Assim ficou conhecido o médico suíço Frank Rühli, de 37 anos. Apelido justificado: Rühli é um dos maiores especialistas do mundo nesses cadáveres milenares. Pra ter uma ideia, ele acabou com a tese de que Tutancâmon, o faraó morto ainda jovem, foi assassinado. Professor do Instituto de Anatomia da Universidade de Zurique, Rühli respeita as múmias com se fossem pacientes vivos. E diz, nesta entrevista, como elas podem salvar nosso futuro.
Qual a importância de um especialista em múmias?
Pra começar, é alguém que ajuda a decifrar mistérios. Nossas análises podem mostrar que certos fatos históricos não aconteceram como se imaginava. Também descobrimos muito sobre como eram as doenças no passado – o que nos ajuda a entender melhor a evolução das patologias humanas.
De que descobertas você se orgulha?
A de que Tutancâmon não morreu por causa de um golpe na cabeça, como se pensava. [Uma das principais teorias sobre a morte do faraó era a de assassinato, em meio à disputa pelo poder no antigo Egito.] Analisamos a múmia dele com uma tomografia e achamos múltiplas lesões pelo corpo. Concluímos que o jovem faraó deve ter morrido por causa de infecções e hemorragia, depois de cair de algum lugar – logo, um acidente. Estudamos ainda Ötzi, um homem de mais de 5 mil anos achado numa geleira nos Alpes e uma das múmias mais antigas já encontradas. Ele tinha uma lesão numa das principais artérias, fruto de uma flechada no ombro. Morreu por perder sangue demais.
O que mais você espera revelar à humanidade?
Tratamentos para doenças. A medicina evolutiva, que estuda o padrão das doenças ao longo dos tempos, vai ser cada vez mais importante no futuro. A sífilis é distinta do que era séculos atrás, porque as pessoas têm um sistema imunológico diferente e mais acesso a tratamento – fatores que se combinam para criar novos padrões. Por isso precisamos olhar para o passado para compreender sua evolução.
Por que escolheu trabalhar nesse campo?
Depois do colégio, não sabia se estudava medicina ou egiptologia. Decidi ser médico, mas sem abandonar a cultura egípcia. As múmias eram o fator em comum.
Como é estar sozinho com uma múmia? Raramente fico a sós com elas, pois em geral toda a minha equipe está na sala.
Mas é sempre uma ocasião especial. Você está lidando com um corpo humano, não um objeto. Deve tratá-lo com dignidade e respeito, como um paciente. Somos cuidadosos ao retirar amostras para análise, por exemplo. Só fazemos isso quando realmente é necessário. E não gosto que fotografem múmias nuas por curiosidade ou divertimento. Não acho apropriado.
Por quê?
Como as múmias estão conservadas, ainda podemos ver sua cara, saber se foi homem ou mulher, robusto ou delgado. Não é como olhar para um esqueleto. Vemos nelas personalidade, o que não acontece com um simples osso.