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As principais operações de espionagem

O mundo seria diferente sem as ações desencadeadas pelas agências de inteligência. Veja como esses jogos secretos ajudaram a escrever os livros de história

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h26 - Publicado em 31 mar 2007, 22h00

Roubar os planos de construção da arma mais poderosa já criada pelo homem. Explodir um depósito de munição em plena Nova York. Planejar e executar a derrubada do governo de um país rival. Localizar e seqüestrar um criminoso nazista desaparecido há décadas. Todas essas – e muitas outras – ações têm algo em comum: elas foram o resultado de planos elaborados por agências de espionagem. As operações secretas vão muito além da velha imagem de um espião roubando documentos de cima de uma mesa. Na verdade, elas envolvem um planejamento detalhado, muita paciência – a simples infiltração de um agente em um país rival pode levar vários anos – e uma complexa execução. Tanto cuidado tem uma razão de ser: muitas vezes, essas ações podem alterar o curso da história. Vários acontecimentos que você leu nos livros seriam completamente diferentes sem as ações de equipes de espiões. Descubra nas próximas páginas os bastidores das mais fascinantes operações secretas de espionagem já registradas.

Segredos Nucleares

Ideologia, amor e morte

O casal Rosemberg comandou uma rede de espionagem que roubou os planos da bomba atômica dos americanos, mas acabou na cadeira elétrica

Fabiana Lopes, EUA

Espionagem, amor, perseguição, traições, morte. Com todos esses ingredientes, o caso Rosenberg é considerado, ainda hoje, um dos mais emblemáticos episódios envolvendo espiões. Executados na cadeira elétrica em 19 de junho de 1953, no presídio de Sing-Sing, em Nova York, os judeus Julius e Ethel Rosenberg foram acusados de passar aos russos informações sobre o mais bem guardado segredo militar americano: a bomba atômica. O casal trabalhava nos laboratórios do Projeto Manhattan, o programa de desenvolvimento de armas nucleares chefiado pelo físico Robert Oppenheimer. Até hoje, eles são os únicos americanos condenados à morte por espionagem.

Com as informações fornecidas pelos Rosenberg e por outros espiões atômicos, como David Greenglass e Klaus Fuchs, os soviéticos tiveram acesso a dados preciosos e puderam saltar etapas nas próprias pesquisas, o que lhes permitiu detonar seu primeiro artefato nuclear em 1949, apenas 4 anos depois das bombas americanas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. A principal técnica de espionagem da época era recrutar e infiltrar agentes entre os próprios pesquisadores dos laboratórios americanos. Os Rosenberg e outros envolvidos ofereciam as informações aos russos mesmo sem nenhum tipo de contrapartida financeira. A explicação era sua profunda convicção ideológica no comunismo e a crença de que segredos nucleares não deveriam ser monopólio dos americanos. O toque mais trágico da história era o profundo amor do casal: quando interrogados, ambos se negaram a delatar o parceiro, mesmo sabendo que isso significaria perder a própria vida.

Teia de espiões

O FBI chegou aos Rosenberg em 1950, depois de prender, na Inglaterra, o físico Klaus Fuchs, sob a acusação de passar segredos atômicos a Moscou. Fuchs era um cientista nuclear alemão que trabalhava no projeto da bomba atômica a partir do laboratório de Los Alamos, no estado americano do Novo México. Interrogado, Klaus Fuchs revelou os nomes de uma série de agentes que trabalhavam em favor dos soviéticos. Esses nomes levaram o FBI a Harry Gold, americano de origem suíça que atuou como intermediário de Fuchs passando as informações do laboratório do Novo México a outros espiões russos. Na prisão, Gold entregou David Greenglass e seu cunhado, Julius Rosenberg.

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David Greenglass, que trabalhou no Projeto Manhattan, confessou que fora convidado a espionar para os russos por Julius Rosenberg e sua esposa, Ethel. Greenglass afirmou ter obtido dos Rosenberg a descrição da bomba atômica usada em Nagasaki, roubada do laboratório de Los Alamos. Ele recebeu uma sentença moderada por ter ajudado a Justiça na prisão da irmã e de seu cunhado: foi condenado a 15 anos de cadeia por ter, segundo a sentença, “se arrependido e trazido à Justiça aqueles que o aliciaram”. Em 17 de julho de 1950, o FBI prendeu Julius, já interrogado diversas vezes. Três semanas mais tarde, em 11 de agosto, foi a vez de Ethel.

A rede em ação

Julius Rosenberg entrou para o Partido Comunista americano em 1939. Ethel Greenglass também era militante comunista de um bairro pobre, reduto de judeus em Nova York. Ambos se conheceram em 1936 em manifestações socialistas e se casaram 3 anos depois. Julius se desvinculou oficialmente do Partido Comunista em 1944. Porém, nos bastidores, ele já havia começado a chefiar uma rede de espionagem organizada pelo serviço secreto russo da época, que pouco mais tarde se tornaria a KGB. Com a aprovação de Ethel, envolveu-se em atividades de espionagem a partir de 1942. Nessa época, foram recrutados vários agentes entre os seus conhecidos e amigos, como o próprio cunhado, David Greenglass. Esse círculo de espionagem repassava para os russos informações sobre toda a atividade aeronáutica militar americana, além do Projeto Manhattan.

De acordo com o ex-chefe da KGB Alexander Feklisov, na autobiografia The Man Behind the Rosenbergs, publicada em 2001, Julius foi recrutado pela KGB, em 1942, pelo espião Semyon Semyonov. Julius foi apresentado a ele por um alto oficial do Partido Comunista dos EUA, Bernard Schuster. Rosenberg era, segundo Feklisov, seu mais valioso e dedicado agente, e entregou aos soviéticos milhares de documentos secretos. Feklisov, que chegou a Londres em 1947 para estabelecer ligações com agentes soviéticos infiltrados nos EUA, deu a Julius e seus cúmplices a missão de obter dados confidenciais e informações tecno-cietíficas sobre as novidades da aviação militar, equipamentos eletrônicos, mísseis antiaéreos e radares. No entanto, o objetivo principal do serviço secreto soviético era obter informações sobre as atividades dos físicos e engenheiros americanos na pesquisa nuclear. Com o auxílio do físico Klaus Fuchs, Feklisov obteve informações sobre a bomba de hidrogênio, que começava a ser construída na Universidade de Chicago. Julius Rosenberg e David Greenglass forneceram dados valiosos sobre os desenhos técnicos e até sobre os planos de uso da bomba nuclear pelos americanos.

Outro segredo bem guardado pelos americanos chegou às mãos de Feklisov por intermédio de Julius Rosenberg. O ex-agente da KGB revelou que um exemplar do fusível de proximidade – uma espécie de pavio detonador sofisticado, que custou mais de US$ 1 bilhão aos EUA – lhe foi entregue por Rosenberg como fruto de suas atividades de espionagem. Instalado em mísseis antiaéreos, o fusível proporcionou aos soviéticos um de seus maiores sucessos na Guerra Fria, a derrubada em seu espaço aéreo do avião americano de espionagem U2, em 1960, pilotado por um capitão do serviço secreto chamado Gary Powers.

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Com a prisão de Greenglass, o FBI conseguiu relacionar vários amigos do casal Rosenberg ao círculo de espiões e colheu evidências de que Julius era o chefe da rede de espionagem, bem como indícios de que ele teria transmitido desenhos secretos de mecanismos da bomba nuclear aos soviéticos. No entanto, mesmo preso, o casal se negou a dar nomes e detalhes sobre qualquer operação a eles atribuída, negando até o fim qualquer relação com a espionagem russa. E na época havia, de fato, apenas evidências. As provas só foram trazidas a público muitos anos depois.

Senteça de morte

A prova mais contundente contra o casal foi revelada apenas 4 décadas depois, em 1995, com a abertura de arquivos sobre as interceptações feitas pela inteligência americana de mensagens soviéticas. O chamado Projeto Venona foi comandado pela discreta agência de informação National Security Agency (NSA) para decodificar as mensagens trocadas entre funcionários do serviço secreto russo. A documentação comprova que Julius Rosenberg de fato comandava a rede de espionagem atômica, com a conivência de Ethel. O projeto, no entanto, não podia ser revelado na época da prisão dos Rosenberg e seus cúmplices, pois estava em pleno andamento. Como não havia provas cabais do envolvimento do casal em atividades de espionagem, a estratégia foi prender e ameaçar Julius e Ethel. A intenção era que ao menos um deles revelasse detalhes do esquema, temendo a condenação do outro. Se isso acontecesse, ambos seriam presos mediante acordo, e o caso poderia ser encerrado sem revelar o Projeto Venona. Como o silêncio do casal foi absoluto, ambos acabaram sendo entregues à Justiça americana.

As campanhas para salvar o casal Rosenberg percorreram o mundo. A comunidade judaica foi uma das mais atuantes para livrar Julius e Ethel. O casal escreveu 586 cartas durante o período em que estive preso – todas compiladas no livro The Rosenberg Letters, editado pelo filho mais velho, Michael Meeropol. As cartas, entretanto, não falavam das agruras do cárcere, não apresentavam confissões de culpa, nem falavam sobre as atividades de espionagem; os textos eram pura retórica ideológica comunista.

Em 1951, foi anunciada a sentença de morte de Julius e Ethel Rosenberg. A decisão foi extremamente polêmica porque – como o Projeto Venona não podia vir a público – as provas e declarações contra o casal eram circunstanciais. Mas o júri e o juiz do caso não tiveram clemência. Em seu pronunciamento, o juiz da Suprema Corte Irving Kaufman foi extraordinariamente duro. Afirmou que foi com a ajuda do casal que a Rússia pôde fabricar a bomba atômica 10 anos antes do previsto pelos principais especialistas americanos. E completou: “Considero o crime de vocês pior que o homicídio. O assassino faz somente uma vítima. Ajudando os russos a fabricar a bomba atômica, vocês já deram causa, na minha opinião, à Guerra da Coréia e a todas as perdas humanas que daí resultam. Com essa traição, vocês modificaram o curso da história em prejuízo da própria pátria”.

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Apesar de uma carta enviada por Ethel ao presidente Eisenhower, pedindo clemência para seu marido, e da tentativa desesperada dos advogados do casal de fazer uma petição pessoal ao presidente e de adiar a sentença, a condenação à morte dos Rosenberg foi cumprida. Os outros integrantes da rede de espionagem – que delataram os cúmplices – tiveram penas mais brandas. Harry Gold foi condenado a 30 anos de prisão. Em 1966, obteve liberdade condicional, 6 anos depois de David Greenglass deixar a prisão. Klaus Fuchs foi viver na Alemanha Oriental em 1959, depois de cumprir 14 anos de prisão na Inglaterra.

Pais de dois filhos, na época com 10 e 6 anos, os Rosenberg tiveram ainda uma última chance. Antes da execução, receberam uma proposta de redenção: se revelassem um único nome de seus cúmplices de espionagem, a execução seria suspensa pelo presidente. Impassíveis, ambos ignoraram a oferta e seguiram em direção à morte.

Vendeta Nas Sombras

A vingança de Israel

As incríveis operações do serviçosecreto israelense atrás de revanche contra os inimigos do povo judeu

Juliana Veronese, Oriente Médio

Na manhã de 5 de setembro de 1972, a Alemanha acordou em estado de choque. Sirenes de viaturas iluminavam as primeiras horas do dia e despertavam a população de Munique. A cidade era sede da 20ª edição dos Jogos Olímpicos e se esforçava para transmitir a imagem de que aqueles seriam dias de paz e integração entre os povos. A aura de harmonia, porém, foi abruptamente destruída naquela madrugada, quando 6 terroristas do grupo palestino Setembro Negro invadiram a Vila Olímpica e fizeram reféns 11 atletas israelenses.

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Após um dia inteiro de longas e infrutíferas negociações, os terroristas decidiram que queriam voar para o Cairo, onde as negociações prosseguiriam. Seqüestradores e seqüestrados partiram em dois helicópteros para a base aérea de Fürstenfeldbruck, onde um Boeing 727 os estaria esperando. Na ânsia de preservar a imagem de civilidade do país, a polícia alemã tentava ganhar tempo, para não ter de reconhecer que simplesmente não sabia o que fazer com o problema que tinha nas mãos. Passadas mais duas horas de frustradas negociações, os terroristas perceberam que não seriam atendidos e, sem pestanejar, mataram todos os reféns. Três palestinos foram mortos na reação policial, e os outros 3 foram capturados após tentarem fugir. O mundo acompanhou ao vivo pela televisão o desenrolar da tragédia.

O que pouca gente sabia é que, assim que as mortes foram confirmadas, a alta cúpula do governo de Israel se reuniu para discutir como reagir ao ataque. Um dia após o retorno dos corpos dos atletas ao país, aviões bombardearam bases palestinas na Síria e no Líbano, matando 200 pessoas. Mas nenhum dos mortos tinha relação direta com o massacre de Munique. Para o governo israelense, a resposta precisava ser mais direta: mais do que matar, era preciso intimidar mesmo quem apenas pensasse em atacar judeus. Assim, a primeira-ministra Golda Meir autorizou o Mossad – o serviço secreto israelense – a caçar todos os envolvidos no episódio da Olimpíada. A reação ficou conhecida por Operação Ira de Deus e, anos mais tarde, inspirou até mesmo filmes como Munique, dirigido por Steven Spielberg e baseado no livro A Hora da Vingança, de George Jonas.

Libertando a ira

O Mossad enviou um pequeno grupo de agentes para a Europa, onde estava escondida a maior parte dos dirigentes do Setembro Negro. Esses agentes – abastecidos com generosas somas em dinheiro que o serviço secreto depositava em diversos bancos – planejou cuidadosamente a morte de cada dirigente da organização palestina.

O primeiro a morrer foi Wael Zu’aytir, que morava em Roma havia 16 anos e era tido como chefe do Setembro Negro na Itália. Na noite de 16 de outubro de 1972, dois agentes o esperaram, escondidos no edifício em que ele morava. Após sair da casa da namorada, o palestino entrou pela portaria e se dirigiu ao elevador. Antes que pudesse alcançá-lo, no entanto, foi alvejado 12 vezes com uma pistola Beretta calibre .22. Até hoje, alguns historiadores defendem que Zu’aytir era mais um defensor da causa palestina do que um terrorista. Esse tipo de detalhe, no entanto, não tinha mais importância naquela altura do campeonato. Além disso, a próxima morte já estava planejada.

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Atrair Mahamoud Hamshari não foi tarefa difícil. Como representante não oficial da Organização para Libertação da Palestina (OLP) em Paris, seu trabalho consistia em conversar com qualquer pessoa que se mostrasse adepta à causa. Assim, um agente disfarçado como jornalista italiano o chamou para uma entrevista em um bar da capital francesa. O que Hamshari não desconfiava é que, enquanto eles conversavam sobre os rumos da política no Oriente Médio, outros agentes estavam dentro de sua casa analisando cada palmo da mobília. No dia seguinte, 8 de dezembro, logo depois que sua esposa e sua filha saíram de casa, o telefone tocou. Do outro lado da linha, o suposto jornalista pedia para falar com o Hamshari. Assim que teve a confirmação de que era o próprio quem estava ao telefone, o agente fez um sinal positivo para um colega. Por controle remoto, o explosivo instalado no dia anterior dentro do aparelho foi acionado, explodindo o apartamento e ferindo seriamente Hamshari, que morreria 3 semanas depois no hospital.

No ano seguinte, seria a vez de Basil Al-Kubaisi experimentar a vingança. Ele era tido com um dos autores de um plano que pretendia estacionar um carro cheio de explosivos ao lado de um terminal no aeroporto JFK, em Nova York, no dia previsto da chegada de Golda Meir à cidade. O ataque foi interceptado a tempo, mas seu nome permaneceu na lista negra do Mossad – ainda que ele não tivesse ligação direta com o episódio de Munique. Notório apaixonado por Paris, Al-Kubaisi ia à capital francesa com certa freqüência. Durante 3 meses, uma equipe ficou em seu encalço até descobrir a data da visita seguinte. Localizado em um pequeno hotel, ele foi seguido na noite de 6 de abril de 1973, quando voltava de um restaurante, e morreu fuzilado por 9 tiros.

Operação Fonte da Juventude

O Setembro Negro não foi a única organização palestina a experimentar a revanche dos judeus. Em abril de 1973, numa operação que faria James Bond se sentir um amador, a Sayeret Matkal (uma unidade de elite das forças de defesa de Israel) planejou assassinar 3 oficiais do alto escalão do Fatah – outro “partido político” que havia colaborado com Munique – nos respectivos quartos em Beirute, ao mesmo tempo. Para entrar na capital libanesa sem ser notados, os homens navegaram em um barco lança-mísseis até cerca de 3 quilômetros da costa. A partir desse ponto, foram transferidos para botes de borracha e chegaram, silenciosos, a uma praia deserta. Em terra, oficiais disfarçados de turistas esperavam nos carros que levariam os 16 combatentes aos locais da ação. Alguns estavam vestidos de mulher e, enquanto as equipes subiam até os dormitórios, “casais” davam cobertura na rua. Uma das “meninas” era o tenente-coronel Ehud Barak, futuro primeiro-ministro de Israel. Explosivos foram instalados sob a porta dos quartos dos terroristas. Quando foram acionados, os agentes invadiram os apartamentos e eliminaram os alvos. A chamada Operação Fonte da Juventude caiu como uma bomba no mundo árabe, e as histórias sobre o Mossad se espalharam feito rastro de pólvora.

No entanto, o principal alvo envolvido no episódio de Munique só foi achado após uma caçada que durou 7 anos. Ali Hassan Salameh juntara-se à OLP em 1967 e galgou posições dentro da organização rapidamente. Israel o tinha como um dos executores do plano de Munique. Exterminá-lo era uma questão de honra, especialmente após o erro fatal cometido em julho de 1973 na Noruega, quando o Mossad assassinou um garçom marroquino confundido com o terrorista. Milhares de horas (e de dólares) foram consumidos em uma das missões mais longas já empreendidas pela inteligência israelense. Finalmente localizado em Beirute, ele foi morto em janeiro de 1979, quando um Fusca carregado com 5 quilos de explosivos plásticos foi detonado em uma rua próxima à sua casa. A vingança israelense havia sido consumada.

Caçada ao nazista

Mas a revanche de Munique não foi a única reação do Mossad contra os adversários de Israel. Outro célebre caso de retaliação havia sido realizado alguns anos antes, na Argentina. Era lá que se escondia o criminoso nazista Adolf Eichmann, um dos responsáveis por colocar em prática a Solução Final (o extermínio em massa de judeus) durante a 2a Guerra Mundial.

Em novembro de 1945, quando começaram em Nuremberg os julgamentos dos criminosos de guerra, Eichmann decidiu que era hora de desaparecer. Ele fugiu da prisão onde estavam os nazistas capturados e passou 4 anos escondido em uma pequena cidade alemã, onde trabalhou disfarçado como um pacato lenhador. No início de 1950, entrou em contato com uma organização clandestina de veteranos de guerra, que o ajudou a chegar à Itália, onde um padre franciscano – perfeitamente ciente de sua verdadeira identidade – lhe arrumou um passaporte de refugiado. Eichmann chegou a Buenos Aires em julho do mesmo ano e não teve dificuldades para obter novos documentos falsos de identidade, usando agora o nome fictício de Ricardo Klement.

Enquanto o “refugiado” levava uma vida pacata ao sul do Equador, a CIA investigava indícios de que ele pudesse estar em países como a Síria e o Iraque. Mas a verdade é que ninguém ouviu nada sobre seu paradeiro até 1957, quando o ministro das Relações Exteriores de Israel recebeu um telefonema que o avisava que Eichmann estava vivo e morando na Argentina. Tudo indica que a identidade do nazista tenha sido revelada graças a um descuido de seu filho Nicholas. O jovem se envolvera com uma argentina judia e, sem saber suas origens, vangloriou-se dos “feitos” de seu pai. Teria dito, inclusive, que foi uma pena os nazistas não terem “terminado o trabalho”. Mais tarde chegou-se a especular que tudo fora uma armação, e que a tal namorada era na verdade filha de um agente secreto. A descoberta de Eichmann gera controvérsias até hoje; pelo menos 12 pessoas afirmam ser as responsáveis pelo achado, incluindo famosos caçadores de nazistas como Simon Wisenthal. O fato concreto é que em pouco tempo a notícia chegou aos ouvidos do chefe do Mossad, Isser Harel, que pediu permissão ao primeiro-ministro, David Ben Gurion, para dar início à caçada.

As primeiras informações levaram os agentes israelenses a uma casa onde Eichmann já não morava mais havia algum tempo. A investigação seguia lentamente, uma vez que o alemão removera cuidadosamente todos as evidências de seu passado, inclusive uma tatuagem que muitos nazistas tinham abaixo da axila esquerda. Foi somente em 1959 que os israelenses descobriram que o subordinado de Hitler agora atendia pelo nome de Ricardo Klement. A partir daí, ficou mais fácil descobrir a nova morada de Eichmann. Agentes foram designados para vigiar e fotografar a casa por semanas a fio, em busca de provas de que se tratava de fato da pessoa que procuravam. Embora os indícios fossem fortes, não podiam correr o risco de prender o homem errado. A confirmação que esperavam veio no dia 21 de março de 1960. Naquela tarde, “Klement” desceu do ônibus que o trazia do trabalho todos os dias e caminhou pela rua lentamente, como de costume. Ele carregava um buquê de flores, que foi prontamente entregue à mulher que lhe abriu a porta. Mais tarde, os agentes ouviram risadas e sons de comemoração. Já não restavam dúvidas de que o alvo havia sido encontrado: 21 de março de 1960 era o dia do aniversário de 25 anos de casamento de Adolf Eichmann.

Capturado, julgado e executado

Isser Harel cuidou pessoalmente da captura do nazista. O plano era aproveitar as comemorações do 150º aniversário de independência da Argentina, quando representantes do mundo todo estariam presentes, para infiltrar os agentes no país sem levantar suspeitas. Os homens e mulheres envolvidos na operação (calcula-se que tenham sido mais de 30) chegaram em vôos diferentes, partindo de origens diferentes e instalando-se em lugares diferentes. No início da noite de 11 de maio, quando descia do ônibus rumo a sua casa, Eichmann foi interpelado por Peter Malkin, líder dos agentes (ele próprio uma vítima do Holocausto, já que perdera 1 irmã e 3 sobrinhos). Ao se virar para trás, o alemão foi imobilizado, detido e jogado dentro de um carro, que o levou para o esconderijo do Mossad na capital argentina.

Nos 10 dias que se seguiram, Eichmann foi interrogado e até assinou um documento em que declarava não se opor a um julgamento. Temendo revelar a identidade do nazista, sua esposa e seus filhos não procuraram a polícia – o que colaborou com o sucesso do plano, já que Israel sabia estar violando normas internacionais ao seqüestrar Eichmann. Para que pudessem deixar a Argentina sem levantar suspeitas, a solução foi embarcar o prisioneiro, juntamente com alguns agentes, em um vôo regular da companhia El Al. Eichmann foi sedado, de forma que conseguisse andar amparado por dois homens. Anos mais tarde, Isser Harel contou que, ao chegar ao aeroporto, os agentes disfarçados teriam dito a policiais que o colega trôpego havia bebido demais na noite anterior. Levado para Israel, Eichmann foi julgado e condenado à morte. Ele foi enforcado no dia 1o de junho de 1962. Seu corpo foi cremado e as cinzas foram jogadas no Mediterrâneo, fora dos limites territoriais de Israel.

Como foi a captura do criminoso nazista

1957

Surgem as primeiras pistas sobre o paradeiro de Adolf Eichmann. Autorizado pelo primeiro-ministro, David Ben Gurion, o Mossad dá início às investigações.

1959

Espiões israelenses enviados à Argentina descobrem a nova identidade do criminoso: Ricardo Klement. Eles passam a segui-lo por semanas a fio, encontram sua casa e se certificam de seus hábitos e horários.

1960

Em 21 de março, os agentes têm a confirmação de que o homem que vinham seguindo era, de fato, Eichmann. No dia 11 de maio, quando descia do ônibus que o trazia do trabalho, ele é raptado e levado a um esconderijo. Dez dias depois, é transportado clandestinamente para Israel em um vôo comercial.

1962

Julgado e condenado à morte, Eichmann é enforcado nas primeiras horas do dia 1º de junho.

Ação Terrorista

O primeiro ataque contra Nova York

No começo do século 20, sabotadores alemães explodiram um depósito de munição e chacoalharam a metrópole

Bruno Tripode, EUA

Às 2h08 da madrugada do dia 30 de julho de 1916 uma explosão de dimensões colossais chacoalhou a cidade de Nova York. Os alarmes de incêndio de toda a ilha de Manhattan foram acionados simultaneamente e as vidraças e janelas se quebraram num raio de 16 quilômetros. Muitos foram jogados de suas camas pelo choque sísmico, que atingiu 5,5 graus na escala Richter. Um dos muros da prefeitura de Jersey City (uma cidade da região metropolitana de Nova York) caiu e a ponte do Brooklin estremeceu freneticamente. Os estrondos mais poderosos cessaram em alguns minutos, mas explosões menores continuaram por mais algumas horas. No dia seguinte, após um blecaute que durou horas, os assustados nova-iorquinos iriam ler ansiosamente os jornais, em busca de uma explicação para aquele gigantesco despertador.

O epicentro das detonações era a ilha de Black Tom, localizada no Porto de Nova York. Isso explicava a fúria insana das explosões, já que, desde o início da 1a Guerra Mundial, em 1914, a ilha vinha sendo usada para o armazenamento de pólvora, explosivos e munição. E era um depósito dos grandes. Estima-se que os galpões e armazéns da ilha estocavam cerca de 1 000 toneladas de munição naquele dia. Para piorar ainda mais, a barca Johnson n° 17, que carregava outras 4 toneladas de TNT, havia sido ancorada na ilha porque seu capitão decidira evitar a taxa de US$ 25 dos ancoradouros situados nas proximidades.

Os focos de incêndio se iniciaram por volta da meia-noite, quando pequenas explosões começaram a pipocar. Assim que perceberam o fogo, os vigias que guardavam o local puseram-se em fuga desenfreada, com exceção de um dos guardas, que teve a presença de espírito de ligar para os bombeiros. Mas já era tarde demais. Como numa bomba atômica, se deu uma reação em cadeia: cada pequena explosão atingia um amontoado de material inflamável, que por sua vez incendiava outros, chegando ao ápice por volta das 2 da manhã. Por estar localizada em uma ilha adjacente, a Estátua da Liberdade foi atingida por inúmeros projéteis flamejantes, sofrendo diversos danos periféricos. Também o relógio do prédio do jornal Jersey City foi alvejado pelos metais voadores, que fizeram os ponteiros parar às 2h12, lembrando as pessoas da hora em que aquele verdadeiro vulcão entrou em erupção. O número de mortos pela explosão foi baixíssimo se comparado à sua intensidade. Cinco pessoas morreram e cerca de 100 ficaram feridas.

A busca pelos culpados

Uma vez passado o susto, a ordem era encontrar os responsáveis pelo “acidente”. A princípio, as autoridades seguiram o caminho mais óbvio e prenderam dois dos guardas para investigação, sob a acusação de negligência. Mas não tardou para as suspeitas rumarem para um contexto mais amplo. O mundo, na época, estava no meio da 1a Guerra e os EUA, apesar de oficialmente neutros, forneciam suprimentos e materiais de guerra à Inglaterra, França, Itália e Rússia, que lutavam contra as potências centrais (Alemanha, Áustria e Turquia). Logo, o beneficiário mais óbvio da destruição de Black Tom seriam os germânicos. Ficava cada vez mais provável a hipótese de sabotagem.

Em alguns dias, policiais locais prenderam Michael Kristoff, um imigrante eslovaco de 23 anos que tinha desembarcado no país em 1899. A dona da pensão onde se hospedava o viu sentado e desesperado, exclamando “o que eu faço?!”, logo após a explosão. Ainda segundo ela, Kristoff passava dias longe da pensão e, quando voltava, sempre aparecia com uma mala cheia de dinheiro. Durante os interrogatórios, ele admitiu trabalhar carregando pastas para um homem de nome Graentnor e, posteriormente, indicou dois dos guardas como espiões alemães. Apesar das declarações, nada foi encontrado de conclusivo contra o jovem imigrante, considerado “louco, mas inofensivo” e liberado logo em seguida.

Mas, assim como nos dias que se seguiram aos ataques ao World Trade Center, em 2001, uma paranóia generalizada se espalhou por toda a América. Pessoas com nomes alemães eram vistas com suspeitas e, algumas vezes, hostilizadas. Histórias sobre caricatos espiões teutônicos, envenenando fontes de água, com seus sinistros bigodes e vestindo sobretudos pretos, eram contadas de cidade em cidade. Só que, apesar de exagerados, os relatos não eram uma mentira completa. De fato, já havia algum tempo, uma série de atos de sabotagem atribuídos ao Império Alemão vinha sendo registrada. Desde 1915, várias fundições dos EUA, que abasteciam os aliados com aço para a fabricação de armas, tinham sofrido incêndios criminosos. Os sabotadores chegaram ao extremo de contaminar com a bactéria antraz alguns cavalos que seriam mandados para a frente européia!

Tiro pela culatra

Se a intenção dos alemães ao provocar a explosão era assustar os americanos e impedir que entrassem na guerra, então fizeram tudo errado. Enquanto o pouco belicoso presidente Woodrow Wilson tentava convencer a opinião pública de que os EUA deveriam se preocupar com questões internas, o ocorrido em Black Tom só inflamou as massas em direção ao conflito. A gota d’água ocorreu no início de 1917, quando submarinos alemães afundaram três barcos mercantes americanos. O incidente enfureceu o país e fez com que Wilson declarasse guerra às potências centrais em 16 de abril de 1917, desequilibrando a balança a favor dos Aliados. Finda a guerra, após a vitória aliada em 1918, as atenções se voltaram para o infame atentado. Relatos de espiões alemães denunciavam a culpa do império. Nenhuma prova cabal. Mesmo assim, a comissão responsável pela investigação do caso considerou a Alemanha culpada pela explosão em 1939. Tentaram cobrar o pagamento de Hitler, que riu da cara dos americanos. Só em 1953 é que a Alemanha foi condenada a pagar US$ 50 milhões, cujo último centavo foi entregue em 1979.

O atentado de Black Tom é um dos casos mais obscuros da história americana. Nunca houve provas suficientes para apontar exatamente quem fez o que, e é possível que a verdade esteja ainda escondida em algum lugar na Alemanha. O caso é tomado como um ato clássico de sabotagem por espiões, mas pode ser visto também como o primeiro ataque terrorista no território dos EUA, 85 anos antes do 11 de Setembro.

Golpe de Estado

Como a CIA depôs o governo iraniano

Gabriel Attuy, Oriente Médio

A operação que derrubou o primeiro presidente democrático do Irã fez com que os EUA entrassem de vez no lucrativo negócio de interferir em outros países pelo mundo

Em 1951, o Irã estava em festa. Pela primeira vez, o país havia escolhido democraticamente um líder. O escolhido para o cargo de primeiro-ministro era Mohammed Mossadegh, um ex-advogado que tinha como principal meta nacionalizar as indústrias petrolíferas estrangeiras que atuavam no país.Menos de dois anos depois, o clima era bem diferente. Após uma série de conflitos armados, Mossadegh, foi derrubado e deixou a porta aberta para a volta ao poder do xá Mohammed Reza Pahlavi, que instituiria uma violenta ditadura pelos 26 anos seguintes, até ser ele próprio deposto pela Revolução dos Aiatolás, em 1979. O principal responsável pela queda de Mossadegh foi um plano cuidadosamente articulado pela CIA, a agência de espionagem do governo americano, que estava mais do que interessado em evitar a nacionalização – e a conseqüente perda dos lucros – do petróleo iraniano. O sucesso da ação encorajou a agência a planejar uma série de operações similares mundo afora, criando o padrão de intervenção americana em outros países.

CONTROLE COLONIAL

Após o assassinato do antigo premiê iraniano Ali Razmara, em 1951, Mossadegh foi apontado pelo Parlamento para o posto, apoiado pelo crescente movimento nacionalista no país. Assim que assumiu o poder, ele apresentou um projeto para nacionalizar a Companhia Anglo-Iraniana de Petróleo. A nacionalização da empresa, controlada pelo governo britânico, foi o desfecho de uma luta de décadas dos iranianos contra o domínio quase colonial que os ingleses mantinham sobre o país.

A exploração inglesa das reservas no Irã teve seu início em 1901, quando o então xá Mozzafar al-Din Qajar deu ao empresário William Knox D’Arcy uma concessão de 60 anos para buscar e extrair petróleo no país, com o objetivo de aliviar as dívidas do Irã com a Inglaterra. Nascia a Companhia Anglo-Persa de Petróleo, que mais tarde se tornaria a Companhia Anglo-Iraniana e, em 1954, assumiria a forma da British Petroleum (BP), hoje uma das 5 maiores companhias de energia do mundo. Os termos da concessão eram muito desfavoráveis ao Irã, dando ao país uma participação de apenas 16% nos lucros.

O projeto de nacionalização do petróleo iraniano enfureceu os ingleses, que levaram o caso à Corte Internacional de Justiça em Haia, na Holanda, onde foram derrotados. Foi nesse momento que se iniciou a formulação da Operação Ajax, o plano que levaria à substituição de Mossadegh por um primeiro-ministro favorável aos interesses ocidentais.

Em 1953, quando Mossadegh já estava no seu segundo mandato como premiê, Dwight Eisenhower se tornou o novo presidente dos EUA e deu o sinal verde para a CIA começar a operação. Em abril daquele ano, a CIA escolheu Kevin Roosevelt – chefe da divisão da agência no Oriente Médio e neto do ex-presidente Franklin Roosevelt – para liderar a operação. O plano previa que o xá assinasse um decreto retirando o primeiro-ministro do cargo e apontando o general Fazlollah Zahedi como seu sucessor. O documento seria revelado a Mossadegh em sua residência, tarde da noite, e se ele resistisse ao decreto seria preso sob a acusação de traição. Enquanto isso, Roosevelt arquitetava um minucioso plano de cooptação. Sua primeira ação foi subornar um grupo de oficiais do Exército iraniano. A CIA também mandou muito dinheiro para grande parte dos jornais iranianos, que iniciaram uma onda de artigos e reportagens atacando Mossadegh, e também exerceu influência sobre os líderes religiosos locais.

Após vários dias de negociação com o xá, a operação foi colocada em movimento. No entanto, informantes do Exército alertaram Mossadegh sobre o plano e quando os oficiais pró-xá invadiram sua casa foram surpreendidos e presos por oficiais leais ao primeiro-ministro. Mossadegh havia retomado o controle e o plano aparentemente havia falhado. No entanto, Roosevelt não estava ainda disposto a desistir. Ele iniciou ações de guerrilha, contratando grupos armados para atacar estabelecimentos comerciais e causar caos nas ruas de Teerã. Os mercenários eram instruídos a gritar “eu amo Mossadegh e o comunismo!” Outros grupos foram contratados para atacar os primeiros, simulando uma situação de anarquia total para desmoralizar o primeiro-ministro. O país entrou em parafuso, com acirradas trocas de tiros nas ruas de Teerã. Finalmente, em 19 de agosto, Roosevelt reuniu todos os grupos armados favoráveis aos americanos, que invadiram diversos prédios públicos. Cerca de 100 pessoas foram mortas no confronto e o golpe finalmente obteve sucesso. Como resultado, o títere Zahedi assumiu o posto de primeiro-ministro. Mossadegh foi julgado e condenado à morte, mas o xá comutou sua sentença para prisão perpétua. Ele passou 3 anos em uma prisão militar e o restante da vida em regime de prisão domiciliar até sua morte, em 1967.

DIVIDINDO OS ESPÓLIOS

Com o retorno do xá, era hora de dividir os lucros. Em 1954, a operação dos poços de petróleo iranianos foi dividida entre um grupo de administradores. A britânica BP ficou com 40% da operação, a anglo-holandesa Shell com 14%, a francesa CFP com 6% e os 40% restantes foram divididos entre as 5 principais empresas petrolíferas americanas.

A participação americana na Operação Ajax foi admitida oficialmente apenas em 2000. Muitos críticos argumentam que o desmantelamento do governo iraniano na década de 1950 marcou o início da cultura do antiamericanismo no Oriente Médio. O golpe criou uma nova tradição em Washington, a de derrubar governos que os EUA consideravam indesejáveis. No ano seguinte, a CIA decidiu depor Jacobo Arbenz, presidente eleito da Guatemala. Pouco depois, seria a vez de Salvador Allende, no Chile. Desde então, os EUA participaram ativamente de várias operações para destituir regimes pelo mundo, em países como Indonésia, Cuba, Vietnã, Panamá, Nicarágua, Haiti, Venezuela e, mais recentemente, Iraque e Afeganistão.

A outra face

Ser espionado já é ruim para um país. Mas ser vítima de um agente duplo pode ser realmente devastador

Bruno Tripode

O período que vai de 1945 a 1991 foi um dos mais tensos da história das superpotências. Em meio às transformações políticas ocorridas entre o fim da 2a Guerra Mundial e a queda do Muro de Berlim, desenrolava-se uma guerra silenciosa, obscura: a famosa Guerra Fria. Nesse conflito, os tanques, aviões e submarinos eram meros atores coadjuvantes no cenário no qual os verdadeiras armas se debatiam. E os armamentos dos EUA e da Rússia para lutar essa guerra eram de carne e osso: os agentes secretos. Agindo nas sombras, os espiões faziam de tudo: coletavam informações, roubavam tecnologias, sabotavam e ludibriavam os rivais. Só que essas armas às vezes atiravam pela culatra. E o estrago que os espiões traidores faziam ao entregar os segredos da pátria ao inimigo eram enormes.

O envelope do discreto Bob

“Não abra. Leve essa carta para Victor Cherkashin.” Datado de 4 de outubro de 1985, o envelope com a frase acima chegou ao seu destinatário. Ao lê-lo, o coronel Victor Ivanovish Cherkashin – então chefe da KGB, o serviço secreto da União Soviética, nos EUA teve uma agradável surpresa. “Em breve, enviarei documentos… com os mais secretos projetos dos EUA”, dizia um trecho. Ao longo da carta, foram nomeados 3 oficiais da KGB que vendiam informações confidenciais para os americanos. Por fim, um pedido “razoável”: “Acredito que os dados sejam suficientes para justificar um pagamento de US$ 100 000”.

A carta era assinada apenas por “B”, codinome criado pelo agente de contra-inteligência do FBI Robert Philip Hanssen para proteger sua identidade verdadeira. Na época trabalhando havia 8 anos para o serviço secreto americano, Hanssen tinha decidido entrar de cabeça no intrincado labirinto da dupla espionagem. Nos 15 anos seguintes, o homem que seria conhecido como “o maior agente duplo da história dos EUA” promoveu estragos incomparáveis ao governo de seu país. Praticamente toda operação importante de inteligência seria de alguma forma revelada por Hanssen aos seus novos patrões russos.

Não que Bob fosse um uma figura suspeita. Mas aquele homem magro, metódico e taciturno, com quase 2 metros de altura, com certeza era um personagem estranho. Sua compleição física e falta de tato social, juntamente com seu monótono gosto por vestimentas – ele sempre usava um terno preto sobre uma camisa branca –, lhe renderam o apelido de Dr. Morte. Se houve alguma característica que permitiu a Hanssen ser um agente duplo por 15 anos sem ser pego foi sua extrema cautela. Seu contato com os soviéticos era feito através de dead drops, pacotes com informações deixados em locais pré-combinados. Assim também recebia seus pagamentos. Durante todo esse tempo, jamais revelou sua identidade aos seus contratantes. No decorrer de sua quase perfeita “carreira”, Robert Hanssen chegou a entregar mais de 6 000 páginas de documentos confidenciais do governo americano aos soviéticos. A qualidade das informações variava entre arquivos baixados aleatoriamente dos computadores do FBI a dados de extrema importância, como segredos nucleares, planos de mísseis e a posição exata de satélites espiões.

O Exterminador de informantes

Mas Hanssen não era o único trunfo da KGB. Aldrich Hazen Ames era uma espécie de agente de limpeza para os soviéticos. Um faxineiro caro e eficiente que em poucos anos praticamente liquidou a rede de informantes dos EUA na União Soviética, além de comprometer mais de 100 operações secretas.

Ames começou sua carreira de exterminador de informantes em abril de 1985, quando resolveu dedurar alguns membros da KGB que haviam virado a casaca para o lado americano. Os desafortunados espiões duplos foram presos, interrogados e eliminados pelas autoridades soviéticas. Pelo serviço, Ames recebeu US$ 50 000.

Mas o que havia começado como um jeito fácil de levantar dinheiro logo se tornou o único jeito de se proceder. Longe de ser cauteloso como Hanssen, Ames havia revelado sua identidade para os soviéticos e logo começou a ser enormemente pressionado. Mesmo assim, ele se tornou o espião mais bem pago da história, tendo recebido mais de US$ 2,5 milhões. Também tornou-se o mais mortífero delator de colaboradores americanos, com a marca de 30 informantes nomeados, sendo que 10 desses foram executados pela URSS.

Em 21 de fevereiro de 1994, após quase 10 anos como agente duplo, Aldrich Ames foi preso pelo FBI e acusado de alta traição. Sete anos depois, em 18 de fevereiro de 2001, Robert Hanssen caiu nas mãos do governo, traído pelas impressões digitais deixadas em uma de suas cartas aos russos. Apesar de não terem se conhecido, seu destino foi semelhante: ambos cumprem prisão perpétua. Porém o uso de agentes duplos não foi um monopólio comunista.

Impedindo a Guerra nuclear

Angústia e apreensão tomaram conta de todo o mundo em 22 de outubro de 1962, quando começou o episódio que ficaria conhecido como a Crise dos Mísseis de Cuba, em que as grandes potências ficaram a um passo da 3a Guerra Mundial. Quando ela terminou, pouquíssimos conheciam o personagem-chave para o fim da crise: o coronel soviético Oleg Penkovsky.

Penkovsky começou a espionar para CIA em 1960, após seus superiores no governo soviético descobrirem que seu pai havia morrido lutando pelo Exército Branco, que se opunha aos vermelhos soviéticos na Revolução Russa. O fato eliminava qualquer possibilidade de promoção do veterano da 2a Guerra, que já se encontrava insatisfeito com os rumos do socialismo. Ao longo de dois anos, ele forneceria mais de 5 000 fotos de documentos secretos para os EUA e a Inglaterra. Durante a Crise dos Mísseis, Kennedy apostou na informação recebida do coronel soviético de que Kruchev iria ceder mais cedo ou mais tarde. Penkovsky também mostrou que o número de mísseis da URSS era dramaticamente menor que as estimativas americanas. Isso pôs abaixo a possibilidade de a crise realmente gerar uma confrontação militar entre as superpotências. Ironicamente, o homem que impediu o mundo de virar uma ruína radioativa não teve o melhor dos fins. Preso em 1962 e submetido a um falso julgamento, Penkovsky foi executado no ano seguinte. Alguns relatos dizem que foi fuzilado; já outros contam que foi cremado vivo, enquanto seus familiares assistiam à cena.

Traidor de alta patente

Mais sorte teve seu sucessor no mundo da espionagem. O ucraniano Arkady Shevchenko passou boa parte da juventude estudando leis e logo conseguiu um emprego administrativo no Departamento de Relações Internacionais soviético. Em 1962, aos 32 anos, mudou-se para Nova York como chefe do Departamento de Segurança da URSS, e em 1973 foi nomeado sub-secretário geral da ONU. Sua meteórica carreira, todavia, só serviu para fomentar a insatisfação de Shevchenko perante as políticas de seu governo. Então, em 1975, contatou a CIA em busca de asilo político, pois tinha decidido fugir. Mas a agência o pressionou para que se mantivesse na posição e, durante os 3 anos seguintes, ele se viu na peculiar posição de agente triplo. Enquanto oficialmente trabalhava para a ONU, por baixo dos panos era um lobista da URSS e um espião da CIA. Nada mais arriscado. Durante esse período, Shevchenko reportou aos americanos diversas informações só comentadas no alto escalão russo, como a mentira de Moscou ao propor acabar com as armas químicas e seus planos de guerra nuclear.

Em 1978, Shevchenko foi convocado a voltar para a URSS. Pressentindo que havia sido descoberto, imediatamente se refugiou nos EUA, onde viveria até sua morte, em 1998. Ele foi a mais alta patente dos soviéticos a desertar para outro país. No entanto, sua mulher se recusou a acompanhá-lo e voltou para a Rússia, envergonhada pela traição do marido. Pouco depois, ela se suicidou em seu apartamento na capital russa.

Rússia

O retorno dos imperdoáveis

Novos casos revivem uma antiga sombra da Guerra Fria: o uso de veneno pelo serviço secreto russo para liquidar os inimigos e os traidores

Renata Penna Franca

Você sai para almoçar com alguns amigos. Em seguida, encontra com mais outro. Horas depois, se sente tão mal que é necessário ser hospitalizado. Três semanas mais tarde, totalmente careca, você morre em uma “deterioração espetacular”, nas palavras de seu médico. Essa história poderia até ser um filme de suspense ou terror – na verdade, já existe gente interessada em filmá-la –, mas ela realmente aconteceu.

No dia 1o de novembro de 2006, um ex-espião russo de 41 anos, Alexander Litvinenko, almoçou com dois outros russos em Londres, onde havia conseguido asilo político desde 2001. Em seguida, encontrou-se com um colega italiano em um restaurante japonês. Sentindo-se mal, Litvinenko se internou e faleceu 22 dias depois. Causa mortis: envenenamento por polônio, uma substância altamente radioativa. Em seu leito hospitalar, o feroz crítico do presidente russo Vladimir Putin acusou o Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB, a velha KGB) de envenená-lo. A agência de espionagem da antiga União Soviética ficou famosa por eliminar desafetos e desertores no exterior por meio de envenenamento, durante a Guerra Fria. Antes de morrer, Litvinenko, um ex-tenente-coronel do FSB, investigava o assassinato da jornalista russa Anna Politkovskaya, que fazia uma série de matérias sobre as ações de terroristas chechenos em uma escola de Beslan, em 2004, na qual morreram mais de 300 pessoas – muitas delas por causa de uma ação desastrada do FSB. Anna morreu fuzilada em seu prédio em Moscou, após ter sobrevivido a uma tentativa de – surpresa! – envenenamento.

Quem também passou por uma experiência similar foi o ucraniano Viktor Yushchenko. Candidato à Presidência da Ucrânia em 2004, Yushchenko era um opositor ferrenho do presidente russo Vladimir Putin e disputava o cargo com um candidato apoiado por Moscou. Um belo dia, após uma reunião com chefes dos serviços de segurança da região, ele sentiu-se mal e foi para o hospital. Diagnóstico: envenenamento com dioxina, droga que entre diversos efeitos causa uma desfiguração no rosto. Ficaram famosas as fotos que mostram a chocante diferença na aparência de Yushchenko antes e depois da internação. Mesmo com a tentativa de assassinato, ele continuou na disputa e acabou sendo eleito para a Presidência.

Publicar artigos sobre abusos dos diretos humanos no Exército russo também levou à morte repentina, em 2003, do jornalista Yuri Shchekochikhin, contumaz crítico da corrupção dentro do governo. Após o falecimento, foi negado à família o relatório médico oficial sobre a causa da morte de Shchekochikhin. Foi só após muita pressão da opinião pública que o relatório foi divulgado. E, mais uma vez, adivinhe só: a causa da morte do jornalista foi envenenamento por tálio. Desde 2002, Shchekochikhin fazia parte de uma comissão que investigava alegações de que bombas encontradas em apartamentos de Moscou, em 1999, haviam sido enviadas pelo FSB. Depois de sua morte, um membro da comissão foi assassinado e outro foi preso.

Por trás de todos esses casos, paira uma sombra. Será que o FSB estaria voltando a empregar as velhas técnicas de assassinato da antiga KGB? Embora não haja provas concretas, todos os indícios apontam nessa direção. Afinal, durante os anos de confronto entre os blocos ocidental e oriental, o envenenamento foi uma espécie de marca registrada dos russos.

O caso mais célebre de todos foi o assassinato do jornalista búlgaro Georgi Markov com um guarda-chuva envenenado em Londres, em 1978. Markov – um dissidente do regime comunista que dominava seu país natal – esperava tranqüilamente o ônibus no ponto, quando um rapaz esbarrou com o guarda-chuva em sua perna. O estranho pediu desculpas e Markov percebeu um sotaque diferente. Ele sentiu uma picada na panturrilha, mas seguiu o caminho para o trabalho, na famosa BBC. No local da picada, a leve dor virou uma pequena espinha vermelha. Ele começou a sentir-se mal e foi para o hospital. Três dias depois estava morto. Foi encontrada ricina em seu corpo, um veneno que causa a morte das células. Ela estava dentro de uma esfera metálica que a ponta do guarda-chuva deixou cravada na perna de Markov. O veneno entrou em sua corrente sanguínea e causou sua morte. Coincidência ou não, 10 dias antes, outro búlgaro, chamado Vladimir Kostov, havia sido baleado em Paris e os médicos encontraram a mesma esfera sob sua pele. Kostov não morreu envenenado, pois o dispositivo que liberaria a ricina foi danificado e a quantidade de veneno que o atingiu provocou apenas febre. Acredita-se que ambos os assassinatos tenham sido realizados pela KGB por encomenda de Todor Zhivkov, líder comunista que governou a Bulgária por quase 40 anos. Após o colapso de seu governo, uma pilha de guarda-chuvas “especiais” foi encontrada em seu gabinete.

Outro caso famoso de envenenamento pela KGB aconteceu em 1957, e a vítima foi um agente que se recusou a seguir ordens. Nikolai Khokolov – herói soviético da 2a Guerra Mundial – recebeu uma missão de assassinato. No entanto, ao chegar em casa, acabou contando o fato à sua mulher. No melhor estilo novela mexicana, ela lhe implorou que não cumprisse as ordens, pois não poderia amar um assassino. Então, em vez de matar a vítima, Khokolov simplesmente conversou com ela, avisou que sua vida estava em risco e imediatamente fugiu do país, desertando para a Alemanha Ocidental. A KGB bem que tentou dar o troco e o envenenou com tálio, mas ele conseguiu sobreviver. Em busca de segurança, Khokolov se mudou para os EUA, onde virou professor de psicologia e teve que viver sob a proteção do FBI 24 horas por dia. Uma prova de que a espionagem russa não perdoa jamais os inimigos.

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