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Bruxas: quem eram elas e por que iam parar na fogueira

Até a Idade Contemporânea, a Europa somou 12 mil julgamentos por bruxaria, com cerca de 50 mil condenações à morte.

Por Tiago Cordeiro
Atualizado em 4 Maio 2020, 14h49 - Publicado em 25 out 2019, 19h06

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las até podiam ter nariz adunco com verrugas na ponta e usarem chapéus pontudos. Frequentemente, preparavam poções em caldeirões. E talvez até tivessem gatos pretos como animais de estimação. Mas não se engane: as bruxas eram apenas mulheres independentes, cultivando tradições inofensivas, que passavam de mãe para filha. Não muito diferente de muitas vovós de famílias do interior até hoje, que preparam remédios caseiros. Na época, isso podia ser motivo para ir para a fogueira.

“As mulheres atraíam muita desconfiança da Igreja. Quando elas se mostravam habilidosas para lidar com a vida, seja preparando medicamentos ou atuando como parteiras, os bispos iam à loucura”, afirma o historiador britânico Malcolm Gaskill, professor da Universidade de East Anglia. “Depois de várias semanas de tortura, as mulheres confessavam práticas indescritíveis, como beijar ânus de gatos, beber sangue humano ou sacrificar crianças recém-nascidas.” Assim, por meio dessas confissões, o mito ganhava credibilidade, levando a mais perseguição e mais histórias de satanismo extraídas na marra, num círculo vicioso.

Quando a perseguição alcançou o auge, vestígios da cultura pagã e costumes característicos da vida rural se transformaram em pretexto para buscar culpados para todo tipo de crise. Colheitas especialmente ruins, ondas de mortes no gado ou entre recém-nascidos, epidemias inexplicáveis para a época, ou até mesmo secas ou chuvas fora de estação eram considerados motivos para sair procurando pelas supostas adoradoras do demônio.

Narizes grandes e marcas na pele podiam ser incriminadores. O Vaticano considerava que o maléfico se manifestava pelo feio. Verrugas, corcundas, deformações físicas como mãos tortas, tudo isso podia ser visto como manifestação de bruxaria.

Quanto aos chapéus pontudos, eles chegaram a estar na moda, especialmente no norte da Europa. Eram muito usados por camponesas mulheres, que também manipulavam caldeirões, nos quais eram feitos remédios tradicionais. A Igreja, adepta do hábito de relacionar objetos pontudos ao diabo e a produção de remédios populares a práticas proibidas, passou a perseguir tanto o chapéu quanto o caldeirão. Daí vem o estereótipo moderno.

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A NAÇÃO DOS “BRUXOS”

Antissemitismo virulento atribuía aos judeus as mesmas características das bruxas.


Além das pobres camponesas, mortas por preparar remédios caseiros para os vizinhos, os judeus foram largamente perseguidos durante toda a Idade Média. As lendas sobre eles eram muitas. A mais famosa era a do judeu errante. Vivendo nos tempos de Jesus, ele tinha um comércio em uma rua, por onde Cristo passou a caminho da cruz. Avarento, ele recusou água e ajuda ao condenado. Acabou amaldiçoado com uma eternidade para se arrepender. E vagou pelo mundo, desde então, condenado a sofrer por sua maldade.

Outras lendas tinham resultados mais funestos. Acreditava-se que os judeus, como as bruxas, sequestravam crianças para usar em seus rituais, bebendo seu sangue. Quando uma criança era morta violentamente, eram lançados os libelos de sangue, convocando a matar todos os judeus da cidade, o que era o chamado pogrom. A Igreja até tentava conter a turba, geralmente sem sucesso. Várias dessas supostas vítimas dos judeus foram tornadas “santos” popularmente. Como São Huguinho de Lincoln, inglês de 9 anos, cujo corpo, achado num poço em 1255, levou a um massacre de judeus na cidade. Na Europa Ocidental, os pogroms foram contidos no século 18. No Leste Europeu, só no começo do século 20.

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O antissemitismo se baseava na ideia de que os judeus foram responsáveis pela morte de Jesus Cristo. (Índio San/Superinteressante)

A VIDA SEXUAL DAS BRUXAS

A vassoura tem uma origem no mínimo insólita. Instrumento de trabalho das esposas e filhas, ela ainda tinha relação com um antigo rito celta: sacerdotisas usavam pedaços de paus e corriam posicionadas sobre eles como se fossem cavalos, num ritual erótico de fertilidade, uma forma de estimular o mundo vegetal a crescer com rapidez. Então era usada uma erva chamada neimendro, um potente alucinógeno, do qual eram feitos unguentos. Que eram aplicados, nas palavras do teólogo do século 15 Jordanes de Bérgamo, “embaixo dos braços e outras partes peludas”. Era nisso que, com o perdão da expressão, entrava a vassoura. As sacerdotisas celtas besuntavam a vassoura com unguento de neimendro, usavam o cabo para aplicar mais fundo, e saíam por aí montadas nela, tão alucinadas que “voavam”.

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Outra maneira de se movimentar seria adotar a forma de animais, especialmente gatos. No século 15, o papa Inocêncio 8o publicou a bula Summis desiderantes affectibus, que reconhecia oficialmente a existência de bruxas e incluía gatos pretos na lista de seres que deveriam ser perseguidos. E eles eram, de fato: ainda no século 18, os franceses mantinham o hábito de prender gatos acusados de serem bruxas metamorfoseadas. Os animais eram queimados vivos ou estrangulados em praças.

As reuniões de mulheres no meio rural, seja para ajudar na colheita ou mesmo para pedir fartura a anjos e santos, eram consideradas uma forma disfarçada de sabá – a palavra, inspirada nos rituais judeus, indicava as reuniões de bruxas, no mato, ao redor de fogueiras, para a realização de rituais diversos. As bruxas também seriam amantes ardorosas de demônios – o que serviu de desculpa para perseguir pessoas de hábitos sexuais considerados desviantes, em especial o homossexualidade, tanto masculina quanto feminina, ou mesmo o crime de adotar posições diferentes do papai-e-mamãe. Os pactos demoníacos seriam consumados com a prática de sexo anal com demônios. Mas os seres do inferno também poderiam engravidar mulheres especialmente belas, muitas vezes com a concordância dos maridos ou pais. Na Alemanha protestante, ainda no século 17, crianças eram presas sob a acusação de serem metade demônios.

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Bruxas foram acusadas de causar a Peste Bubônica. (Índio San/Superinteressante)

Até a Idade Contemporânea, a Europa somou 12 mil julgamentos por bruxaria, com cerca de 50 mil condenações à morte, a maioria por confissões obtidas sob tortura — ou métodos mais exóticos. Havia também a “prova da água fria”. A acusada era amarrada com cordas no fundo de um rio. Se ela flutuasse, era considerada bruxa, e executada. Se ela afundasse, era inocente — e eles até tentavam tirá-la do fundo, então. Para quem era condenada, a fogueira não era o único método, também podiam ser punições convencionais: enforcamento ou decapitação.

No mundo desenvolvido, a perseguição sofreu uma redução brusca no século 18. A última execução aconteceu na Suíça, em 1782. Mas, em outros lugares, ainda se caçam bruxas. Só na última década, quatro pessoas, dois homens e duas mulheres, foram julgados, condenados e executados por bruxaria pelo governo da Arábia Saudita. Em São Paulo, na cidade de Guarujá, em maio de 2014, uma mulher foi caçada na rua e linchada até a morte. Em Gana, o governo local teve de criar seis campos para refugiar mulheres acusadas de bruxaria, que, se voltassem para casa, acabariam mortas pelos próprios vizinhos. Parece que se esqueceram de avisar que a Idade Média acabou. Muita gente continua a fazer valer a célebre frase de Sancho Pança: “Não acredito nas bruxas, mas, que elas existem, existem”.

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