E se… não existissem direitos autorais?
Saiba o que aconteceria se não existissem direitos autorais.
Mariana Sgarioni
A grande conseqüência do fim dos direitos autorais seria o desmantelamento da indústria cultural. Agora, se isso seria bom ou ruim para os artistas e para os consumidores de cultura é assunto para discussões infinitas. Para saber mais ou menos como seria esse mundo, basta voltar alguns séculos no tempo. Isso porque os direitos autorais tais como os conhecemos são uma invenção moderna – eles foram estabelecidos a partir da Revolução Francesa e consolidados mundialmente no século 19, quando obras artísticas passaram a ser reconhecidas como propriedades, assim como um terreno ou uma geladeira. Platão, Aristóteles, Camões, Shakespeare e Molière não faziam a menor idéia do que seriam direitos autorais, apesar de terem produzido obras-primas e terem recebido boas compensações financeiras pelas suas obras.
A idéia de estabelecer os direitos autorais foi uma forma de ajudar o autor a recuperar o dinheiro investido na produção de uma obra. E isso de fato aconteceu: muitos artistas passaram a reaver o capital investido em equipamentos, redes de distribuição e recursos de produção. Em contrapartida, o espaço do domínio público, em que todos podiam ter acesso à produção cultural, acabou se degenerando – atualmente, para se ter acesso a qualquer informação, para fins econômicos ou não, é preciso ter a autorização de seu dono. E foi assim que a grande indústria cultural floresceu, para intermediar e proteger os direitos do autor – a um preço um tanto elevado, cá entre nós. Grandes gravadoras e distribuidoras cresceram, enriqueceram e se firmaram como um monopólio de produção artística. “Sem os direitos autorais, apenas as grandes indústrias seriam prejudicadas. Claro que haveria cinema sem Hollywood ou música sem grandes gravadoras por trás. Tudo ficaria como já acontece nas periferias, em que o cantor grava seu cd no quintal de casa e distribui para os amigos. E ele tem público do mesmo jeito”, afirma Ronaldo Lemos, da FGV-RJ e do Creative Commons (organização que defende um modelo alternativo de direitos). A opinião não é unanimidade. Para Newton Silveira, diretor do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual, os artistas não teriam estímulo para criar se os direitos fossem relaxados. Por outro lado, não existiria a mal-afamada pirataria, que tanto tira o sono dos músicos – e principalmente das gravadoras. Afinal de contas, se nenhum autor tem direito sobre sua obra, por que diabos alguém copiaria uma música na clandestinidade?
Sem lenço, sem documento, sem gravadora
O enfraquecimento da indústriafaria com que artistas do porte de Caetano Veloso tivessem de ser independentes e ralar para divulgar seu trabalho
Indústria arruinada
Se o artista não detém nenhum direito sobre sua obra, então não há mais sentido de existirem grandes indústrias para proteger seus direitos. Muito menos para intermediar a compra e a venda do produto de sua criatividade, uma vez que qualquer um poderia copiar e reproduzir a obra. Dentro desse raciocínio, a fábrica de sonhos de Hollywood iria pra cucuia, assim como as grandes gravadoras.
Pulverização da arte
Sem direitos autorais, é possível que a produção cultural fosse maior e mais democrática que nos dias atuais. A cultura seria produzida por muitos e para muitos. Se não há o monopólio da venda e distribuição pelas grandes gravadoras, muito mais artistas vão se sentir à vontade para gravar e vender suas músicas. Qualquer um poderia fazer um filme caseiro e sair por aí vendendo, sem se preocupar em pagar direitos.
Celebridade zero
Se não há Hollywood, a produção independente reina no mundo e todo mundo pode ser um artista em potencial. Assim, não haveria mais espaço para Julia Roberts, por exemplo, ganhar milhões só para se levantar da cama. Talvez Roberto Carlos não fosse o Rei, e sim apenas mais um cantor nas curvas da estrada de Santos. O problema seria as centenas de paparazzi desempregados pelo mundo.
Menos profissionais
Há quem diga que a vida de um artista sem a posse dos direitos de sua obra ficaria um pouco mais difícil. Se qualquer um pudesse copiar um livro de um determinado escritor, como ele provaria sua autoria? E, com isso, de que forma conseguiria fazer sua obra dar lucro? Talvez ele tivesse que se dedicar também a outras atividades para se sustentar, uma vez que viver só de arte ficaria meio complicado.
A obra, não o autor
O interessante dessa história toda seria uma significativa mudança de valores. Ninguém mais se importaria com a autoria de uma determinada obra e sim com a importância dela. O autor passaria a não ser mais o elemento principal, ou seja, o produto da criação não seria uma ferramenta para inflar o ego de ninguém. Para dizer como isso já foi possível, é só voltar no tempo: quem foi mesmo o genial autor que assinou a Bíblia?
Criação coletiva
Se os artistas não estivessem muito preocupados em mostrar ao mundo a sua autoria, é possível que as obras se tornassem, digamos, um tanto interativas. Picasso poderia pintar uma mulher chorando numa tela de Salvador Dali, por exemplo, que mandaria o quadro para seu vizinho mais próximo dar os retoques finais. Ou seja: todo mundo poderia dar um pitaco no trabalho de quem quer que fosse.