A história por trás do alimento mais básico da Amazônia – e como ele se tornou uma febre global
Texto: Maria Clara Rossini | Edição: Ana Carolina Leonardi | Design: Juliana Krauss | Ilustração: Rodrigo Fortes
Camarão, peixe frito, charque e farinha d’água: está aí uma combinação de “toppings” que você nunca imaginaria pedir em um quiosque de açaí. Mas é exatamente o tipo de refeição que transformou o açaí em um dos alimentos mais importantes da região Norte do Brasil.
O açaí “raiz” não tem nada a ver com os copões cheios de banana, granola e leite ninho que você toma aos finais de semana, e muito menos com a onda saudável, fitness e natureba abraçada hoje. Historicamente, o açaí representa subsistência.
O açaí com farinha de mandioca é o arroz e feijão do Norte. Juntos, esses dois alimentos fornecem a base de nutrientes necessários para aguentar o dia: carboidratos, proteínas, gorduras e vitaminas.
Uma típica cuia de açaí com farinha passa facilmente das 500 calorias – um quarto do que um ser humano médio precisa comer todos os dias para se manter de pé. Para você, bicho moderno que faz compras no supermercado e vive de dieta, não parece o melhor dos mundos, certo? Quando, porém, comida é algo difícil de obter… uma árvore de açaí é como uma mina de ouro. Com pouquíssimo esforço, você tem acesso a uma fonte de energia constante e extremamente versátil.
Era assim para os índios caçadores-coletores há mil anos. E segue assim hoje – principalmente para quem tem pouco dinheiro. 60% das famílias que recebem até um salário mínimo no Pará consomem açaí todos os dias. Batido ou amassado no pilão até formar uma pasta, o açaí serve de prato principal, de suco e de sobremesa.
95% de todo o açaí consumido no mundo vem do Estado do Pará
Alimentos com tamanha importância geralmente ganham destaque na mitologia de um povo. Os astecas, por exemplo, acreditavam que o milho era, literalmente, um semideus. Não é diferente para o açaí: ele tem a própria história de origem sobrenatural, que reflete perfeitamente a relação da população com o fruto.
Na lenda, uma tribo indígena que vivia onde hoje é Belém viu sua população crescer muito rápido – mais rápido do que a oferta de comida. O cacique tomou medidas drásticas para evitar a fome, e condenou todos os recém-nascidos à morte. Sua filha, Iaçã, estava grávida, mas nem a neta do líder foi poupada. Iaçã ficou desolada e pediu ao deus Tupã que acabasse com o sofrimento da tribo. À noite, ela ouviu o choro de uma criança, e seguiu o som até a floresta.
No dia seguinte, Iaçã foi encontrada morta na base da palmeira. Seus olhos, abertos, fitavam o topo da árvore, na direção de pequenos frutos que balançavam nos galhos. A tribo passou a se sustentar com um suco roxo feito a partir da fruta e aboliu a política de sacrifício. Açaí, veja bem, é Iaçã ao contrário.