Abril Day: Assine Digital Completo por 2,99

Como eram os rituais de canibalismo dos índios brasileiros?

Comida e espiritualidade, o canibalismo brasileiro era complexo.

Por Giovana Sanchez
Atualizado em 22 nov 2018, 16h03 - Publicado em 31 Maio 2007, 22h00

Carne humana era bem mais que um petisco para os antropófagos brasileiros. O canibalismo, na cultura desses povos, envolvia cerimônias que evocavam o sobrenatural. “Eles acreditavam que o indivíduo ganha força pela assimilação de outros, poderosos e perigosos, sejam guerreiros inimigos, sejam parentes mortos”, afirma o historiador John Monteiro, da Unicamp.

Os inimigos mais poderosos que essas populações tinham eram os portugueses. Os lusos se tornaram o prato favorito da taba, o que salvou o aventureiro Hans Staden de arder no moquém. Por ser alemão, Staden foi poupado pelos tupinambás que o capturaram em Ubatuba (litoral de São Paulo), em 1549. Prisioneiro dos índios, ele presenciou rituais antropofágicos. Seu relato – ilustrado pelo contemporâneo belga Théodore de Bry – é o mais detalhado já feito sobre os canibais brasileiros.

Não se sabe exatamente quantos grupos indígenas praticavam a antropofagia. O hábito durou até o século 17, quando a catequização acabou com ele nos territórios controlados pelos colonizadores. “Mas a lógica antropofágica permaneceu forte, inclusive na forma pela qual os índios assimilaram os rituais católicos, que incluem a ingestão do ‘sangue’ e do ‘corpo’ de Cristo”, diz John. Hoje, só os ianomâmis conservam o hábito de comer cinzas de cadáver, como forma de homenagear um amigo morto.

Sardinha na brasa

Além dos tupinambás, os caetés que habitavam o litoral do Nordeste fizeram história com seu costume alimentar. Conta-se que, em 16 de junho de 1556, eles souberam do naufrágio de uma embarcação portuguesa em mares brasileiros e ficaram na praia aguardando os pratos de seu jantar. Assim que pisaram na areia, os 90 tripulantes e o primeiro bispo do Brasil, dom Pedro Fernandes de Sardinha, foram capturados e devorados pelos índios. A história se espalhou e ficou registrada em cartas de jesuítas da época. No entanto, de acordo com John Monteiro, não há como afirmar com certeza a veracidade do ocorrido, já que “os relatos são todos marcados pela intenção de condenar os caetés e torná-los sujeitos à escravização”. Os caetés foram considerados “inimigos da civilização” pelos portugueses e europeus em geral. Em 1562, o governador-geral Mem de Sá determinou que fossem “escravizados todos, sem exceção”. Como conseqüência, os indígenas foram extintos em 5 anos.

Continua após a publicidade

Ê, oô, vida de gado

Como os tupinambás preparavam os prisioneiros para o banquete em que seriam o prato principal (segundo o relato de Hans Staden)

A engorda

No ritual tupinambá, a vítima nunca era morta na mesma hora que chegava à aldeia. A preparação para sua degustação podia levar dias, até meses. Na chegada, o inimigo era levado para uma cabana só com mulheres e crianças. Elas o agrediam e cantavam canções de vingança. Depois, penas cinzentas eram coladas ao seu corpo e suas sobrancelhas eram raspadas. Amarrado no centro da aldeia, ele tinha à sua volta uma roda com todos os índios, que cantavam e dançavam por horas. A partir daí, o prisioneiro era tratado como rei. Davam-lhe uma mulher para servi-lo. Se ela tivesse um filho dessa relação, os índios o criariam até a idade adulta – para então dar-lhe o mesmo destino do pai. A tribo convidava amigos de outras aldeias para participar do banquete. O ritual em si começava quando as vasilhas estavam cheias de uma beberagem à base de raízes fortes e todos os convivas estavam presentes. O prisioneiro participava da farra da taba, que atravessava a noite com danças e bebida farta. Enquanto isso, em uma das cabanas, era pendurado o tacape que daria o golpe fatal no pobre coitado.

Continua após a publicidade

O abate

No dia seguinte, nada de curtir a ressaca na rede: os índios construíam uma cabana só para o inimigo morrer. Lá, ele passaria a noite bem vigiado. De madrugada, os algozes entravam na cabana para cantar e dançar em volta do prisioneiro até o nascer do Sol. Então, eles derrubavam a cabana e faziam uma fogueira a dois passos dele. Todos se pintavam com uma tinta cinza. O cacique pegava o tacape (1) e golpeava o prisioneiro na nuca. As mulheres levavam o morto para o fogo, raspavam-lhe toda a pele e tapavam-lhe o ânus com um pau, para que nada escapasse por ali.

O talho

Depois da raspagem, um dos homens da tribo fazia as vezes de açougueiro:cortava as pernas do defunto acima dos joelhos (1) e os braços rente ao tronco. Chegavam, então, 4 mulheres que pegavam um pedaço cada uma e corriam com eles em volta das cabanas, cantando e gritando – era o ponto alto da festa, quando toda a tribo entrava em êxtase. Então chegava a hora de assar a carne e reparti-la entre os convidados. Os miúdos, assim como a cabeça, eram dados às mulheres, que preparavam com eles uma sopa, servida só a elas e às crianças.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

ABRILDAY

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 2,99/mês*

Revista em Casa + Digital Completo

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
A partir de 14,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$35,88, equivalente a 2,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.