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A escada de Jerusalém que só pode ser movida se 6 religiões concordarem

Entenda como uma escada de madeira de 300 anos se tornou o símbolo da disputa entre cristãos por templos em Jerusalém e Belém.

Por Bela Lobato
30 Maio 2025, 19h00

Os cristãos acreditam que a Basílica do Santo Sepulcro, em Jerusalém, é o local da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Por isso mesmo, esse é um dos lugares mais sagrados da religião, e recebe peregrinações desde o século 4. 

Apesar do grandioso significado espiritual, essa igreja também é conhecida por hospedar um símbolo de uma disputa bem terrena: a Escada Imóvel.

Um turista desavisado talvez nem repare na pequena escada de madeira, apoiada numa janela do segundo andar. Dá para imaginar que ela seja parte de alguma obra de manutenção da fachada, e até poderia ser o caso, se ela não estivesse ali há 300 anos. 

Na verdade, ninguém sabe exatamente de quem é a escada ou por quê ela foi colocada ali – só se sabe que ela não pode ser retirada sem um acordo diplomático complexo entre seis religiões. Vamos começar do começo: o sultão otomano Osman III, em 1757.

Ele definiu o chamado Status Quo: um combinado para que cristãos, muçulmanos e judeus pudessem dividir a administração dos templos que interessvaam a cada um em Jerusalém e Belém. A maioria dos lugares inclusos no Status Quo é disputada apenas entre os próprios cristãos. São seis denominações cristãs consideradas: Católica, Ortodoxa Grega, Apostólica Armênia, Ortodoxa Siríaca, Ortodoxa Etíope e Ortodoxa Copta (egípcia). As três primeiras têm mais poderes e responsabilidades do que as três últimas.

O combinado do Status Quo estabelece que as seis devem dividir os seis templos disputados, e que nada pode ser mudado nessa divisão e nos templos sem o consenso das seis religiões. 

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Na prática, um edifício disputado como a Basílica do Santo Sepulcro é dividido em seções. Algumas são compartilhadas e comuns a todos os grupos, e outras são restritas. Há um conjunto de regras complicadas para reger o trânsito de grupos entre as seções, mas, durante a maior parte do tempo, a convivência é pacífica. A igreja realiza cerimônias como qualquer outra, e recebe visitantes o ano inteiro. 

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Mesmo assim, a paz entre os clérigos é bem delicada. 

Em 1902, por exemplo, franciscanos (da Igreja Católica) e gregos entraram num bate boca sobre quem podia varrer o degrau mais baixo da Capela dos Francos, dentro da Basílica. A discussão terminou com 18 hospitalizações e algumas prisões. Um acordo posterior determinou que membros dos dois grupos teriam direito a varrer o degrau – mas o acordo precisou ser mediado por autoridades otomanas e francesas.

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Cem anos depois, em um dia quente do verão de 2002, um monge copta moveu sua cadeira 20 centímetros para a sombra que ficava no território etíope. O singelo gesto provocou uma briga que deixou 11 pessoas hospitalizadas. 

Em 2004, uma porta da capela franciscana foi deixada aberta – fosse por acidente ou não, o gesto foi interpretado como um sinal de desrespeito pelos ortodoxos e mais uma briga começou. Algumas pessoas foram presas, mas ninguém ficou gravemente ferido.

É essa tarefa ingrata de obter consenso entre seis partes de uma briga que nos leva à Escada Imóvel. Ninguém sabe exatamente quando ela chegou: o registro mais antigo é da gravura abaixo, feita pelo monge franciscano Elzéar Horn em 1728. Ela está no lado que pertence à Igreja Apostólica Armênia.

Imagem da gravura do Santo Sepulcro.
(Wikimedia Commons/Reprodução)
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Também não há consenso sobre qual era a sua função original: pode ter sido simplesmente esquecida durante alguma manutenção, por exemplo. Mas, como sempre, a explicação também pode ser mais complicada. Isso porque a entrada da Igreja já foi controlada por diferentes grupos durante os séculos de conflito. Assim, já houve épocas que os clérigos acampavam por anos dentro da Igreja, sem poder sair para não perderem o lugar. 

Há quem teorize que a escada seria uma forma de burlar a regra, permitindo a saída do prédio sem passar pela porta oficial. Em algumas gravuras, a escada aparece com vasos de plantas ao seu lado, o que reforça teorias de que a escada seria o acesso à uma varanda improvisada uma forma dos religiosos pegarem um sol e ar fresco durante os períodos mais reclusos. 

O importante é que em 1757, quando o Status Quo entrou em vigor, ela já estava lá. Desde então, só existem dois registros de movimentações: em 1997, ela foi puxada pela janela e escondida atrás de um altar por um ativista, que tinha a intenção de “mostrar a tolice da discussão”. Ela foi devolvida ao beiral algumas semanas depois, e uma grade foi instalada na janela, restringindo o acesso. 

A segunda vez foi em 2009, quando a escada foi vista apoiada na janela ao lado, sem que houvesse uma explicação oficial. Ela voltou ao seu lugar original no dia seguinte, onde deve ficar por quanto tempo durar a teimosia humana. Ou quanto tempo a madeira centenária resistir.  

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