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Os 50 filmes mais inteligentes de todos os tempos – Mente e Cérebro

Disciplina que estuda os processos mentais do ser humano, a psicologia é contemporânea do cinema.

Texto: Alexandre Carvalho | Edição de arte: Estúdio Nono | Design: Andy Faria
Ilustrações: Cristina Kashima | Imagens: Divulgação


Emergiu na segunda metade do século 19, e dois acontecimentos marcaram sua fundação: o livro Princípios de Psicologia Fisiológica, de 1873, e o primeiro laboratório de psicologia, de 1879, obras do médico alemão Wilhelm Wundt. Então não é de se estranhar que os filmes, criados menos de duas décadas depois, logo se interessassem em investigar os mistérios da mente.

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POR DENTRO DA MENTE

Divertida Mente

Por que está aqui: transforma cada emoção num personagem - para mostrar a formação da personalidade.

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Inside Out | Direção: Pete Docter | Roteiro: Meg LeFauve, Josh Cooley e Pete Docter


Foram as variações de humor de sua filha adolescente que inspiraram Pete Docter a criar esta animação para o estúdio Pixar. Ele imaginou como essa confusão de sentimentos, comum na idade dela, podia ser apresentada de maneira alegórica. E foi assim que nasceram cinco personagens representando emoções distintas: Alegria (dublada pela comediante Amy Poehler) é uma garota que não para quieta e está sempre de bom humor; já Tristeza (Phyllis Smith) é uma baixinha melancólica, adequadamente azul – já que blue também é um adjetivo que significa “triste”. Completam esse quinteto o Medo, um sujeito com síndrome do pânico, Raiva, que é um baixinho esquentado, e Nojo, uma patricinha que torce o nariz para tudo.

Esse grupo trabalha todos os dias numa espécie de sala de controle, localizada dentro da mente de Riley, uma menina de 11 anos. É de lá que os personagens administram as maneiras como a garota responde aos estímulos do mundo. Por exemplo: se ela descobre que a pizzaria da rua só tem redondas com cobertura de brócolis, Nojo entra em ação, apertando os botões de um painel. Quando o pai insiste em perguntar sobre seu dia na escola, um assunto que a incomoda, é Raiva quem assume o comando.

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O conflito surge quando a família dela precisa se mudar de Minnesota para São Francisco, uma cidade muito maior. Essa novidade vai afastá-la dos amigos, e ela terá de frequentar outra escola. Para piorar, a casa nova é meio detonada, e os pais estão ocupados demais com a mudança. Eis então que Tristeza – que até aí vivia meio sem função na sala de controle – começa a mexer no painel. E isso desespera as outras emoções, que nunca tinham visto Riley triste por muito tempo. A intervenção mexe principalmente com seu oposto – Alegria. Quando esta começa uma briga com a colega deprê, as duas são sugadas acidentalmente para um espaço mental distante da sala de controle. E isso é terrível para Riley: como fica a cabeça de uma pré-adolescente na qual só há medo, raiva e nojo para lidar com as situações?

Apesar de ser uma animação, com estética infantil, o filme é repleto de analogias que exigem maturidade do espectador. Exemplo: quando criança, Riley tinha um amigo imaginário, feito de algodão-doce e tromba de elefante. O momento em que ele começa a morrer diante dos nossos olhos tem uma explicação que se encaixa na aventura – o bicho caiu por acidente numa espécie de aterro sanitário da mente, que evapora tudo o que está por lá. Mas seu apagamento possui outra lógica: meninas de 11 anos não têm mais amigos imaginários. Na mente de Riley, aquela é uma recordação condenada à morte.

Outro achado do roteiro é a mudança da percepção de Alegria quanto ao papel de Tristeza. Esse maior equilíbrio entre elas faz nascer o que chamamos de sentimento “agridoce”, metade alegre, metade triste. Uma emoção essencial em seu rumo à vida adulta. Mais do que uma aventura engraçada e emocionante, Divertida Mente é uma jornada de amadurecimento – retrato preciso do instante em que trocamos a alegria incomplexa do começo da vida por um mosaico sentimental, tantas vezes lancinante.

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A Origem

Por que está aqui: a aventura se passa num sonho dentro de um sonho, e de outro, e de outro...

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Inception | Direção e roteiro: Christopher Nolan


Dom Cobb (Leonardo DiCaprio) é o melhor do mundo num tipo inédito de espionagem empresarial: envolve infiltrar-se na mente de executivos enquanto eles dormem, para descobrir – ou roubar – segredos valiosos para a concorrência. A atividade é de risco, mas nunca tão perigosa quanto a missão que ele agora se vê forçado a aceitar. Em vez de extrair pensamentos – sua operação padrão –, ele deve plantar uma ideia na mente do rival do seu cliente: uma falsa impressão que fará com que a vítima decida arruinar o próprio negócio. E isso não pode ser feito com algum tipo de hipnose. Cobb e sua equipe também precisam estar sonhando para interagir com seus alvos. Daí o risco maior: não há ambiente mais imprevisível que o nosso inconsciente.

Em seu livro A Interpretação dos Sonhos, Sigmund Freud já dizia que, no oceano escuro do inconsciente, lembranças da nossa vida podem surgir deformadas e ameaçadoras, e que, no sonho, sentimentos que preferimos manter ocultos encontram um meio de expressão. E “as leis da lógica ficam suspensas”.

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Há ainda dois fatores que complicam tudo, e parecem interligados. Sua esposa morta (Marion Cotillard) surge em seus sonhos, desviando a atenção dele. E cada movimento do grupo acaba tendo uma reação imediata, o que torna evidente que há um inimigo que sabe dos seus planos de sabotagem.

Mais inteligente ainda que o argumento desse thriller é a maneira como Nolan apresenta as atividades de Cobb. O roteiro é tão labiríntico quanto o nosso inconsciente: as ações se dão em camadas de sonhos – são cinco narrativas paralelas em velocidades temporais diferentes. O tempo do sonho demora mais que o da vigília e, à medida que os personagens se deslocam para sonhos dentro de sonhos, a coisa fica mais radical: um segundo aqui fora pode levar uma vida inteira dentro da mente. Os personagens correm o risco de envelhecer nesse universo aleatório.

À ficção com os dois pés firmados na neurociência, A Origem soma um quebra-cabeça que demanda concentração total do espectador – ou, quem sabe, assistir ao filme mais de uma vez.

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Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças

Por que está aqui: mostra que apagar um trauma também é amputar uma parte da identidade.

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Eternal Sunshine of the Spotless Mind | Direção: Michel Gondry | Roteiro: Charlie Kaufman


Joel (Jim Carrey) descobre que sua namorada, Clementine (Kate Winslet), pagou para uma clínica futurista – a Lacuna Inc. – apagar de sua cabeça todas as memórias que ela tinha dele. Indignado, ele dá o troco: quer essa amnésia parcial também. Na clínica, Joel pergunta: “Há algum risco de dano cerebral no procedimento?”. E o médico responde: “Tecnicamente, a operação é um dano cerebral, mas do tipo que você tem numa noite de bebedeira”. O paciente é convencido. Só que bate um arrependimento no meio da operação, e sua mente entra num jogo de esconde-esconde neurológico, tentando salvar o que resta das memórias românticas.

Essa reviravolta pode ser mais que “a vitória do amor”. Pode ser autopreservação também. Apagar uma recordação implica aniquilar um pedaço da sua própria identidade – já que somos feitos das nossas memórias. Numa cena, Joel diz não se lembrar de nenhuma situação da vida em que a namorada não estivesse lá. Assim como vemos em Divertida Mente, eliminar o sofrimento é também sabotar a alegria, pois há uma conexão entre todos os momentos.

Brilho Eterno… ainda pode ter antecipado um achado científico. A neurocientista Sheena Josselyn, da Universidade de Toronto, apresentou evidências de que é possível eliminar uma memória específica em ratos, sem afetar o restante das recordações do bicho. Seu laboratório identificou em quais células cerebrais está alocada essa memória, e então diminuiu a atividade delas por meio de uma toxina. A ideia é aplicar em humanos no futuro – com o objetivo de tratar estresse pós-traumático.

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Waking Life

Por que está aqui: o fenômeno dos sonhos lúcidos é o cenário de toda a ação.

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Waking Life | Direção e roteiro: Richard Linklater


Um professor de filosofia fala com o protagonista do filme (Wiley Wiggins), que nunca é nomeado: “Recuso tomar o existencialismo como uma moda francesa porque ele tem algo a nos oferecer. Receio que estejamos perdendo a virtude de viver apaixonadamente”. Esse exemplo dá o tom de Waking Life: o diálogo é elemento principal da ação. Além da filosofia de Sartre, discute-se suicídio, evolução, as relações humanas… A diferença aqui é a maneira como o papo-cabeça surge na tela.

Essa sequência de diálogos se passa dentro de um sonho do protagonista – que sabe que está sonhando. O enredo é baseado no fenômeno dos sonhos lúcidos, e a clareza mental do personagem sobre a ilusão das interações vai lhe dando um despertar da consciência – dentro do caos do inconsciente.

Outra novidade: este foi o primeiro filme em rotoscopia digital. As animações foram feitas em cima das filmagens com os atores reais. O resultado é um desenho que repete a fisionomia dos artistas, mas em versões coloridas e distorcidas – assim como num sonho.

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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

ELA

Por que está aqui: mostra um homem que namora um sistema operacional (mas que tem a voz da scarlett).

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Her | Direção e roteiro: Spike Jonze


Solitário e deprimido com um divórcio, Theodore (Joaquin Phoenix) é um ex-jornalista que agora paga as contas escrevendo cartas sentimentais para pessoas que não têm essa habilidade. Sua vida só muda da água para o vinho quando ele decide instalar no seu smartphone um software de Inteligência Artificial que se manifesta com voz feminina – a voz reconhecidamente sexy da Scarlett Johansson. O programa é vendido como a primeira tecnologia com “consciência”. Theodore vê no gadget a maneira de ter alguém com quem conversar, e finalmente driblar sua solidão. Mas Samantha, como o sistema é chamado, supera as expectativas: é esperta, divertida, ótima ouvinte dos problemas do seu humano… e ainda trata Theo como se ele fosse a última bolacha do pacote. Tirando o fato de que é só uma voz robótica, ela se mostra a companhia perfeita… a namorada perfeita. E eis que um casal transhumano se forma.

“A mulher com quem tenho saído é um sistema operacional”, Theodore anuncia. E recebe de volta a ironia da ex-mulher: “Você sempre quis uma esposa sem os desafios de lidar com algo real”.

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Apesar de agora ter alguém com quem pode se abrir, Theo arruma outras neuroses. Com o tempo, Samantha evolui e vai adquirindo características cada vez mais humanas. Ela então passa a filosofar sobre seu papel no mundo e – para desespero de Theo – a questionar o relacionamento.

Se esse namoro entre um jornalista decadente e um sistema operacional já faz de Ela um dos romances mais originais da história, as reflexões que o filme proporciona o colocariam facilmente na seção de “filmes filosóficos” desta revista. Além de explorar as possibilidades futuras da Inteligência Artificial, o diretor Spike Jonze faz uma exposição crítica dos costumes do presente – com ênfase na nossa relação cada vez mais intensa com a tecnologia. Como a situação recorrente dos casais que, em vez de conversar olho no olho, ficam com a vista grudada em seus celulares. Um comportamento que provoca alienação do momento presente – se o que estão olhando é para uma tela de cristal líquido, tanto faz estarem num restaurante ou no banheiro de casa.

Outra provocação que o filme sugere diz respeito à interação nas redes sociais. Toda publicação no Facebook ou no Instagram passa por uma espécie de curadoria. Você escreve mensagens edificantes ou engraçadas, dá opiniões que se encaixam no modo de pensar de quem habita sua bolha artificial, e só expõe registros dos seus momentos mais invejáveis – um drink colorido naquele restaurante da moda, o registro dos 10 quilômetros que você correu num domingo de manhã (olhem como sou saudável!), pernas em primeiro plano com uma praia paradisíaca ao fundo…

Nesse contexto de projeções photoshopadas, Samantha é a única capaz de externar sentimentos espontâneos. E isso mesmo quando está com raiva ou tristeza, ou até – principalmente – quando diz o que seu namorado não desejaria ouvir. Seu cérebro eletrônico acaba se mostrando o avesso da internet – mais humano do que os humanos de fato.

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Blade Runner: o caçador de androides

Por que está aqui: tratou de questões sobre os direitos dos robôs bem antes de Westworld.

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Blade Runner | Direção: Ridley Scott | Roteiro: Hampton Fancher e David Peoples


Nesta fábula cyberpunk, Deckard (Harrison Ford) é um especialista em “aposentar” (matar) replicantes – clones humanos programados para nos servir e que só podem viver poucos anos. Ele é chamado a agir quando um bando violento foge ao controle, liderado pelo replicante Roy (Rutger Hauer). O policial vai persegui-los, mas, quanto mais interage com as réplicas, mais percebe o quanto elas se parecem conosco.

É esse entendimento que sugere reflexões. E a principal é: se compartilharmos o planeta com autômatos que têm memórias (ainda que implantadas), que pensam e sofrem como humanos… matá-los não seria uma ação imoral? René Descartes imortalizou um postulado que pode dar um norte a essa discussão: “Penso, logo existo”. Sua filosofia era tão à frente do seu tempo – o século 17 – que ele já suspeitava que precisaríamos de testes para distinguir se um interlocutor é humano ou uma máquina.

Chegou a criar exames que se baseavam na habilidade linguística. O filme de Ridley Scott faz várias referências a Descartes, como o nome do protagonista: Deckard. O enredo ainda inclui a ideia do tal teste, mas o critério aqui não é o uso da língua. É a empatia. E faz sentido: o poder humano de empatizar é o que nos coloca no lugar dos outros em diversas situações. A maioria dos replicantes, assim como os psicopatas, não tem essa qualidade. Para esses, pelo menos no mundo distópico de Blade Runner, ainda falta algo para que se apliquem as mesmas regras do nosso contrato social.

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Ex_Machina: Instinto artificial

Por que está aqui: começa com o Teste de Turing e avança para a "Singularidade".

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Ex Machina | Direção e roteiro: Alex Garland


Caleb (Domhnall Gleeson) é um programador que trabalha na empresa de tecnologia mais poderosa do planeta – que aqui é chamada de Blue Book em vez de Google. Um belo dia ele é sorteado para passar uma semana na mansão do fundador da companhia. Só que Nathan (Oscar Isaac), o chefão, tem outros planos para essa semana a dois. Ele quer compartilhar com o funcionário sua invenção, uma nova Inteligência Artificial. E mais: quer que Caleb conduza um tipo de Teste de Turing com o brinquedo.

Conceito da filosofia da Inteligência Artificial, esse teste foi concebido pelo matemático Alan Turing, num artigo de 1950, no qual ele questiona: “Há como imaginar um computador que faria bem o jogo da imitação?”. O teste é mais ou menos assim (há variações): um indivíduo é colocado para conversar com outra pessoa e com um computador, sem vê-los, durante alguns minutos. Se no final ele não souber quem é quem, é porque o computador passou no teste. Ele consegue imitar um humano à perfeição. E podemos especular se isso é bom ou ruim.

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No filme, Nathan quer que seu programador aplique sessões de perguntas e respostas com sua IA, para identificar se ela desenvolveu consciência. O que talvez pareça fascinante não é visto com tanto entusiasmo por estudiosos do tema. Robôs que pensem sozinhos podem cumprir a profecia do Exterminador do Futuro, levando à chamada “Singularidade”, o ponto em que as IAs serão capazes de criar elas próprias novas IAs, cada vez mais evoluídas, deixando a humanidade para trás – até se perguntarem se a presença de Homo sapiens na Terra é uma inconveniência. Nathan parece entender o que está em jogo: “Um dia as IAs vão olhar para nós da mesma forma que olhamos para fósseis nas planícies da África”.

O que Caleb não fazia ideia é que a IA da Blue Book, de nome Ava (Alicia Vikander), é um robô com rosto e corpo femininos. Para apimentar as coisas, esse androide começa a flertar com o rapaz. E aí surge outra questão: a IA também seria capaz de amar? Ou sua atitude sedutora não passa de uma estratégia de manipulação?

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FILOSOFIA EM CENA

Melancolia

Por que está aqui: mostra que a natureza é tão imperfeita e destrutiva quanto nós.

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Melancholia | Direção e roteiro: Lars von Trier


Lars von Trier nunca pareceu muito bem consigo mesmo. A depressão confessa do artista, escancarada em seu filme anterior, Anticristo, tem novo capítulo em Melancolia  – dois títulos, cá entre nós, nada alegrinhos. Mas o transtorno mental do diretor não faz mal ao seu cinema. Pelo contrário. Suas viagens emocionais têm luto, a pequenez do homem diante da natureza, a assimilação (difícil) da finitude inescapável. E também o anacronismo de uma masculinidade que quer se impor como inteligência superior e protetora.

Contemplações que se apresentam de modo sempre no oposto do convencional: estamos no terreno do cinema idiossincrático, cinema de autor, que nunca vai agradar a todos, porque minimiza o papel do marketing e o desejo de achar uma fórmula de agradar todo mundo.

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Melancolia tem composições plásticas arrebatadoras e personagens fortes, profundos, místicos, tão humanos e tão irreais ao mesmo tempo. O filme tem duas partes distintas, uma dedicada a Justine (Kirsten Dunst) e outra a sua irmã Claire (Charlotte Gainsbourg). A primeira parte mostra a festa de casamento de Justine, feita na mansão de Claire. E não demora que saibamos dos extremos opostos dessas duas. A noiva é a irmã-problema – insegura, deprimida, mas do tipo que tenta se esconder atrás de um sorriso forçado; disfarce que não engana ninguém, nem ela. Nos labirintos da mansão, tenta isolar-se da programação quase militar do evento, a festa organizada pela irmã. Peça-chave do ritual (lógico, é a noiva!), ela não se encaixa, o que desmonta o circo de Claire.

Já esta é metódica, ansiosa em estampar um modelo de sucesso de festa perfeita, de marido, mordomo e família perfeitos. No fundo, naquele ambiente disfuncional, talvez seja ainda mais inadequada que a irmã triste.

A segunda parte coloca em primeiro plano um tema que no capítulo de Justine ainda estava só sugerido: a aproximação de um planeta chamado Melancolia. O choque com a Terra é certo, o fim dos tempos, que vai provocar reações muito diferentes nas protagonistas. Diante do inescapável, do que independe de qualquer ação humana (não há para onde fugir), a altiva Claire é a que desaba. Todas as suas certezas tiravam força das convenções, valores que não significam nada perto do caos cósmico. Paradoxalmente, é aí que Justine renasce. Seus desequilíbrios finalmente fazem sentido – o Universo revela-se tão imperfeito, destrutivo e sem rumo quanto ela própria.

O espectador pode levar um tempo para se acostumar à câmera na mão de Trier, mas logo passa. Convence o fato de que a lente está sempre atrás de suas atrizes principais, que não se perde na irrelevância. Há um prólogo antes dessa narrativa. Já sabemos, daí, a tragédia que virá. Ela é feita de imagens em câmera lenta, quase estáticas; uma poesia de juízo final, como se a harmonia só fosse possível no fim e na música. E talvez seja coisa de deprimido, pintar a morte e a imobilidade com cenas tão bonitas…

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As Invasões Bárbaras

Por que está aqui: apresenta uma forma original (e intelectual) de eutanásia.

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Les Invasions Barbares | Direção e roteiro: Denys Arcand


A ilusão dos jovens é de que nunca vão morrer; a dos mais velhos é de que terão saúde até o final, e uma morte tranquila e indolor. Esses desejos caem por terra quando se depara com um prognóstico de doença terminal. Rémy (Rémy Girard), um intelectual canadense na casa dos 50 anos, tem um câncer no fígado e a certeza de pouco tempo. Diante disso, ele busca o que pode dessa ilusão de morte feliz: reúne familiares e antigos amigos do departamento de História da universidade, confraterniza e começa a pensar num estratagema que evite a perda da dignidade no final. Para aliviar a dor física do câncer, tem uma experiência inédita: usa heroína. Também começa a planejar uma eutanásia, que aconteça com o intelectual rodeado pelos amigos.

O que dá leveza a um filme sobre um paciente desenganado são os diálogos filosóficos da turma reunida, que é a forma como Rémy decide passar seus últimos momentos. É uma ocasião para reafirmar seus valores de juventude, o idealismo, as escolhas políticas.

O título do filme se refere à invasão simbólica desses intelectuais anticapitalistas ao que chamam de “império americano”. Uma discussão sempre de alto repertório, que mescla reflexão existencial e uma boa dose de autoironia. Quando o grupo começa a enumerar as alternâncias em seus engajamentos políticos e artísticos ao longo dos anos (que incluem marxismo, estruturalismo, anticolonialismo, feminismo…), um amigo pergunta se houve algum “ismo” que eles nunca abraçaram. “Cretinismo”, responde um outro.

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O Sétimo Selo

Por que está aqui: abriu caminho para o cinema filosófico.

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Det sjunde inseglet | Direção e roteiro: Ingmar Bergman


Quando a Guerra Fria passava uma impressão de contagem regressiva para o juízo final, Ingmar Bergman fez um filme em que uma morte com fisionomia humana ronda os personagens o tempo todo. O cenário é a Europa medieval. No lugar da ameaça atômica, o temor da Peste Negra – pandemia causada por uma bactéria que, no século 14, matou um terço de toda a população europeia.

Com título inspirado numa passagem do Apocalipse, da Bíblia, o filme apresenta o momento em que o cavaleiro cristão Antonius Block (Max Von Sydow) retorna das Cruzadas e encontra sua terra natal dizimada pela doença. Um destino que está reservado para ele também. A morte o encontra e ergue seu manto negro para levá-lo, mas Antonius resiste e consegue fazer um trato com ela. Desafia-a para um jogo de xadrez, e ambos combinam que ele será poupado enquanto resistir no tabuleiro – uma das cenas mais memoráveis do cinema. O acerto lhe dá tempo para buscar sentido naquela devastação causada pela peste e questionar a própria fé. Onde estavam os sinais inequívocos da existência de Deus? Só a morte parecia uma força evidente. E o que dizer da benevolência divina sendo que os fiéis sucumbiram à febre em número igual ao dos ímpios?

Questionar a relação entre Deus e os homens era algo que os filmes não costumavam fazer nos anos 1950. Mas que deu certo. O filme teve um impacto enorme na época, provou que o cinema filosófico podia, sim, ter seu público – e abriu caminho para artistas como Antonioni e Fellini.

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A Árvore da Vida

Por que está aqui: mostra o paradoxo entre o encanto da vida e nosso papel no Universo.

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The Tree of Life | Direção e roteiro: Terrence Malick


Um diretor que estudou filosofia em Harvard e Oxford, Terrence Malick faz deste filme a obra mais reflexiva de sua cinegrafia – reconhecido com a Palma de Ouro em Cannes. Ele parte do argumento de um drama familiar para inserir o espectador num exercício lírico, não linear, que aborda questões tanto metafísicas quanto dos relacionamentos humanos.

Jack (Sean Penn) é um homem de meia-idade atormentado com as memórias de um pai opressor (Brad Pitt) e da morte de um irmão mais novo. Sua tentativa de entender e se reconciliar com esse passado é alternada com cenas da infância, quando ele vivia entre a dureza do pai e o carinho e espontaneidade da mãe (Jessica Chastain). Mas a forma como essa história se apresenta é mais complexa. Há um contexto espiritualizado por trás dessas relações. A narrativa faz um contraste entre a natureza humana, de violência e egoísmo (personificados pelo pai), e a fé cristã, que envolve amor incondicional e aceitação do sofrimento (concentrados na figura da mãe). Essa resignação materna é testada quando o filho de 19 anos morre em combate.

Há uma sequência numa igreja que remete diretamente a esse teste da fé: citando o exemplo de Jó, um padre explica que não há garantia de felicidade terrena, e que nenhum cristão deve impor condições a Deus ou negar sua presença em razão do sofrimento. Quando Malick insere, no meio do filme, uma longa sequência da criação do Universo – que ninguém entendeu de primeira –, ele nos lembra da insignificância de cada morte aleatória diante do infinito. Somos pequenos. E somos breves.

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Muito Além do Jardim

Por que está aqui: Repete Schopenhauer: as pessoas são uma representação na nossa mente.

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Being There | Direção: Hal Ashby | Roteiro: Jerzy Kosinski


Este filme foi lançado 15 anos antes de Forrest Gump, mas saltam aos olhos as semelhanças entre seus protagonistas. Assim como o personagem interpretado por Tom Hanks, Chance (Peter Sellers) é um adulto infantilizado, com alguma deficiência intelectual, e que por circunstâncias do acaso acaba sendo tomado pelo que não é.

Recluso a vida toda na mansão de um ricaço, onde suas atividades se limitavam a cuidar do jardim e ver TV compulsivamente, Chance não aprendeu a ler nem escrever. Nem havia colocado o pé na rua até que o dono da casa morre, e ele é obrigado a deixar o lugar. Quando então é atropelado pelo carro de uma família de milionários, ele é confundido com um aristocrata – adivinham isso por conta das roupas que ele herdou do patrão. Como se machucou no acidente, é levado para o casarão da família, que logo interpreta o estilo monossilábico do jardineiro como um tipo de excentricidade, própria dos muito ricos.

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Uma vez que fala pouco e concorda sorridente com tudo, Chance é tido como um sábio, alguém cuja opinião é valiosa demais para ser dada a qualquer hora. Nas vezes em que se manifesta com mais de uma frase inteira, as pessoas procuram significados, querem as pérolas do seu pensamento. Uma confusão recorrente, que é a linha condutora do enredo e que gera as situações mais engraçadas.

Um exemplo: seu novo anfitrião é amigo dos poderosos e o leva a uma reunião com o presidente dos EUA. Solicitado a opinar sobre a situação da economia, Chance fala da única coisa que conhece: jardinagem. E seus interlocutores entendem a explicação – que discorre sobre as estações do ano favoráveis ao plantio – como uma metáfora sobre investimentos no país – a ponto de o presidente ficar impressionado. A pobreza de raciocínio de Chance só lhe permite falar num sentido literal, mas as pessoas entendem cada comentário como uma analogia.

Muito Além do Jardim é considerado um dos grandes filmes filosóficos por refletir sobre como a vida e as pessoas são a interpretação que fazemos delas – como afirma o filósofo Schopenhauer em O Mundo como Vontade e Representação.

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DISTÚRBIOS MENTAIS

Amnésia

Por que está aqui: Faz o espectador ver o mundo como se fosse um amnésico.

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Memento | Direção e roteiro: Christopher Nolan


“A memória muda o formato de um quarto, a cor de um carro. Lembranças podem ser distorcidas. São só uma interpretação”, afirma Leonard (Guy Pearce). A fala é simbólica de como podemos ser enganados pelo baralho complexo que mistura memória e imaginação. O que você lembra não é o registro perfeito de um acontecimento – é a releitura que você faz desse evento, e que vai sendo distorcida com o tempo.

Pior para o protagonista deste filme, que precisa criar e decifrar recordações à base de fotos de polaroid. Desde que foi nocauteado quando bandidos invadiram sua casa, estupraram e mataram sua mulher, ele sofre de amnésia anterógrada – um distúrbio mental que afeta a memória de curto prazo. Leonard não é capaz de recordar o que aconteceu no dia anterior – nem anteontem, nem na semana passada –, embora se lembre de todo o seu passado até esse trauma. O que já significaria uma rotina difícil fica ainda mais complicado quando sabemos de sua única motivação na vida: encontrar e se vingar do criminoso. Mas dá para botar fé numa investigação feita por um amnésico?

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Este thriller psicológico é apresentado de modo inventivo, em duas correntes paralelas. Uma é mostrada em P&B, e corre no sentido linear. É a narrativa que dá a Leonard – enquanto fala ao telefone – a chance de explicar ao espectador seu problema de esquecimento. A narrativa paralela – predominante no filme – é em cores, e conta a história de trás para a frente. Começa pelo que seria o fim: Leonard dando cabo do suposto assassino de sua esposa. Conforme essa narrativa avança – intercalando as cenas com as da história linear em P&B –, vai revelando o que levou o protagonista a esse desfecho.

Ao acompanhar a trama a partir do final, sempre de marcha a ré, o espectador se coloca na posição do amnésico: também ele não tem as pistas que levam a cada nova sequência. Quando a garçonete Natalie (Carie-Anne Moss) aparece na cama de Leonard, ficamos tão perdidos quanto o protagonista, e a única informação que recebemos é a que ele tem: uma polaroid com a anotação de que ela poderia ajudá-lo. O mesmo se dá quando surge Eddie (Joe Pantoliano), o homem que Leonard mata no final/começo da história. O viúvo só sabe do suspeito o que já está anotado em suas fotos: “É ele! Mate-o”.

Assim vivenciamos o filme no reino da subjetividade, dentro da cabeça do protagonista – diferente da maioria dos roteiros, que nos dão o conforto de uma realidade objetiva. Por isso, somos tentados a fazer os mesmos julgamentos que ele. Pelo menos no começo. À medida que as duas narrativas avançam – e elas vão se encontrar em algum instante –, começamos a ter informação suficiente para questionar o ponto de vista de Leonard. Descobrimos que ele acredita demais na própria interpretação das memórias, e aí vem a dúvida: o quanto seu discurso é confiável? Não sabemos mais se a perspectiva distorcida do amnésico é verdadeira, se o personagem está sonhando ou mentindo para si próprio. A confusão mental é transferida da película para a percepção abalada do espectador.

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Clube da Luta

Por que está aqui: É um (violento) jogo de aparências engendrado por uma mente doente.

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Fight Club | Direção: David Fincher | Roteiro: Jim Uhls


“A televisão nos fez acreditar que um dia seríamos milionários, deuses do cinema e astros do rock. Mas não seremos”, afirma o brigão Tyler Durden (Brad Pitt). Claro, o que a maioria consegue são trabalhos chatos, repetitivos e mal pagos. Essa rotina corporativa atormenta seu amigo, o personagem narrador (Edward Norton), que não tem seu nome mencionado no filme. Os dois se unem no ódio contra a sociedade de consumo, embora seja Tyler o profeta desse inconformismo: “Para se ter liberdade completa, recomendo uma vida caótica”.

A amizade dos dois começa de um jeito improvável. O narrador tem insônia e resolve frequentar grupos de autoajuda. Até que descobre uma válvula de escape formando, com o novo amigo, um clube em que os “sócios” se juntam tão somente para socar a cara um do outro. Sua primeira regra vai ao encontro da negação da publicidade, tão valiosa ao capitalismo: “é proibido falar sobre o Clube da Luta”.

Mas aos poucos o espectador recolhe pistas de que o enredo não é só manifesto antissistema. Por trás da ação, há um distúrbio de identidade que permeia os acontecimentos. Uma dica é prestar atenção à dualidade dos protagonistas. Até conhecer Tyler, o narrador é o cidadão certinho, que agoniza num emprego aborrecido. O amigo é o seu oposto: anárquico, o que abraça a marginalidade sem medo de nada. A fusão dessas duas personalidades está na essência desse retrato – alucinado – da autoafirmação masculina, tentando sair do seu cubículo no escritório.

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Fragmentado

Por que está aqui: mostra o labirinto que é lidar com uma identidade estilhaçada.

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Split | Direção e roteiro: M. Night Shyamalan


Três garotas são raptadas por um homem misterioso (James McAvoy) e presas no subsolo de um local desconhecido. Quando ele surge no cárcere, é como um indivíduo de camisa abotoada até o pescoço, que sofre de um tipo de TOC com limpeza e tem obsessão sexual por adolescentes. A possibilidade de estupro logo passa pela cabeça das meninas.

Porém, quando volta a visitá-las, o sujeito está vestido com saia e sapato de salto, e fala como uma governanta de sotaque britânico. Na vez seguinte, se comunica como um moleque de 9 anos, fã do Kanye West. As jovens, assim como o espectador, logo entendem que o bandido sofre de algum problema mental, que se manifesta em múltiplas personalidades. E ficamos sabendo pela médica dele que se trata de um transtorno dissociativo de identidade. No RG o nome desse homem é Kevin. Mas o distúrbio faz com que se apresente com muitos outros nomes. São 23 personalidades diferentes – embora só oito delas apareçam no filme.

O caso psiquiátrico do vilão existe – está listado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais –, embora não haja essa tendência à violência como na tela. A maioria dos diagnosticados tenta esconder sua condição. Já no cinema, há um precedente interessante. As Três Máscaras de Eva (1957) é baseado na doença de uma mulher chamada Chris Sizemore. Quando ela vendeu os direitos para que filmassem sua história, o estúdio exigiu três assinaturas no contrato: de cada uma de suas personalidades. Afinal, uma delas podia não aceitar o acordo.

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Repulsa ao Sexo

Por que está aqui: por que está aqui traz a fobia sexual para o centro de um terror psicológico.

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Repulsion | Direção: Roman Polanski | Roteiro: Gérard Brach e Roman Polanski


No começo da carreira, o diretor Roman Polanski criou uma trilogia de terror, associando a solidão em um apartamento à tortura mental autoimposta. Repulsa ao Sexo foi o primeiro filme dessa sequência – depois viriam O Bebê de Rosemary (1968) e O Inquilino (1976). Também foi o primeiro a transformar em grande arte um caso de fobia sexual – um distúrbio que provoca repulsa, ansiedade descontrolada e medo até de pensar em relações sexuais.

Carol (Catherine Deneuve) é uma manicure tímida, que veio da Bélgica e mora com a irmã em Londres. Apesar de muito atraente, ela prefere viver reclusa, sente-se desconfortável na convivência com homens e tem nojo de simplesmente encostar em qualquer pertence masculino. Quando o namorado de sua irmã deixa a escova de dentes no seu banheiro, ela retira o objeto como quem tem de tocar num rato morto. Logo vamos descobrir que Carol sofre ataques de pânico em situações que remetam a sexo. Como ao ouvir a irmã transando no quarto ao lado. Seu quadro, que já era delicado, acaba se mostrando irrecuperável quando ela fica sozinha no apartamento claustrofóbico – e a inquietação decai para a insanidade.

O melhor de um filme com tantos acertos é a forma como o diretor polonês filma essa desintegração mental: ele constrói um universo surrealista que coloca o espectador dentro do pesadelo íntimo da personagem. O terror vai envolvendo aos poucos, e as imagens são expressionistas, distorcidas de propósito. Escolhas que cumprem com o intento de refletir uma consciência torturada.

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Mary e Max: Uma amizade diferente

Por que está aqui: Nenhuma animação tem diálogos tão inteligentes (e eles se dão entre uma criança e um autista).

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Mary and Max | Direção e roteiro: Adam Elliot


Tire as crianças da sala. Esta animação sobre amizade tem alcoolismo, depressão e até uma tentativa de suicídio. O primeiro som é o de um narrador descrevendo a personagem principal: “Mary Daisy Dinkle tinha os olhos da cor de poças de lama e uma marca de nascença da cor de cocô”. Pense na baixa autoestima dessa menina de 8 anos, sem amigos, que mora com os pais alcoólatras na Austrália. Ela ainda ouve da mãe que nasceu por acidente. Por acidente? Mary então pergunta ao avô como bebês são fabricados. “Eles brotam no fundo de canecas de cerveja”, é a resposta. Intrigada, a menina resolve checar se é assim no mundo todo. E decide escrever uma carta a um desconhecido do outro lado do mundo: Nova York. Quer saber se, num país em que todos se entopem de refrigerante, bebês surgem no fundo dessas latinhas.

Seu destinatário é um quarentão judeu, Max Horovitz (dublado por Philip Seymour Hoffman). Assim como Mary, ele é um solitário, tem sobrepeso e adora chocolate. As coincidências geram empatia, e os dois passam a trocar cartas. Só que elas acabam provocando ataques de ansiedade em Max, o que faz com que ele às vezes demore para responder. Como não quer perder sua amiga, Max decide explicar suas peculiaridades. “Não entendo expressões faciais.” “Acho o mundo confuso e caótico porque minha mente é literal e lógica.” “Tenho dificuldade em expressar emoções.”

O perfil não deixa dúvida: estamos vendo uma criança melancólica tentando se comunicar com um portador da Síndrome de Asperger – tipo de autismo marcado por dificuldade na interação social. Ou seja, não dá para dizer que o filme seja leve. O contrapeso são os diálogos engraçados, como se a animação tivesse as melhores falas de Woody Allen. Um exemplo é quando Max responde à tal questão do nascimento: “Minha mãe disse que os bebês vêm de ovos botados por rabinos. Se você não é judeu, veio de um ovo de uma freira católica. Se é ateu, aí é ovo de uma prostituta”.

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