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As invenções visionárias de Leonardo da Vinci

Ele parecia enxergar o futuro, de tão avançadas que eram suas criações. Mas nem tudo o que imaginou teria funcionado direito.

Texto: Reinaldo José Lopes | Edição de Arte: Leonardo Drehmer | Design: Andy Faria | Imagens: AFP e Divulgação

A

té os gênios precisam de um pouco de marketing pessoal de vez em quando, principalmente quando estão duros. Foi exatamente o que fez Leonardo da Vinci aos 30 anos, quando escreveu uma carta para Ludovico Sforza, duque de Milão. Decidido a demonstrar que poderia ser muito útil ao governante, achou por bem enfatizar seu talento como inventor.

“Sei como desviar água das trincheiras e construir uma infinita variedade de pontes, aríetes e escadas, além de outros instrumentos empregados em cercos. Quando um lugar não pode ser capturado com bombardeios, seja por causa da altura ou da localização, conheço métodos que permitem destruir qualquer fortaleza ou outra praça forte, mesmo que suas fundações sejam de rocha. E, se a batalha acontecer no mar, sei como construir muitas máquinas de um tipo muito eficiente para ataque e defesa, bem como navios capazes de resistir aos canhões e à pólvora.”

Dá até para imaginar o duque milanês exclamando para si mesmo “está contratado!” ao ler a correspondência. Afinal, o clima entre as cidades-estado italianas era de permanente tensão naqueles tempos. Ninguém sabe se alguma das máquinas de guerra projetadas por Da Vinci saiu da prancheta durante o ducado de Sforza. É fato, porém, que nenhuma delas foi capaz de salvar sua pele quando o exército da França marchou sobre Milão no ano de 1500. Sforza foi deposto. E morreria oito anos depois, encarcerado numa masmorra em território francês.

Mas Da Vinci, o inventor, não restringiu sua fúria criativa aos artefatos militares. Ao contrário! Fascinado durante toda a vida pela mecânica do voo dos pássaros, projetou também diferentes máquinas voadoras. Além de sonhar com a conquista do ar, imaginou meios de vencer a água – seja com um equipamento que permitisse andar sobre ela, seja com um aparelho de mergulho.

Criou robôs, no melhor estilo visionário. Mas também inventou coisas de uso cotidiano, como teares e polidores de espelho. Difícil dizer até que ponto ele tinha certeza da viabilidade das suas invenções. Independentemente disso, pode-se cravar: elas eram todas geniais.

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Escafandro

Couro, cortiça e muita criatividade para atacar navios turcos pelo fundo do mar.

Tudo indica que uma rápida passagem de Leonardo da Vinci por Veneza, no fim do século 15, tenha inspirado a tentativa do mestre de criar um escafandro (ou traje de mergulho). A tese faz bastante sentido: além da localização semiaquática da cidade-estado italiana, com seus famosos canais, havia a motivação militar, que também está por trás de outros vários dos inventos do renascentista.

Naquela época, a república veneziana travava uma guerra duríssima contra o Império Otomano, liderado por turcos muçulmanos. O conflito colocava em risco o poderio comercial de Veneza no Mar Mediterrâneo. Diante desse cenário conflituoso, Da Vinci teria tido um estalo. E se os venezianos conseguissem atacar as embarcações turcas por baixo, com investidas pelo fundo do mar?

A solução, esboçada pelo inventor no cadernão conhecido como Codex Atlanticus, lembra, à primeira vista, uma roupa de aviador do começo do século 20. Feita de couro, ela recobriria o corpo todo do escafandrista, incluindo jaqueta, calças e uma máscara com um par de visores para que o mergulhador conseguisse enxergar o ambiente ao seu redor.

<strong>Hoje, sabe-se que há uma falha no projeto de Da Vinci: a diferença de pressão entre a superfície e o fundo do mar faria com que os tubos de respiração se fechassem conforme o escafandrista puxasse o ar. Uma solução simples seria reforçá-los por dentro, com molas ou alguma outra estrutura rígida. Mas isso não está previsto nos desenhos originais.</strong>
Hoje, sabe-se que há uma falha no projeto de Da Vinci: a diferença de pressão entre a superfície e o fundo do mar faria com que os tubos de respiração se fechassem conforme o escafandrista puxasse o ar. Uma solução simples seria reforçá-los por dentro, com molas ou alguma outra estrutura rígida. Mas isso não está previsto nos desenhos originais. (Reprodução/Divulgação)
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A parte mais legal, complicada e incerta, no entanto, tem a ver com o mecanismo usado para que a pessoa conseguisse respirar debaixo d’água. Os esboços mostram longos tubos flexíveis que saem da máscara e vão terminar acima da linha da superfície, em flutuadores que seriam feitos de cortiça – e que, por isso, ficariam boiando. Isso permitiria que as pontas desses tubos ficassem permanentemente em contato com o ar, possibilitando a respiração regular do mergulhador.

Da Vinci também levou em consideração outras necessidades de seus escafandristas teóricos, como a estabilidade dentro d’água (ele chegou a pensar em um sistema de pesos que os mantivesse eretos no solo marinho), a possibilidade de subir ou descer com a ajuda de balões cheios de ar e até uma bolsa de couro separada para guardar o xixi dos mergulhadores caso eles ficassem apertados durante suas missões.

NA PRÁTICA, A TEORIA É OUTRA

Em 2003, o escafandro de Leonardo da Vinci foi testado por uma equipe de documentaristas da emissora britânica BBC, durante as filmagens de um programa sobre as invenções do gênio renascentista. Uma mergulhadora profissional experimentou o equipamento duas vezes. Primeiro, em uma piscina. Depois, nas águas turvas e geladas de Veneza.

Nas duas situações, o aparato funcionou. Apresentou, no entanto, uma deficiência grave: pequenas variações de profundidade, por menores que fossem, tornavam a respiração da “cobaia” difícil e dolorosa. A solução encontrada pela equipe para contornar o problema foi o uso de um fole para bombear ar na câmara de cortiça. Da Vinci poderia ter previsto o bombeamento de ar em seu projeto, uma vez que havia tecnologia para isso na época. Mas não previu.

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Robôs

Um leão e um cavaleiro medieval que funcionavam como brinquedos de corda.

Pois é: cinco séculos antes do primeiro filme de ficção científica, Leonardo da Vinci já flertava com a construção de robôs. Nos projetos do mestre renascentista, eles não eram máquinas tão autônomas quanto as que hoje vemos no cinema ou mesmo no mundo real. Nem poderia ser diferente, pois não existia na época algo nem parecido com uma bateria elétrica. Os robôs de Da Vinci funcionavam como brinquedos de corda. Mas isso não equivale a dizer que fossem máquinas simplórias. Ao contrário, eram incrivelmente sofisticadas.

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Até o mais simples dos robôs de Da Vinci, um leão projetado para homenagear a visita do rei francês Francisco 1º a Florença, era de uma engenhosidade assombrosa. O animal mecânico era capaz de dar vários passos sozinho e abria automaticamente seu peito para deixar sair dele uma braçada de lírios, flor símbolo da monarquia francesa. Tudo isso era conseguido por meio de engrenagens cuidadosamente dispostas no interior do leão. Bastava dar corda na barriga do animal, com a ajuda de uma manivela, para que ele desse seu show.

A criatura robótica mais espetacular desenvolvida por Da Vinci, no entanto, provavelmente foi o chamado cavaleiro-autônomo, inventado para animar festividades na corte de Ludovico Sforza. O sistema de engrenagens, cabos e pesos dentro do boneco mecânico permitia que ele movesse os braços independentemente, levantasse o visor do elmo, ficasse em pé e se sentasse.

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<strong>Da Vinci também projetou um robô articulado que levava na cintura um tambor. Sua proposta com essa invenção era criar um autônomo que seguisse os soldados durante as paradas militares.</strong>
Da Vinci também projetou um robô articulado que levava na cintura um tambor. Sua proposta com essa invenção era criar um autônomo que seguisse os soldados durante as paradas militares. (Reprodução/Divulgação)

De acordo com o engenheiro americano Mark Rosheim, especialista em robótica, Da Vinci só conseguiu chegar a tamanha complexidade porque tinha descoberto como usar pequenas peças de madeira para programar diferentes movimentos do robô. Em outras palavras: dependendo da posição dessas peças, o cavaleiro realizava distintas sequências de manobras. Utilizando-se da mesmíssima tecnologia, Rosheim construiu uma réplica do cavaleiro-autônomo. E ele funcionou direitinho.

Máquinas voadoras

Uma delas batia asas como um morcego, enquanto a outra parecia uma pipa gigante.

Você já deve ter lido aqui ou ali que Leonardo da Vinci era vidrado no voo das aves. O renascentista queria a todo custo descobrir o segredo dos pássaros, talvez porque sonhasse em voar mais do que qualquer outro homem já tinha ousado sonhar. Como era um gênio e tinha total noção da sua genialidade, achou que seria capaz de criar uma máquina voadora. E criou não apenas uma, mas duas – para ser mais exato, dois modelos distintos de algo muito parecido com as asas-deltas atuais.

Um dos modelos é bem mais ousado que o outro, com grandes asas inspiradas nas dos morcegos. Por outro lado, é também o que teria a menor chance de voar se os dois projetos tivessem sido testados. A engenhoca seria equipada com uma grande argola, dentro da qual ficaria encaixado o corpo do piloto. Teria também suportes para direcionar as asas e estribos que permitiriam batê-las. A estabilidade, na imaginação do inventor, seria proporcionada por uma pequena cauda.

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<strong>O inventor fez dois desenhos da estrutura das asas, um a tinta e outro a sanguínea (uma espécie de giz), na tentativa de estabelecer uma analogia entre o morcego, a libélula e a máquina voadora que tinha acabado de projetar.</strong>
O inventor fez dois desenhos da estrutura das asas, um a tinta e outro a sanguínea (uma espécie de giz), na tentativa de estabelecer uma analogia entre o morcego, a libélula e a máquina voadora que tinha acabado de projetar. (AFP/Costa/Reprodução)

Tudo leva a crer que Da Vinci sabia quão inviável era seu “morcegão”. Afinal, ele entendia muito de anatomia humana também. Seguramente tinha ciência de que nenhum ser humano conseguiria bater as asas do aparelho com a força e a rapidez necessárias para mantê-lo no ar. O mais provável é que o inventor, neste projeto específico, tenha literalmente dado asas à imaginação, com pouco – ou nenhum – compromisso com a realidade.

O outro modelo, bem mais simples, certamente se sairia muito melhor caso fosse submetido a um teste prático. Seu desenho se assemelhava ao de uma pipa gigante, com formato que lembra vagamente o de uma arraia. Em 2002, o britânico Robbie Whittall, ex-campeão mundial de paragliding, chegou a tirá-lo do papel. Depois de uns 40 tombos, percebeu que o problema era a estabilidade. E concluiu que, para voar com aquele planador, bastaria acrescentar uma pequena cauda não prevista por Da Vinci no projeto original.

Tanque de guerra

Com pinta de tartaruga, o carro blindado seria equipado com 20 canhões.

Para projetar máquinas voadoras, Da Vinci buscava inspiração nos movimentos e na anatomia dos pássaros. Da mesma forma, tudo indica que ele tenha se inspirado em uma tartaruga para desenvolver seu tanque de guerra – outro projeto que nunca saiu do papel. O esboço do tanque foi feito na época em que o gênio florentino era um dos integrantes do séquito do duque Ludovico, o Mouro, de Milão.

A blindagem seria feita de madeira e recoberta com folhas de metal, mais ou menos como certos escudos militares da época, e encimada por uma torre de observação. Acredita-se que o desenho inclinado dessa proteção seja uma das grandes sacadas do projetista, já que, com isso, os projéteis lançados contra o tanque teriam de atravessar uma área proporcionalmente maior da blindagem antes de alcançar os tripulantes.

Ainda graças ao formato do veículo, seria possível armá-lo com uma bateria de 20 canhões dispostos em círculo, de maneira que os inimigos levariam fogo independentemente do lado por onde tentassem se aproximar. Como não havia motores movidos a diesel no século 15, o tanque de guerra, se tivesse sido construído, teria de ser impulsionado a muque humano mesmo. Oito tripulantes precisariam girar um conjunto de manivelas, propelindo as rodas do veículo.

<strong>Os homens posicionados na torre enxergariam o campo de batalha do alto, através de pequenas aberturas circulares. Seriam responsáveis pelo direcionamento dos disparos de canhão.</strong>
Os homens posicionados na torre enxergariam o campo de batalha do alto, através de pequenas aberturas circulares. Seriam responsáveis pelo direcionamento dos disparos de canhão. (Reprodução/Divulgação)

De acordo com as anotações do próprio Leonardo da Vinci, o tanque foi projetado para servir a um objetivo tático bem definido: o de assustar o inimigo e abrir a maior brecha possível em suas fileiras, de modo que os soldados de infantaria aliados conseguissem empreender um ataque fulminante e decisivo. O inventor sabia, entretanto, que nem sempre seria possível empregar essa arma secreta, uma vez que a estrutura da máquina de guerra era extremamente pesada e suas rodas ofereceriam bem pouca ou nenhuma mobilidade em campos de batalha íngremes ou acidentados.

A maioria dos estudiosos acredita que, na verdade, Da Vinci sabia perfeitamente bem que sua invenção tinha muitas outras limitações além dessa. Afinal, ele entendia de mecânica como poucos – ou melhor, como pouquíssimos. Mesmo assim, optou por produzir esquemas confusos. As motivações para essa esquisitice podem ser o notório ciúme que o mestre tinha de suas criações e também seu pacifismo. Apesar de botar banca como engenheiro militar, costumava criticar os absurdos da guerra em seus escritos, bem como todas as demais formas de violência.

UM TREMENDO VACILO

O mesmo documentário da BBC que em 2003 testou o escafandro de Leonardo da Vinci também tirou do papel seu tanque de guerra. A pedido da emissora, engenheiros do Exército britânico construíram uma máquina exatamente como ela fora desenhada pelo inventor. E descobriram que existia uma falha básica no projeto, totalmente inesperada para um gênio da magnitude de Da Vinci. Do jeito que ele projetou o tanque, as rodas giram de tal maneira que o blindado simplesmente não consegue sair do lugar. Bastou inverter a orientação delas e, pronto, o veículo saiu andando perfeitamente bem.

Andador aquático

Efeito Jesus Cristo, com flutuadores nos pés e duas varetas nas mãos para se equilibrar.

Da Vinci parece ter sido quase tão fascinado pela água quanto era pelo ar. Foi pensando no ambiente aquático que ele deu à luz muitas de suas invenções. Algumas foram criadas para finalidades bélicas, como o escafandro. Outras nasceram por pura diversão, como o desengonçado aparato de caminhar sobre a água.

Não se sabe se a ideia lhe veio à cabeça como uma espécie de paródia do milagre de Cristo narrado no Novo Testamento (em Mateus 14:22-33, Marcos 6:45-52 e João 6:16-21, o profeta é descrito numa cena em que caminha sobre as águas do Mar da Galileia). Alguns estudiosos da vida de Da Vinci até consideram essa hipótese bastante plausível. Mas há quem defenda que o gênio inventou a traquitana apenas para se divertir mesmo.

<strong>Em 1988, o francês Remy Bricka atravessou o Oceano Atlântico usando um equipamento algo parecido com o imaginado por Da Vinci. Ele levou 31 dias para completar a façanha, saindo das Ilhas Canárias e chegando ao Caribe.</strong>
Em 1988, o francês Remy Bricka atravessou o Oceano Atlântico usando um equipamento algo parecido com o imaginado por Da Vinci. Ele levou 31 dias para completar a façanha, saindo das Ilhas Canárias e chegando ao Caribe. (Reprodução/Divulgação)

O aparato era simples. De acordo com os esboços preservados no caderno Codex Atlanticus, o usuário só precisaria calçar sapatos especiais (as chamadas baghe), que não passariam de versões modificadas de odres (aquelas bolsas de couro para armazenar vinho) cheios de ar para dar flutuação ao aventureiro. Nas mãos, ele seguraria um par de varetas com círculos nas pontas, mais ou menos parecidos com bastões de esqui, que lhe garantiriam equilíbrio.

Visto hoje, o projeto não inspira a menor confiança, principalmente pelo uso dos tais odres em vez de pranchas. E fica evidente, para dizer o mínimo, que não seria nada prático caminhar sobre a água com aquele equipamento.

Paraquedas

Em forma de pirâmide de quatro faces, ele pesaria pelo menos 90 quilos.

Um dos detalhes mais curiosos do projeto de paraquedas bolado por Da Vinci é que, ao menos neste caso, o inventor não estava sendo propriamente revolucionário. Um desenho semelhante já tinha sido produzido por um engenheiro anônimo de Siena 15 ou 20 anos antes, por volta de 1470.

Superficialmente, o esboço mais antigo lembra o do mestre florentino. O paraquedas em questão tem formato cônico e um sistema de armações de madeira para reforço, que serviria também como ponto de apoio para o paraquedista. Seu problema, aparentemente, era a escala: o mais provável é que a parte “mole” do paraquedas não fosse grande o bastante para dar sustentação a um ser humano no ar.

<strong>Como a palavra paraquedas ainda não existia, o inventor batizou sua criação de tenda. Para que ficasse totalmente impermeável ao ar, Da Vinci recomenda em suas anotações que o tecido seja bem engomado.</strong>
Como a palavra paraquedas ainda não existia, o inventor batizou sua criação de tenda. Para que ficasse totalmente impermeável ao ar, Da Vinci recomenda em suas anotações que o tecido seja bem engomado. (Reprodução/Divulgação)

Ninguém sabe se Da Vinci ouviu falar desse primeiro esboço ou não, mas o fato é que seu projeto era melhor e teria mais chances de funcionar. Uma das principais diferenças era a moldura quadrada, que conferia ao aparato um formato piramidal. A estrutura seria feita de linho e teria uma abertura de aproximadamente 8 x 8 metros.

Os desenhos indicam ainda que, da moldura até a ponta, o paraquedas também mediria cerca de 8 metros – proporções bem mais promissoras do que as apresentadas no esboço mais antigo. Diferentemente do que se vê nos equivalentes modernos, Da Vinci não previu no seu projeto um pequeno furo no topo – hoje, considerado essencial para a estabilidade na descida.

PESADÃO, MAS ESTÁVEL

Em julho de 2000, com a ajuda de engenheiros da Universidade de Cardiff, no País de Gales, o paraquedista britânico Adrian Nicholas saltou de 3.000 metros de altitude com um paraquedas igualzinho ao projetado por Da Vinci. Mas igualzinho mesmo. Construído, inclusive, com os mesmos materiais aos quais o inventor teria tido acesso em sua época: algodão, madeira de pinheiro e cânhamo.

O salto ocorreu na África do Sul, em meio a um clima de muita ansiedade. Mas foi um sucesso. O paraquedas renascentista se comportou tão bem que Nicholas chegou a afirmar que ele era mais estável que os similares modernos. Só um “pequeno problema”, por assim dizer, não foi devidamente equacionado: o equipamento pesa cerca de 90 quilos, o que torna o pouso um momento potencialmente perigoso. Para não correr riscos, Nicholas preferiu abrir um paraquedas convencional quando faltavam 600 metros para atingir o solo.

Bicicleta

Suspeita-se que a atribuição desse invento a Leonardo da Vinci não passe de uma fraude.

há quem acredite que uma ou outra das invenções atribuídas a Da Vinci podem, na verdade, ter sido inseridas por algum malandro moderno nos cadernos de anotações do renascentista. Exemplo disso seria o seu protótipo de bicicleta.

A ideia de uma magrela inventada por Da Vinci é tentadora demais, principalmente quando se leva em consideracão que as primeiras bicicletas com “pedigree” comprovado, como a patenteada em 1818 pelo alemão Karl von Drais, eram tão toscas que nem pedais e correntes elas tinham. O coitado do ciclista, sentado, tinha de empurrar o veículo adiante com os pés, como se aquilo fosse uma espécie de patinete com assento.

<strong>Augusto Marinoni, da Universidade Católica de Milão, revelou ao mundo o que parecia ser o esboço de uma bicicleta incrivelmente mais moderna que a de Von Drais.</strong>
Augusto Marinoni, da Universidade Católica de Milão, revelou ao mundo o que parecia ser o esboço de uma bicicleta incrivelmente mais moderna que a de Von Drais. (Reprodução/Divulgação)

Nos anos 1970, porém, depois que foi feita a restauração do Codex Atlanticus, o filólogo italiano Augusto Marinoni, da Universidade Católica de Milão, revelou ao mundo o que parecia ser o esboço de uma bicicleta incrivelmente mais moderna que a de Von Drais – inclusive com os pedais e a corrente que caracterizam os modelos atuais.

O projeto, de acordo com Marinoni, estaria no Codex Atlanticus desde sempre, só não havia sido notado até então. Teria sido feito em 1493 por um dos pupilos de Da Vinci, Gian Giacomo Caprotti, possivelmente a mando – e seguramente sob a orientação – do mestre.

Depois do anúncio bombástico, com direito a manchetes nas mais diferentes línguas, começaram a surgir análises céticas do desenho. Primeiro, porque o trabalho de restauração do caderno parece não ter sido dos mais caprichosos, o que abriria uma brecha para que falsificadores introduzissem o desenho em uma de suas páginas.

Diferentemente de outros esboços, o da bicicleta não deixou marcas de tinta no verso da página (possível indício de que ele teria sido colocado ali muito depois da época em que Da Vinci supostamente o concebeu). Por enquanto, com exceção dos discípulos de Marinoni, pouca gente se sente à vontade para afirmar que Da Vinci realmente é o inventor da bicicleta.

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