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A fonte do poder

Por Leandro Beguoci
Atualizado em 8 mar 2024, 15h30 - Publicado em 16 dez 2015, 16h15

Eles foram uma minoria política e religiosa por décadas. Os evangélicos sofreram um enorme preconceito num país majoritariamente católico. Vários cemitérios administrados por católicos não permitiam que pastores fossem enterrados ali. Os fiéis eram desdenhosamente chamados de “crentes” e classificados de ignorantes. Ainda há resquícios desse olho torto – basta escutar uma conversa num bar descolado na zona sul do Rio de Janeiro ou na Vila Madalena, em São Paulo. Se a pessoa se declara evangélica, uma bigorna classificatória cai sobre a cabeça dela.

O tempo de minoria acabou. Os dados do censo de 2010 mostram que há 42 milhões de evangélicos no Brasil. Um em cada cinco brasileiros segue uma entre as milhares de igrejas espalhadas pelo País. Só que algumas lideranças evangélicas se esqueceram da época em que a democracia os protegeu. Afinal, democracia não é o regime da maioria contra as minorias. Um dos méritos da democracia é proteger as minorias contra a maioria.

Segundo o IBGE, que faz o censo, os evangélicos estão em ritmo acentuado de crescimento. Em média, a Igreja Católica perdeu 465 fiéis por dia entre 2000 e 2010. Os evangélicos ganharam 4.383 novos fiéis por dia no mesmo período. Hoje, o catolicismo é mais forte entre os mais velhos. Os mais jovens tendem a ser evangélicos. Pela primeira vez na história do censo, o número absoluto de católicos diminuiu no País. Milhões de indivíduos estão trocando o padre pelo pastor.

Várias razões explicam essa expansão. Em boa parte das áreas pobres do Brasil, as igrejas evangélicas são as únicas instituições presentes. Não há Estado ou outra organização comunitária. Em várias favelas, como mostram os estudos do antropólogo Ronaldo de Almeida, da Unicamp, igrejas são centros comunitários, áreas de lazer e centros de assistência social. Elas oferecem tanto consolo espiritual quanto benefícios terrenos. As igrejas fazem até papel de Tinder, ajudando fiéis a encontrar seu par. Nos momentos de dificuldade, pastores e religiosos atuam como terapeutas e psicanalistas para populações que nem sonham em ter como pagar tratamentos psicológicos.

Em alguns casos, essa influência separa a vida da morte. Os anos 1990 registraram recordes de violência em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os pastores tiveram um papel importantíssimo em amenizar a violência de várias periferias. Os Racionais MC, maior grupo de rap do Brasil, fez sua homenagem aos pastores em uma canção chamada Vida Loka (Parte 1): “Fé em Deus que ele é justo/Ei irmão nunca se esqueça, na guarda, guerreiro/Levanta a cabeça truta, onde estiver seja lá como for/Tenha fé porque até no lixão nasce flor/Ore por nós pastor, lembra da gente/No culto dessa noite, firmão segue quente/Admiro os crente/Dá licença aqui/Mó função, mó tabela, pow, desculpa aí”.

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A cientista social Ana Paula Galdeano, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), mostrou em uma pesquisa o que os Racionais cantaram em música: as igrejas ajudam até a organizar a segurança de áreas pobres e convencem líderes criminosos a diminuir a ferocidade. Elas fazem aquilo que sempre pareceu impossível no Brasil: diminuir a violência endêmica.

Além disso, as igrejas evangélicas estão sempre perto dos fiéis, pelo rádio e pela televisão. Além da Record, propriedade da Universal, os pastores alugam os horários nobres da Bandeirantes e da Rede TV, além de contar com uma miríade de rádios em basicamente todos os 5.570 municípios do País. Várias pesquisas mostram como essa estrutura de mídia foi fundamental para manter uma ligação forte e constante entre pastores e fiéis. Se o pastor não pode celebrar cultos o dia todo, os veículos de comunicação podem. Porém, há outro ponto-chave para entender essa expansão midiática. É o espírito missionário dos próprios fiéis. “Há um forte conservadorismo no Brasil, e entre os evangélicos em particular”, conta Magali Cunha, da Universidade Metodista de São Paulo, especialista em religião, política e comunicação. “As pessoas querem ver sua agenda representada na TV. Por isso que elas não têm problema algum em doar dinheiro para igrejas que vão defender causas nas quais elas acreditam”, diz.

Com essa quantidade de gente ao seu lado, inclusive dispostas a dar dinheiro, os pastores saíram do templo e foram para o Parlamento. E a agenda da igreja virou pauta do País.

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