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Diabo! Um funcionário de Deus?

De acordo com o pesquisador Henry Ansgar Kelly, o Satã da Bíblia é um ser moralmente correto, com a tarefa de perseguir e acusar pecadores. Mas sua biografia foi deturpada pelos patriarcas da Igreja Católica

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 18 fev 2011, 22h00

Texto Álvaro Oppermann

Se a gente fosse fazer um retrato falado de Satanás, ele sairia mais ou menos como Hellboy, das histórias em quadrinhos de Mike Mignolla. Peço desculpas aos fãs, pois o personagem da HQ, no fundo, é um sujeito de bom coração – enquanto o Diabo (alguém duvida?) quer mais é atazanar o ser humano. Mas a comparação vem a calhar, pois é de maniqueísmo que estamos falando. A cultura ocidental se acostumou a pintar o Universo como uma guerra cósmica entre o bem e o mal. E o mal tem a cara do Diabo, um monstrengo escarlate de chifres e rabo, quase sempre com um tridente em punho.

Agora pasme: essa imagem simplesmente não existe na Bíblia. Pelo menos é isso que demonstra o pesquisador americano Henry Ansgar Kelly, professor emérito da Universidade da Califórnia, no livro Satã: Uma Biografia. Kelly garante que a história original do demônio – aquela que está registrada nos textos bíblicos – foi deturpada ao longo dos tempos. Na verdade, o Diabo não seria assim tão ruim quanto se pinta. E a “difamação” começou lá atrás, nos primeiros séculos do cristianismo, por obra de patriarcas da Igreja como são Jerônimo.

Para o pesquisador americano, a Bíblia revela que o demônio era uma espécie de “empregado de Deus” – uma entidade moralmente correta, encarregada de perseguir e acusar os pecadores. No século 2, porém, os pais da Igreja, ao interpretar o episódio bíblico de Adão e Eva no jardim do Éden, associaram-no à imagem da traiçoeira serpente. A partir daí, diz Kelly, ele foi sendo transformado em inimigo de Deus, até virar a representação máxima do mal.

Mitologia satânica

Uma visão menos maniqueísta do Diabo, como a proposta por Henry Kelly e outros autores modernos, parece estar em sintonia com o conceito de “mal” observado em algumas religiões. No hinduísmo e no budismo, por exemplo, existem criaturas malignas, como os demônios hindus Asuras, ou as criaturas infernais budistas chamadas Naraka. Mas elas não são personagens centrais como o Diabo é na mitologia cristã. “O maniqueísmo clássico é o do zoroastrismo”, afirma Kelly. Nessa antiga religião originária da Babilônia, existe um deus 100% benevolente, chamado Ahura Mazda, e um espírito totalmente mau, conhecido como Angra Mainyu ou Ahriman.

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Uma das versões de Satã mais fascinantes talvez seja a encontrada no islamismo. Também chamado Iblis, o demônio dos muçulmanos é um anjo caído, assim como o dos cristãos e o dos judeus. As similaridades se dão até no nome: shaitan, em árabe. Mas ele tem uma tarefa que os outros não têm. Segundo a crença islâmica, todos os recém-nascidos são tocados pelo diabo na hora do nascimento – para que, mais adiante na vida, possam fazer a escolha que bem entenderem entre o certo e o errado.

O shaitan do islamismo, contudo, não é nem de longe tão maléfico e assustador quanto seu equivalente cristão. Na tradição judaico-cristã, nada pode ser mais perverso, traiçoeiro e perigoso que o demônio – um servo extraviado do Todo-Poderoso, que acabou sendo expulso do Reino dos Céus porque trazia em sua essência o nefasto e contagiante princípio da corrupção universal.

Morada do capeta
A ideia de inferno existe em todas as religiões

Inferno parece ser coisa séria, pois todas as religiões têm o seu. Para os antigos gregos, ele era o tártaro (pior região do hades, o mundo do além). Os hebreus chamavam-no de gehenna. E os muçulmanos até hoje se referem a ele com uma palavra parecida: jahanna. No hinduísmo, inferno é naraka – termo usado também no budismo, mas com outra acepção, a de “seres infernais”. A descrição mais vívida do inferno talvez seja a de Dante Alighieri no clássico A Divina Comédia, de 1321. O “Inferno de Dante”, como ficou conhecido, é composto de 9 círculos. O primeiro destina-se a cristãos não batizados e pagãos virtuosos (aqueles que não tiveram a “sorte” de aceitar o cristianismo em vida). Abaixo dele, há círculos para adúlteros, glutões, avarentos e preguiçosos. A coisa começa a esquentar, literalmente, no 6º círculo, o dos heréticos. O 7º círculo, reservado aos violentos, é terrível: suas vítimas são banhadas num rio de sangue fervente. No 8º, para fraudadores, o pecador fica imerso num mar de excrementos. E o último é gelado, surpreendentemente gelado. Nele ficam os traidores – a escória da escória humana.

Para saber mais

• Satã: Uma Biografia
Henry Ansgar Kelly, Globo, 2008.

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