E se a corte portuguesa não tivesse se mudado para o Brasil em 1808?
Efeito borboleta: o país seria menor – o verde e amarelo da nossa bandeira não existiriam. Entenda.
Em janeiro de 1808, aconteceu algo único na história europeia: a colônia se tornou capital. Com a transferência da corte da Europa, o Império Português deixaria de ser administrado de Lisboa para ter sua nova sede no Rio de Janeiro.
A corte portuguesa veio para fugir da invasão napoleônica a Portugal. A França vinha exigindo do país que abandonasse sua neutralidade e aderisse ao bloqueio continental contra o Reino Unido, impedindo que seus navios aportassem, confiscando propriedades e apreendendo cidadãos britânicos.
Portugal não aceitou e Napoleão perdeu a paciência. A saída foi decidida em cima da hora, pelo príncipe-regente Dom João 6º, em 23 de novembro de 1807, ao receber a notícia de que os franceses já haviam entrado em Portugal dia 19 e marchavam rumo a Lisboa.
Essa saída, decidida em segredo, era uma das várias que Portugal havia cogitado até então. Outra era ceder e se aliar à França, declarando guerra ao Reino Unido – como a Espanha tinha feito. E outra ainda era aceitar a guerra e resistir, talvez enviando apenas os herdeiros ao Brasil.
Se Portugal optasse pela resistência ou se aliasse à França, um efeito seria o mesmo: o Brasil se tornaria uma colônia sem metrópole e Portugal seria dominado pelos franceses.
Se resistissem, não teriam futuro: a invasão foi acachapante. Uma semana após a decisão, os franceses já conquistavam Lisboa – dizem que os navios da comitiva de D. João 6º ainda eram visíveis no horizonte.
Tivesse se aliado à França, o destino da família real portuguesa também não seria brilhante.
É que Napoleão era um péssimo parceiro: mesmo com os reis da Espanha ao seu lado, ele patrocinou um Golpe de Estado em 1808, colocando seu irmão, José Bonaparte, como rei local e prendendo o rei Fernando 8º (que seria restituído ao trono em 1813). Mesmo se Napoleão poupasse a realeza, os portugueses não conseguiriam mais usar o Atlântico, sob o domínio dos novos inimigos, os britânicos, e ficariam isolados do Brasil.
A história da independência por aqui, então, acabaria bem parecida com a dos nossos vizinhos. Com a metrópole incapaz de mandar forças de repressão pelo Atlântico, e com a desculpa de um usurpador francês no governo da Espanha, as outras colônias da América do Sul deixaram de reconhecer a legitimidade de sua metrópole.
Em 1810, inicialmente sob uma justificativa de lealdade a Fernando 8º (que era só uma máscara para o real desejo de independência), revoluções pipocariam na Argentina, na Venezuela e no México, espalhando-se pelo continente.
Após uma década de guerras, protagonizadas pelas figuras do venezuelano Simón Bolívar e do argentino José de San Martín, toda a América Espanhola continental se tornaria independente. À Espanha, na época, só restariam as colônias no Caribe: Cuba, Porto Rico e San Domingo (futura República Dominicana).
Por aqui, vontade de independência não faltava: quando a família real chegou, em 1808, haviam se passado menos de 10 anos desde a Conjuração Baiana e menos de 20 desde da Inconfidência Mineira. Em 1817, com a família real ainda governando do Rio, aconteceria a Revolução Pernambucana, tentando também criar uma república independente.
Sem a família real por aqui, Portugal não teria como resistir a novos movimentos do tipo. E tudo seria diferente, porque esse processo de independência certamente não acabaria em um país só. As iniciativas tinham caráter local. Em Pernambuco, o movimento era claramente separatista. No Rio Grande do Sul, idem – em 1835 os gaúchos dariam início à Guerra dos Farrapos, com o intuito de criar sua própria república.
No fim das contas, a independência dos Brasis estaria intimamente ligada à dos vizinhos. E o timing seria quase certamente o mesmo 1810, seguindo a onda continental.
Os heróis seriam compartilhados. Bolívar e San Martín interviram em países que não eram os seus, a pedido de revolucionários locais. Revolucionários brasileiros muito possivelmente contariam com alguma ajuda em suas guerras de independência e secessão.
Ao fim desse processo, o conjunto de países herdados das colônias portuguesas não teria a forma do Brasil. E mesmo os países vizinhos da América Espanhola seriam diferentes.
Quantos países surgiriam? Dá para imaginar com firmeza apenas um: uma república do Nordeste, sem incluir a Bahia, seguindo a linha da Confederação do Equador, em 1824. Essa parte já tinha ligações políticas preparadas.
Outros países estariam condicionados ao resultado das guerras de independência. Ao Sul, com a ajuda dos argentinos, Rio Grande do Sul e Santa Catarina poderiam formar uma entidade, que, dependendo da reação, incluiria São Paulo e Paraná.
Talvez, em meio a isso, surgissem países de identidade híbrida, como Mato Grosso com Paraguai, ou o Sul do Brasil com o Uruguai e a região argentina de Missiones. Ao norte, com a ajuda de Bolívar, poderia haver uma ou mais repúblicas, ou talvez tudo fosse unido à Venezuela, formando uma imensa república amazônica.
Do Rio à Bahia, onde a presença militar (e resistência) portuguesa era mais forte, num processo de luta mais violenta, poderia surgir um país só. Esse pedaço provavelmente decidiria ser chamado de Brasil mesmo.
Um detalhe sobre esses eventuais países: absolutamente nenhum deles teria verde e amarelo em suas bandeiras. Essas eram as cores da família real brasileira, formada em 1822. Num cenário com movimentos de independência liderados por republicanos, ela nunca teria existido.
A bandeira do Brasil (Rio, Minas, Bahia e Espírito Santo e Goiás) seria provavelmente a da inconfidência mineira (vermelho e branco) ou da conjuração baiana (azul, vermelho e branco). O Nordeste adotaria o tema azul claro da Confederação do Equador (que poderia ser bem o nome do país). E o Norte, sob influência de Bolívar, o azul, vermelho e amarelo (representando o mar, o sangue da guerra de independência e as riquezas) da Venezuela e da Colômbia.
Todos os países resultantes teriam identidades tão distintas como as que há entre Peru e Argentina, Chile e Venezuela. Inclusive nos detalhes culturais. A feijoada não teria arroz: o arroz só entrou pra valer na dieta dos brasileiros quando plantações em alagadiços foram feitas no Rio Grande do Sul, no século 19. Com o sul separado, a farinha de mandioca continuaria sendo o complemento principal.
Outro grande unificador do Brasil, o futebol: ele chegou em São Paulo por engenheiros britânicos trabalhando em obras industriais pagas com o dinheiro do café, e daí se espalhou pelo Brasil. É o esporte mais popular do mundo, mas não teria a mesma raiz em todos os “Brasis”. Talvez o Norte preferisse beisebol, como a Venezuela, e a rivalidade ficasse entre o país do Rio e o país de São Paulo. E seria balcânica, bem maior que a entre argentinos e brasileiros.
Brasília também não existiria. A cidade foi inspirada por considerações estratégicas do passado: deixar a capital no centro do país, imune a um ataque por mar ou porta-aviões. Mas o centro desse outro Brasil ficaria em Minas Gerais.
No final, após tanto tempo de conflitos e rivalidades, seguindo a tendência do fim do século 20, os países filhotes da colônia portuguesa talvez se juntassem novamente numa entidade como a União Europeia, permitindo a cidadania compartilhada. E teríamos levado 200 anos para construir algo parecido com o Brasil de hoje.