá, muitas vezes, os olímpicos disputariam entre si o domínio de povos, cidades e países.

“Cada deus era muito ciumento em relação a suas atribuições – e, ao mesmo tempo, desejava invadir o território dos outros”, explica o historiador Anderson Zalewsky Vargas, especialista em Antiguidade Clássica da UFRGS. “Por isso, há um permanente conflito entre as divindades. Aliás, em todas as religiões pagãs, os deuses são rivais entre si, uma projeção das características e disputas dos próprios seres humanos”.

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Sexo olímpico

Embora fosse fruto do acaso, a divisão do mundo entre os três irmãos foi bem apropriada: o temperamento de cada deus combinava perfeitamente com a província que lhe coube. Quando não estava presidindo as assembleias de deuses no Olimpo, Zeus gostava de passar o tempo entre as nuvens, observando a terra lá embaixo. Tinha olhar apurado não apenas para detectar desordens em seu reino, mas também para localizar a beleza das formas femininas.

Zeus teve um imenso catálogo de amantes entre mortais e imortais. Boa parte da família olímpica, por sinal, era formada por filhos de Zeus fora do casamento. Quando desejava possuir as belas formas de uma mortal, Zeus adotava disfarces: olhos humanos não podiam contemplar os deuses em sua forma real.

Para se unir  à princesa Europa – filha de Agenor, rei da Fenícia –, ele assumiu a forma de um touro branco. O animal era belo e parecia manso. Destemida, Europa saltou sobre seu dorso. O touro disparou, correndo sobre as ondas do mar, e levou Europa até a ilha de Creta. Lá, a mulher e o touro se amaram. Os filhos da união foram os heróis Sárpedon, Radamanto e Minos – esse, mais tarde, tornou-se o mais famoso rei de Creta.

Para possuir Dânae, filha  do rei Acrísio de Argos, Zeus assumiu a forma de uma chuva de ouro. Segundo uma profecia, Acrísio estava fadado a ser morto por seu próprio neto. Por isso, trancafiou a filha virgem em uma torre de metal. Mas isso não deteve o deus apaixonado. Transformado em gotas reluzentes, ele entrou pelas grades da cela. A chuva dourada escorreu pelas coxas de Dânae. Nove meses depois, nascia o herói Perseu.

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Outra amante famosa foi Leda, esposa do rei Tíndaro de Esparta.  Ela se banhava sozinha nas águas do Rio Eurotas quando um cisne subitamente a envolveu com as asas sedosas. Era Zeus, na forma do animal aquático (e gramático, es). A rainha de Esparta não resistiu, rendendo-se ao avanço do pássaro fogoso. Naquela mesma noite, Leda também se entregou ao marido Tíndaro. No devido tempo, deu à luz quatro gêmeos: Helena e Pólux, filhos de Zeus, e Clitemnestra  e Cástor, filhos de Tíndaro. Helena, a mais bela mulher  a pisar sobre a Terra, foi o estopim da Guerra de Troia.

Logo após subir ao trono, Zeus casou-se com sua própria irmã, Hera (ou Juno, entre os romanos), mas suas infidelidades foram inúmeras, seja com outras deusas e ninfas ou com mortais. O reinado de Zeus nem sempre foi tranquilo: mais de uma vez, ele quase perdeu o trono. “Zeus era superior a todos os outros e tinha posição parecida à de um rei na terra, mas isso não significa que não pudesse ser desafiado ou enganado”, explica Zalewsky. Sua própria família, a propósito, tentou derrubá-lo.

Mas o maior risco ao império do manda-chuva veio de sua própria luxúria. Certo dia, sentado em seu trono no Olimpo, o senhor dos deuses olhou para a vastidão do mar e avistou uma linda figura que acabava de emergir das águas. Era Tétis, uma das Nereidas – as ninfas do Mar Mediterrâneo, filhas de Nereu, o Velho do Mar. Zeus se apaixonou na hora. Passou a cortejá-la e descobriu que a paixão era mútua. Mas antes que o deus consumasse o novo amor, recebeu um recado urgente trazido por Hermes.

O mensageiro dos deuses chegou voando, com pressa, ao salão do Olimpo. Ele portava uma mensagem de Prometeu, que acabara de ser libertado por Héracles. Conforme o combinado, Prometeu havia revelado finalmente o segredo guardado há tantas décadas. Hermes repetiu aos ouvidos de Zeus as palavras proféticas do titã:“Aquele que possuir a bela Tétis terá com ela um filho mais poderoso que o próprio pai”. Zeus compreendeu na hora o aviso: se acaso tivesse um filho com a nereida, o senhor do Olimpo seria destronado por ele.

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A única coisa que Zeus amava mais do que sexo era o poder. Re-sistiu à tentação, portanto, e não caiu nos braços da ninfa das águas. Tempos depois, Tétis casaria com um mortal – Peleu, soberano da ilha de Ftia. A nereida estava mesmo destinada a ter um filho poderoso: o fruto de sua união com Peleu foi um menino chamado Aquiles, um dos heróis mais formidáveis e terríveis a pisar nas terras da mitologia.

Trio de ferro: Poseidon, Zeus e Hades. (Mike Azevedo/Superinteressante)

Poseidon: o explosivo senhor das águas

Agora, o senhor do Olimpo estava seguro em seu trono. Mas isso não agradava a todos. Um dos que mais se ressentiam do poder supremo de Zeus era seu irmão mais velho, Poseidon – que sempre desejou ser o chefe dos deuses. Em vez disso, teve de se contentar com o domínio dos mares. O temperamento tempestuoso de Poseidon, por sinal, tinha tudo a ver com o reino que governava. Dado a grandes surtos de fúria, ele podia tanto afundar navios sob as ondas quanto inundar cidades inteiras. Empunhava sempre um grande tridente, presente dos ciclopes, que lhe dava o poder de abalar não só os mares, mas também a terra.

Além dos oceanos, regia as águas correntes e os lagos. Sua força, portanto, estendia-se para dentro dos continentes. Quando irritado, podia causar terremotos – por isso era um dos deuses mais temidos na Grécia, região de constantes abalos sísmicos. Quando a terra começava a tremer, os gregos logo se punham a cantar hinos para acalmar a irritável divindade. Se Zeus representava a ordem e a estabilidade, os gregos relacionavam Poseidon a todas as coisas que se agitam e se convulsionam. E quando um epiléptico tombava ao chão, contorcendo-se, os antigos gregos logo diziam: “Este homem está possuído por Poseidon”.

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Mas o deus temperamental também tinha momentos de calmaria ao lado da esposa, Anfitrite – outra bela nereida. Apenas ela sabia aplacar o gênio do ma-rido. Ambos viviam em um palácio no fundo do mar, próximo ao litoral da Egeia, na Grécia central. Todos os dias, Poseidon e a rainha Anfitrite percorriam seus domínios em uma carruagem de ouro, puxada por cavalos brancos imortais, com crinas de ouro e cascos de bronze. Eram seguidos por um cortejo fabuloso de criaturas das águas, como delfins falantes e hipocampos.

À frente do séquito, ia  sempre Tritão, que era filho de Poseidon e Anfitrite: metade homem, metade peixe. Para anunciar a passagem de Poseidon, Tritão soprava uma trombeta em forma de concha, cujo som retum-bava sobre as águas. E quando a carruagem passava, todas as tempestades se acalmavam e as ondas abriam caminho, mansas e domadas. Em alguns momentos, ao longo dos passeios com Anfitrite, Poseidon até chegava a sorrir. Mas jamais tirava do pensamento seu próprio orgulho ferido, e o rancor pelo caçula a quem tinha de obedecer.

Hades: o deus do submundo

De rosto, Hades era parecido com seus irmãos: tinha barbas encaracoladas e físico avantajado. Mas seu temperamento era muito mais sombrio. Vestia-se numa túnica vermelha e tinha o rosto pálido, desacostumado à luz do sol. Afinal de contas, ele era o senhor das profundezas e o rei das sombras. Seu domínio era o inferno, a escura região no interior da Terra, cheia de névoas e cercadas por rios terríveis. O inferno grego – também conhecido pelo nome de seu governante, Hades – ficava localizado entre a superfície da Terra e o infinito abismo do Tártaro. Um reino sombrio, onde os espíritos vagavam como zumbis.

Hades era um deus recluso e introvertido. Jamais comparecia às assembleias de deuses no Olimpo, e quase nunca deixava seu reino escuro. Aliás, ele raramente era visto mesmo nas profundezas de seus domínios. Dos ciclopes, havia ganhado um capacete mágico que o tornava invisível aos olhos de deuses, mortais e espíritos desencarnados. Como senhor das profundezas, também dominava todos os metais e pedras preciosas que abundavam nos subterrâneos. Por isso, também era conhecido como o “senhor das riquezas”. Mas preferia as sombras opacas às joias brilhantes.

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Andava sempre silencioso, misturado às trevas, observando a quieta multidão de seus súditos, os fantasmas dos mortos. Hades jamais deixava que um espírito escapasse do inferno – por isso, era o deus mais odiado pelos mortais, e havia poucos templos em sua homenagem. Era a mais impiedosa das divindades olímpicas, e súplicas nunca o comoviam. Apenas uma única vez, em todas as histórias da mitologia grega, o coração de Hades foi tocado pela misericórdia.

Os gregos temiam até mesmo pronunciar seu nome, e o faziam apenas para rogar pragas e pedir vingança. Quando queriam invocá-lo, batiam no chão com as mãos ou com varas, ou então sacrificavam uma ovelha negra. E quando um grego queria demonstrar seu ódio a algum inimigo, desejando-lhe morte prematura, bastava dizer: “Que você mergulhe na funesta mansão de Hades.”

Rebelião no Olimpo

Famílias poderosas facilmente se transformam em ninhos de intrigas. No Olimpo, não foi diferente. O mando supremo de Zeus era ressentido por vários de seus parentes. A começar por sua esposa, Hera, furiosa com as constantes infidelidades do marido. Poseidon, por sua vez, jamais se conformou com  o domínio do irmão caçula. E Apolo, filho de Zeus e Leto, sempre se considerou o mais belo, inteligente e talentoso dos deuses – herdeiro natural ao trono olímpico. Os três se uniram em uma conspiração para destronar o senhor dos deuses – ou, ao menos, ensinar-lhe uma lição. Enquanto Zeus dormia,  os conspiradores roubaram sua arma mágica, o relâmpago, e o amarraram ao divã onde estava deitado. O rei dos deuses urrou de indignação, mas os três conspiradores  riram em suas barbas. Enquanto isso, contudo,  a ninfa Tétis, que amava Zeus, correu até o Mar Mediterrâneo e invocou  o nome de Briareu – o terrível gigante de cem braços que habitava as águas profundas. Briareu havia sido libertado por Zeus de uma prisão no Tártaro e, por isso, era  fiel ao manda-chuva.  Num turbilhão de água,  o monstro leal subiu ao Olimpo. Apavorados, os conspiradores fugiram. Libertado, Zeus apanhou  o relâmpago, reimpôs o respeito e tratou de punir os parentes traidores.  Hera foi pendurada dos céus, de cabeça para baixo, com grilhões nos tornozelos. E Poseidon e Apolo foram condenados  a uma humilhação à altura de seu desmedido orgulho: Zeus obrigou-os a trabalhar como escravos para um simples mortal, Laomedonte, rei de Troia. O rei ordenou que os deuses-escravos construíssem uma muralha em torno à sua cidade. Poseidon e Apolo puseram mãos à obra – e, assim, Troia ganhou muros erguidos por mãos divinas, que não podiam ser destruídos pelos mortais.  Zeus cancelou as punições apenas quando todos juraram jamais se rebelar novamente. Agora, a pequena guerra civil no Olimpo estava acabada.

 

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