Os médicos resistiram por duas décadas. Mas as regras de isolamento social forçaram a liberação das consultas pela internet. Entenda por que elas vieram para ficar – e como podem transformar a medicina.
Texto Carolina Fioratti Ilustração Denis Freitas Design Maria Pace e Carlos Eduardo Hara Edição Bruno Garattoni
Os sintomas não passavam. Quando comecei a espirrar e fiquei com os olhos coçando, um pouco inchados, achei que fosse só uma alergia qualquer, como as que já tive. Tomei um remédio e fui levando a vida, mas não sarei. Depois de três semanas, comecei a ter dores de cabeça constantes, e percebi que era hora de procurar um médico. Mas como encarar um hospital em plena pandemia? Resolvi apelar para a telemedicina. Baixei um aplicativo indicado pelo meu plano de saúde e em dois minutos já estava falando com uma médica. Sem senha, sem ficha cadastral, sem fila. Ela me perguntou sobre os sintomas, há quanto tempo estavam ocorrendo, e logo deu o veredicto: “naso-oftalmo alergia”. Alguns segundos depois, recebi uma receita médica digital, que usei para comprar um medicamento pela internet. Fim.
O processo todo levou menos de 15 minutos. Foi natural, tranquilo, eficiente. Mas, até bem pouco tempo atrás, a história teria sido outra. O tipo de consulta que fiz, pela internet, só foi liberada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em março de 2020, justamente por causa do coronavírus (a ideia é evitar, tanto quanto possível, que as pessoas tenham de ir até hospitais ou consultórios médicos). Foi o desfecho de uma novela arrastada, que durou intermináveis 18 anos.
A primeira resolução do CFM saiu em 2002, e era bem limitada: só previa a emissão de laudos ou a troca de informações entre médicos. Um exemplo: um clínico-geral do interior do Acre pode ter o raio X de um paciente interpretado, via telemedicina, por um oncologista de um grande centro. Até bem recentemente, a única telemedicina permitida no Brasil era essa.
Em 2018, houve uma tentativa de alteração. O CFM publicou a resolução 2.227, com 23 artigos regulamentando, e ampliando, a telemedicina no País. Ela previa coisas como a teleorientação (uma consulta comum, como a que eu fiz), o teleacompanhamento (modalidade em que a primeira consulta é feita pessoalmente, e as seguintes, por vídeo) e falava até em cirurgia remota. Não emplacou. A classe médica foi contra, a norma foi revogada, e voltamos às regras de 2002.
A telemedicina foi rechaçada por uma série de motivos. Os médicos temiam o risco de falsificação de receitas e o vazamento de dados sobre os pacientes durante a transmissão online. Também havia receio quanto a uma suposta proliferação de falsos médicos na internet. Donizetti Giamberardino Filho, vice-presidente do CFM, conta que, após a revogação, o conselho passou a pesquisar mais sobre o tema. “Durante 2019, houve uma grande consulta pública, e, quando estávamos para fazer a nova resolução, surgiu a pandemia”, diz. O coronavírus acabou apressando as coisas.