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Berlim 1936: as Olimpíadas em solo nazista

Os Jogos de 1936 foram usados como propaganda para o regime nazista. Hitler só não esperava a camaradagem entre o atleta negro Jesse Owens e o alemão Luz Long.

Por Eduardo Lima
Atualizado em 26 jul 2024, 16h04 - Publicado em 26 jul 2024, 16h00

Em 1º de agosto de 1936, começavam os maiores Jogos Olímpicos modernos até então. No moderno Estádio Olímpico de Berlim, construído especialmente para o evento com capacidade para 100 mil pessoas, 3.963 atletas (só 328 mulheres) desfilaram, representando 49 países em 22 modalidades diferentes.

Os competidores e os espectadores do mundo todo foram recepcionados por um discurso do chefe de Estado da Alemanha: Adolf Hitler.

As Olimpíadas de 1936, disputadas em solo nazista, são uma mancha na história do esporte. Os jogos foram organizados pelo governo alemão com intuito propagandístico, para vender ao mundo a impressão de normalidade e superioridade do regime nazista na Alemanha. 

Eles não economizaram para tentar impressionar: o orçamento das Olimpíadas aumentou vinte vezes durante os preparativos. Foram, em valores atualizados, US$ 500 milhões (quase R$ 3 bi), mais do que o preço de todos os outros Jogos Olímpicos combinados até aquela data.

Foram os primeiros Jogos com o revezamento da tocha olímpica. Enquanto corriam com o símbolo pela cidade de Berlim, as pessoas não viam com que se preocupar. Hitler havia ordenado que fossem retiradas todas as referências antissemitas, que já eram parte do cotidiano do país em 1936, das ruas próximas ao complexo olímpico. Os nazistas queriam parecer pacíficos.

A escolha da cidade que hospedaria os Jogos Olímpicos de 1936 aconteceu em 1931, antes da ascensão de Hitler em 1933. Mas o Comitê Olímpico manteve a decisão. Os Estados Unidos, donos da maior delegação, se recusaram a boicotar os jogos, e o regime nazista se aproveitou disso.

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Os colegas europeus agiam com normalidade. O grego Spiridon Louis, que foi campeão de maratona nas primeiras Olimpíadas modernas, em Atenas, 40 anos antes, entregou um ramo de oliveiras colhidas nas montanhas de Olímpia para Hitler, como um símbolo da paz entre os povos.

A propaganda deu certo

As Olimpíadas de Inverno, realizadas alguns meses antes, no mesmo ano, foram um sucesso tão grande que os alemães ganharam o direito inédito de sediar as próximas Olimpíadas, em 1940. Quando chegou a hora, a 2ª Guerra Mundial já havia estourado.

A propaganda não foi só efetiva no campo simbólico. Três semanas após as Olimpíadas de Inverno, Hitler aproveitou o apoio que havia recebido da comunidade internacional para se arriscar e ordenar a reocupação militar da Renânia, território que a Alemanha havia perdido após a 1ª Guerra Mundial e o Tratado de Versalhes. Tudo correu tranquilamente.

Alguns meses depois, mais de 41 países puderam acompanhar as Olimpíadas pelo rádio, e algumas partidas foram televisionadas pela primeira vez. Os jogos podiam ser assistidos em cinemas espalhados pela Alemanha.

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Foi a primeira vez que muitas pessoas ao redor do mundo tiveram contato com o nazismo e seus símbolos – mesmo que só uma versão mentirosa, “livre para todos os públicos”. Era tudo para inglês (e espanhol, americano, brasileiro, francês…) ver.

Para o Barão de Coubertin, criador das Olimpíadas modernas, não importava que Hitler usasse os jogos para propaganda política. Ele justificou que os Jogos de 1932 também foram usados para promover o turismo na Califórnia. 

A cineasta Leni Riefenstahl produziu um documentário de propaganda sobre o evento, intitulado Olympia. O filme inovou com técnicas de filmagem que até hoje são usadas na cobertura de esportes, mas foi usado para mostrar as vitórias dos nazistas e ajudar a vender a mentira da superioridade genética da raça ariana.

Os alemães lideraram o quadro de medalhas no final do torneio, com 38 medalhas de ouro. No segundo lugar, os Estados Unidos contavam com 24 medalhas de ouro. Para Rudolf Hess, político nazista que foi o vice de Hitler até 1941, os jogos foram uma “providência do destino” para o regime. 

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Porém, nem tudo correu perfeitamente para os nazistas. O mito da superioridade racial seria desafiado, nos jogos e nas imagens de Riefenstahl, pelo atleta negro dos Estados Unidos Jesse Owens.

Jesse Owens

O atletismo sempre foi a modalidade mais importante dos Jogos Olímpicos. E ali, quem brilhou não foram os atletas nazistas, e sim um grupo de atletas negros dos Estados Unidos. Jesse Owens, que só tinha 22 anos, venceu quatro medalhas de ouro, o primeiro atleta a fazer isso.

Um homem vestindo uma regata. Está olhando adiante e sorrindo.
(Acme News Photos / Wikimedia Commons/Reprodução)

As provas de 100 metros, 200 metros, revezamento 4×100 metros e salto a distância foram todas conquistadas por Owens. Ele quebrou o recorde mundial do alemão Luz Long na prova de salto. Quando isso aconteceu, Long desafiou o protocolo e pulou dentro da caixa de areia para abraçar Owens e parabenizá-lo.

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Os dois atletas protagonizariam mais uma cena de amizade acima do preconceito quando deram uma volta ao estádio juntos, correndo de braços dados. Long conversou com Owens durante todas as provas, e ofereceu algumas palavras de encorajamento quando o norte-americano quase não se classificou nas eliminatórias de salto em distância.

Depois dos Jogos Olímpicos, Long recebeu a ordem de nunca mais abraçar uma pessoa negra. O atleta foi marcado como “sem consciência racial” pelo regime nazista. O abraço e a amizade dos dois foram lembrados por mais tempo do que qualquer propaganda nazista nas Olimpíadas.

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