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Os hipopótamos de Pablo Escobar

Os quatro gigantes africanos que o traficante trouxe para seu zoológico particular formam hoje uma nação de 50 indivíduos, livres e soltos nos arredores de Medellín. E agora a multiplicação dos hipos representa uma ameaça.

Texto: Eduardo Campos Lima | Edição: Alexandre Versignassi | Design: Juliana Krauss | Ilustrações: Arte Ácida Estúdio


As redes sociais dos colombianos estão cheias de vídeos de hipopótamos. 

Hipopótamos selvagens, mesmo.

Há quem chegue perto, oferecendo frutas a esses mamíferos que, de bonachões, não têm nada – são famosos na África pelo comportamento agressivo. As autoridades do país tentam alertar a população do perigo que é se aproximar demais deles, mas os bichos exercem uma atração magnética. E, claro, deixam um ponto de interrogação no ar: o que é que um bando de hipopótamos está fazendo, livre, leve e solto, na Colômbia, a um oceano mais meio continente de distância de seu habitat natural?  

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A história começa em 1980. Foi quando Pablo Escobar decidiu gastar uma fatia de sua fortuna num empreendimento mais lúdico do que adquirir novos aviões para o tráfico de cocaína: montar um zoológico particular.

Pablo tinha visitado a fazenda dos irmãos Ochoa – seus aliados no Cartel de Medellín – e ficara maravilhado com o plantel de animais exóticos que eles possuíam. El patrón agiu de forma científica – até onde seus limites lhe permitiam. Comprou uma coleção completa da National Geographic para tentar adivinhar quais seriam os animais mais adequados ao clima colombiano. Desde o início, estava resolvido a não incluir no projeto leões e tigres – achava os felinos perigosos demais.

Em 1981, no final de uma temporada de férias da família nos EUA, Escobar encarregou um de seus homens de encontrar uma instituição na qual pudesse comprar animais de zoológico. O negócio foi fechado com os irmãos Don e Brian Hunt, donos de um criadouro próximo a Dallas, no Texas. Pelo equivalente a US$ 5,5 milhões em dinheiro de hoje, Escobar comprou elefantes, zebras, girafas, dromedários, búfalos, cangurus, flamingos, avestruzes – e quatro hipopótamos.

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O transporte dos animais para a Colômbia foi uma operação complexa. A primeira leva foi de barco. Para acelerar o processo, porém, Escobar fretou aviões cargueiros Hércules e trouxe vários animais em voos clandestinos, cujo destino eram seus hangares no aeroporto de Medellín. Os aviões chegavam à noite, quando as operações já estavam suspensas, e os bichos eram imediatamente colocados em caminhões que seguiam para a Hacienda Nápoles, sua casa. 

Para completar seu acervo de pássaros raros, o traficante trouxe do Brasil uma ararinha-azul, comprada de um contrabandista por quase US$ 300 mil de hoje – Pablo esteve por aqui em 1982, comemorando sua eleição para o Parlamento colombiano. Depois, mandou trazer um casal de botos-cor-de-rosa da Amazônia. 

Para completar seu acervo de pássaros raros, o traficante comprou uma ararinha-azul no Brasil via contrabando. Preço: US$ 300 mil em dinheiro de hoje.

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Ao todo, eram 1.200 espécies, que ficavam soltas e podiam ser vistas por quem passasse de carro pelos arredores da fazenda. Em seu livro Pablo Escobar: Meu Pai, Sebastián Marroquín estima que, em um único fim de semana prolongado, 25 mil veículos chegavam a circular por ali. Sebastián Marroquín, vale lembrar, é o nome adotado por Juan Pablo Escobar após a morte do pai, em 1993.

Depois que Pablo foi dessa para uma melhor, a propriedade da Hacienda Nápoles passou para o governo colombiano. Boa parte dos animais foi remanejada para zoológicos da Colômbia e de outros países, mas os hipopótamos permaneceram lá. Hoje, um parque de diversões funciona no local – e os hipopótamos, que podem ser vistos pelos visitantes, são uma das atrações turísticas, embora não estejam sob responsabilidade da empresa que administra o empreendimento.

Pablo chegou a manter 1.200 espécies em sua fazenda.
Pablo chegou a manter 1.200 espécies em sua fazenda. (Design: Juliana Krauss / Ilustração: Arte Ácida Estúdio/Superinteressante)
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Impacto pesado

A Colômbia revelou-se um Jardim do Éden para os hipopótamos. Por lá, eles encontraram as melhores condições naturais para crescer e se multiplicar, já que não precisam enfrentar as secas mortais que os afetam na África e têm fartura de pasto. Por último, pero no menos importante, não há predador por perto – a não ser que outro bilionário de imaginação fértil decida soltar crocodilos e leões na região.   

Nisso, os quatro hipopótamos que moravam lá na época em que Miami Vice passava na TV e Pablo ganhava infâmia internacional, hoje formam uma nação de mais de 50 indivíduos.  

“As taxas de reprodução desses espécimes estão no nível mais elevado possível, entre 8% e 10% ao ano”, afirma Amanda Subalusky, pesquisadora associada da Universidade Yale, nos EUA, que investiga o impacto dos hipopótamos em ecossistemas de rios. Ou seja, o contingente hipopotâmico ainda pode crescer bem.

E isso é um problema, claro. “Administradores de fazendas próximas à Nápoles nos contaram que já viram um cavalo morto, com marcas de mordida e pisoteado, e também soubemos de bezerros atacados”, diz David Echeverri, biólogo da Corporación Autonóma Regional de las Cuencas de los Rios Negro y Nare (Cornare), agência governamental responsável pelo manejo dos hipopótamos.

Pior. Há alguns anos, jovens hipopótamos têm saído das lagoas da Hacienda Nápoles em busca de novos domínios. Os machos são bem violentos uns com os outros, e é comum que os mais jovens sejam expulsos do grupo pelos mais velhos. Há relatos de indivíduos vistos a mais de 100 quilômetros da Hacienda, e sabe-se que eles chegaram ao Rio Magdalena, o principal do país.

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“Estabelecendo-se no rio, a situação é mais preocupante, pois eles terão contatos com outras espécies, como peixes-boi e tartarugas gigantes”, diz Jonathan Shurin, professor de biologia da Universidade da Califórnia em San Diego. 

A simpatia que os hipopótamos despertam pode ser perigosa. Na África, eles matam 500 pessoas por ano.

Os hipopótamos são os animais que mais matam pessoas na África – são cerca de 500 mortes por ano. Não há registro de gente morta por hipos na Colômbia. Mas, sim, há de ataques a barcos de pescadores e eventuais perseguições a humanos. “Eu vi alguns indivíduos fazendo exibições de dominância, com a boca aberta. Ao mesmo tempo, os vi na cidade próxima, Doradal, andando em um campo de futebol com pessoas perto, tirando fotos”, lembra Amanda Subalusky. 

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O taxista Dorian Ramirez, morador de Puerto Berrío, a 130 quilômetros da Hacienda Nápoles, se lembra de quando, há dez anos, mataram um hipopótamo conhecido como Pepe. O animal havia saído do lago na fazenda e vagava por regiões distantes, até que o governo autorizou seu abate. “Vemos uma certa quantidade de hipopótamos, mas não gostamos de falar no assunto, desde que mataram Pepe”, diz. Segundo Ramirez, há alguns meses nasceu um filhote perto de sua casa, que acabou preso a uma rede de pesca. “Depois ele foi devolvido ao rio, onde está com sua mãe. Esses animais já são colombianos.”

A simpatia que os hipopótamos despertam entre as pessoas pode ser perigosa. “Se lhes damos espaço suficiente, eles seguem com suas atividades. O problema é quando eles sentem que tiveram seu território invadido ou quando são surpreendidos”, adverte Subalusky.

Os hipopótamos mais velhos tendem as expulsar os mais jovens nos bandos. Com isso, a população começa a se espalhar pela Colômbia.
Os hipopótamos mais velhos tendem as expulsar os mais jovens nos bandos. Com isso, a população começa a se espalhar pela Colômbia. (Design: Juliana Krauss / Ilustração: Arte Ácida Estúdio/Superinteressante)
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Sacrifício e castração

Para evitar transtornos e tragédias, o Cornare vem trabalhando em um plano de manejo. Uma das opções para controle de espécies exóticas é, tradicionalmente, a captura dos animais e sua reintrodução ao ambiente de origem. “Mas não se pode simplesmente soltá-los na África, já que eles têm parasitas da Colômbia e podem carregar doenças. Seria necessário que um parque de lá os recebesse, mas isso não foi possível”, diz Echeverri.

Outra opção, considerada tecnicamente adequada para impedir danos ambientais, seria simplesmente matar todos os hipos (ou “sacrificar a espécie invasora”, no jargão ambientalês). Uma decisão judicial, porém, impediu o abate de hipopótamos na Colômbia, por conta da comoção que a caçada a Pepe provocou. “Seria a forma mais eficiente, barata e rápida. Mas vários setores da sociedade se oporiam a essa medida. Além disso, seria tecnicamente complicado sacrificá-los de maneira adequada, sem sofrimento”, completa Echeverri. 

Uma alternativa mais salomônica é impedir que eles continuem se reproduzindo. Inicialmente, as autoridades colombianas previram a castração de todos os indivíduos machos. “Mas é algo custoso. Só conseguimos esterilizar quatro”, diz o biólogo.

As dificuldades para castrar um hipopótamo são robustas, conforme explica o veterinário Carlos Valderrama, que integrou a equipe responsável pelo trabalho. Em primeiro lugar, há o risco de matá-lo logo que se dispara o dardo com tranquilizantes. “A reação instintiva do hipopótamo é correr para a água para se proteger. Se os tranquilizantes demoram a fazer efeito e ele tem tempo de voltar à lagoa, pode acabar se afogando”, aponta. 

Depois, o animal precisa ser transportado até o local da cirurgia. “Uma vez buscamos auxílio do Exército colombiano, que levou o animal em um helicóptero”, lembra Valderrama. A anestesia é outro problema: com uma camada de gordura de 8 cm, ela pode se acumular no tecido adiposo e, se liberada repentinamente, o animal pode morrer, com os pulmões colapsados por seu próprio peso. 

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Para completar, os testículos do hipopótamo são subcutâneos, difíceis de acessar. “Demoramos mais de uma hora para chegar até eles.” O procedimento levou duas horas, mas foi necessário esperar mais quatro horas até que o efeito da anestesia passasse. Depois o helicóptero transportou o animal de volta à Hacienda Nápoles. 

Enviar os animais para zoológicos, na Colômbia e em outros países, também não é simples. Não pela dificuldade de transporte, mas por falta de interessados. “São animais que se reproduzem bem em cativeiro, então não há uma grande demanda por eles em zoológicos”, avalia Shurin.

Echeverri teme agora que a multiplicação e a expansão territorial dos hipopótamos fuja de qualquer tipo de controle. “Todos os países que fazem fronteira conosco, teoricamente, correm o risco de os animais chegarem a eles.” Tudo cortesia do sr. Pablo Escobar Gaviria.

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