Filhos da esperança
Por que está aqui: representa, com uma pandemia de infertilidade, o desespero de uma sociedade oprimida.
Children of Men | Direção e roteiro: Alfonso Cuarón
Distopia é a descrição de uma sociedade imaginária em que tudo está organizado de forma opressiva, totalitária ou assustadora. Filmes que fazem previsões catastróficas, ou simplesmente muito pessimistas, do futuro da humanidade têm formado um subgênero dentro do campo da ficção científica. É nesse universo que Filhos da Esperança se insere. Lançado em 2006, vale lembrar, o filme é ambientado na Inglaterra de 2027 (estamos chegando lá!), um lugar afetado pelas mudanças climáticas, ataques terroristas e divisões sociais. Por um regime opressor também, que faz campanha para que a população denuncie imigrantes ilegais às autoridades, para que sejam presos – trancados em jaulas – e mandados de volta às condições terríveis de seus países de origem. Algo que às vezes significa uma condenação à morte. Tudo isso era plausível, e talvez já existisse em certo grau, 14 anos atrás, quando o filme chegou às telas. Mas impressiona como algumas de suas previsões se confirmam tão cedo.
Theo (Clive Owen) é um herói improvável neste thriller futurista, tão distante quanto possível do personagem épico que a aventura à sua frente exige: surge como um funcionário público que, no passado, foi ativista político, um idealista, mas que agora afoga sua frustração no estupor alcoólico. Quando enfim revê a ex-esposa (Julianne Moore) – que persiste na militância, liderando um movimento de resistência antigoverno –, ele se envolve, de princípio a contragosto, em uma missão de risco: ajudar uma refugiada africana a atravessar fronteiras. Mas por que – um cínico como ele – arriscaria o pescoço por essa imigrante específica, quando há milhares fugindo da perseguição e do cativeiro? A resposta envolve o aspecto distópico principal do enredo – fantasioso, no caso, mas que reflete a preocupação mundial com a superpopulação: no futuro do filme, as mulheres se tornam, todas, inférteis, e o último indivíduo que nasceu tinha 18 anos antes de ser assassinado. Não requer muita matemática para concluir: a raça humana está a poucas décadas de sua finitude.
Mas eis que… não se sabe por qual milagre, a refugiada protegida por Theo está grávida – de oito meses. É a esperança do título brasileiro: de que a humanidade não seja extinta. E é também a oportunidade de Theo se reencontrar. De ter em si, uma vez mais, o comprometimento de uma ação guiada pela moral – uma redenção. Alfonso Cuarón não deixa clara a razão dessa pandemia de infertilidade. É a espécie rara de artista que não gosta de explicar tudo ao espectador: “Há um tipo de cinema que eu detesto, que vive de exposição e explanações”, disse o mexicano em uma entrevista à época do lançamento do filme. “Esse cinema tornou-se um meio para leitores preguiçosos e é refém da narrativa. Eu prefiro a narrativa como refém do cinema.” Já o filósofo Slavoj Žižek, um especialista em cultura pop, captura um sentido metafórico para o fenômeno. Segundo ele, o filme é a comunicação de um desespero paralisante diante das políticas mais anti-humanistas: “a infertilidade é tanto biológica quanto espiritual”.