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Em busca dos arianos

Hitler colocou arqueólogos para escavar ao redor do mundo. Objetivo: encontrar provas de que os alemães eram descendentes de uma civilização de guerreiros loiros e de olhos azuis

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h28 - Publicado em 31 jul 2008, 22h00

Texto Eduardo Szklarz

Nazistas são personagens centrais no 1º e no 3º filmes da série de cinema Indiana Jones. A bordo de aviões, barcos e motocicletas, eles disputam com o intrépido arqueólogo a busca pela arca da Aliança e o santo graal. Na verdade, essas histórias não são totalmente fictícias. Nos anos 30 e 40, Hitler enviou arqueólogos para vasculhar sítios na Europa, Ásia e Oriente Médio. O objetivo era coletar evidências de que suas terras haviam sido ocupadas, há milênios, por uma raça de guerreiros esbeltos, loiros e de olhos azuis: os arianos. Para o führer, essa era a origem do povo germânico. Só faltava a arqueologia encontrar as provas.

Ao rastrear esses supostos antepassados, o 3º Reich poderia justificar a expansão por seus antigos domínios, povoá-los e perpetuar sua linhagem sobre a Terra. Parece loucura, e foi mesmo: os pesquisadores de Hitler escavaram o norte da Alemanha, saquearam museus na Polônia, analisaram inscrições rupestres da Suécia, vasculharam covas paleolíticas na França, visitaram templos no Iraque e mosteiros nas alturas do Himalaia. Mas afinal: o que eles descobriram?

O plano

Adolf Hitler tinha obsessão pela idéia de raça. Em sua própria visão da história e da Pré-História, ele dizia que os arianos eram os únicos “criadores da cultura” e ansiava por recriar aquela poderosa civilização. Já as “raças inferiores”, como os judeus, deveriam ser eliminadas. Só havia um problema: os cientistas não tinham encontrado nenhuma prova da tal raça que supostamente acendera a tocha do progresso humano. As primeiras cidades, a escrita, belas obras de arte… Tudo parecia vir da Ásia, a milhares de quilômetros dos bosques gelados do norte europeu. E o führer precisava convencer o povo alemão de que essa antiga civilização de fato existira.

Quem encontrou a solução para o dilema do führer foi Heinrich Himmler, chefe da truculenta organização paramilitar SS (Schutzstaffel, ou “Esquadrão de Defesa”). Fiel a Hitler e metido a intelectual, Himmler criou em 1935 o Ahnenerbe, um instituto de pesquisa que produzia provas arqueológicas com fins políticos. Seu nome vinha de um termo alemão que significa “herança ancestral”.

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“O Ahnenerbe recrutou arqueólogos, paleontólogos, historiadores, botânicos e outros especialistas com uma dupla missão: desenterrar evidências dos ancestrais dos alemães e transmiti-las à opinião pública em livros, artigos e congressos científicos”, diz a jornalista canadense Heather Pringle, especialista no assunto e autora do livro The Master Plan (“O Plano Mestre”, sem tradução no Brasil). “Na realidade, essa organização se dedicava à criação de mitos. A tarefa de seus prestigiosos pesquisadores era distorcer a verdade e criar provas para respaldar as idéias raciais de Hitler.”

Mas o que teria motivado essa turma de cientistas a fazer isso? Depende. Alguns integrantes do Ahnenerbe eram ultranacionalistas, outros, racistas declarados. Também havia quem desejasse apenas subir na carreira, pegando carona na megalomania nazista. “Antes de 1933, quando Adolf Hitler chegou ao poder, os principais arqueólogos alemães pesquisavam Grécia e Roma. Os que se interessavam pela pré-história alemã eram considerados de segunda classe”, diz a arqueóloga Bettina Arnold, da Universidade de Wisconsin, nos EUA. “A ascensão do nazismo gerou uma grande mudança: pela primeira vez, havia dinheiro do Estado para financiar pesquisas não apenas em zonas de língua alemã mas em lugares que o governo queria ocupar, como a Polônia.” Portanto, os arqueólogos de Himmler andavam numa corda bamba entre o que ele queria que dissessem e o que realmente descobriam. “A pergunta não é o que os arqueólogos buscavam, e sim o que o Estado estava interessado em encontrar. Ou seja: apenas coisas que fossem úteis a ele”, diz Bettina.

Foi o caso da região de Externsteine, no norte da Alemanha, considerada um santuário de antigas tribos germânicas. Nos anos 30, os nazistas financiaram escavações ali, esperando confirmar essa suspeita. Como não acharam a evidência, eles decidiram fabricá-la: o arqueólogo Julius Andree anunciou ter encontrado uma cerâmica germânica ali. “Investigações posteriores mostraram que a ocupação do local datava da Idade Média. Por isso, a cerâmica de Andree deve ter sido tirada de outro lugar”, diz Bettina. Fraudes como essa geraram uma enorme controvérsia entre os arqueólogos sérios da Alemanha, que temiam pela reputação do país. Mas, com a crescente repressão do Estado, eles tiveram de se calar.

As expedições

A primeira expedição do Ahnenerbe partiu em 1936 rumo ao povoado sueco de Bohuslan, que abrigava 5 mil peças de arte rupestre talhadas em granito na Idade do Bronze. O líder da missão, Herman Wirth, concluiu que as inscrições formavam um antigo texto sagrado nórdico. Wirth seguiu para a jazida de Backa, na Suécia, onde tirou moldes de algumas rochas desenhadas com círculos. Para ele, eram símbolos de origem germânica ligados ao Sol. Depois, foi de barco para Rodoya, uma ilha gelada bem ao sul do Ártico. Ali, estudou a pintura de uma figura humana usando esquis e julgou ser outra “pista” deixada pelos arianos.

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Segundo Heather, a empreitada durou dois meses, custou 12 590 marcos do Reich (aproximadamente R$ 150 mil em dinheiro atual) e marcou a linha de conduta para as missões seguintes: era preciso ser discreto e amável com as autoridades locais, para ter acesso aos sítios, e nunca revelar o real objetivo da viagem.

Em 1936, o líder das SS mandou o erudito finlandês Yrjo von Gronhagen para a Carélia, uma terra remota da Finlândia, famosa por seus rituais de bruxaria. Gronhagen passou semanas em cabanas de madeira gravando cantos mágicos dos anciões, que, segundo ele, continham elementos do idioma original ariano.

Paciente psiquiátrico

“Heinrich Himmler ficou absolutamente fascinado com os relatórios de Gronhagen. Estava convencido de que as Eddas – textos da mitologia nórdica – representavam uma verdade literal e que o martelo do deus Thor era uma sofisticada peça de engenharia elétrica, feita pelos arianos para vencer seus inimigos”, diz Heather. O consultor de Himmler para tradições nórdicas era Karl-Maria Wiligut, um ex-coronel austríaco que posava de místico do 3º Reich e se dizia descendente direto de Thor. Detalhe: Wiligut havia sido paciente psiquiátrico.

Em 1937, outra notícia impressionou os nazistas. Escavando em grutas de Mauern, na região da Baviera, o alemão R.R. Schmidt encontrou um leito terroso tingido por um mineral de tonalidade ocre. Sobre o leito, jazia o esqueleto de um mamute, em boas condições de conservação e coberto com armas e ferramentas de pedra. O animal deve ter feito parte do ritual de um antepassado nosso, o homem de Cro-Magnon – um dos povos mais antigos conhecidos na Europa, que viveu há mais de 40 mil anos e usava ocre em suas pinturas. A descoberta não tinha nenhuma relevância extrordinária, mas causou frisson entre os racistas alemães. Um deles, o eugenista e integrante do partido nazista Hans Friedrich Karl Gunther, declarou que os nórdicos descendiam de uma “raça Cro-Magnon” especial, que teria convivido e, em seguida, lutado com o homem de Neandertal, causando sua extinção há cerca de 30 mil anos. O fato é que o Neandertal realmente conviveu com o Cro-Magnon e, depois, desapareceu. Mas até hoje ninguém sabe o motivo. E não há provas da suposta relação com os nórdicos.

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Sabichões do 3º Reich

Os nazistas também vasculharam o Oriente Médio, em 1938, com a expedição do historiador Franz Altheim e sua amante, a fotógrafa Erika Trautmann. No Iraque, eles analisaram as ruínas de Ctesifonte, antiga capital dos reis persas – que os sabichões do 3º Reich consideravam nórdicos. Mais longe ainda foram Ernst Schafer e Bruno Beger, especialistas em estudos raciais das SS. Eles viajaram até o Tibete para rastrear uma suposta conquista ariana da região do Himalaia. Fotografaram 2 mil tibetanos, mediram 376 deles e tiraram moldes de 17 rostos. Em seu relatório, anotaram os traços nórdicos daquele pessoal: “rosto estreito, nariz proeminente, cabelo liso e a percepção de si mesmos como dominantes”.

Os nazistas também planejaram ir à Bolívia, ao Irã, à Islândia e às ilhas Canárias, mas o plano virou pó com o colapso da Alemanha na 2ª Guerra. “Em 1944, Himmler ordenou ao Estado-Maior que estudasse uma forma de construir uma versão moderna do martelo de Thor: uma gigantesca arma elétrica capaz de inutilizar os sistemas elétricos dos Aliados, desde os radares até o arranque dos tanques”, diz Heather. Foi seu último devaneio. Meses depois, Hitler e Himmler se suicidaram, a Alemanha perdeu a guerra e a arqueologia nazista virou mais um capítulo na história da loucura humana.

Corrida maluca

Expedições que tentaram achar a raça pura

1928 – ARIANOS NOS ANDES

O alemão Edmund Kiss visita Tiwanaku, na Bolívia, e acredita ter encontrado palácios e templos arianos – na verdade, construídos pela civilização inca.

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1936 – CONFINS DA ESCANDINÁVIA

O holandês Herman Wirth vai aos países nórdicos e ao Ártico para decifrar o que acreditava ser a escrita mais antiga do mundo: um alfabeto ariano perdido.

1936 – FEITICEIROS DA FINLÂNDIA

Yrjo von Gronhagen e Fritz Bose percorrem a Finlândia documentando rituais de magia e cantos de feiticeiros que, para eles, tinham origem ariana.

1937 e 1938 – HOMEM DE CRO-MAGNON

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Escavando na Alemanha, o holandês Assien Bohmers encontra vestígios do homem de Cro-Magnon e acredita ter descoberto a origem da raça ariana.

1938 – INVESTIGAÇÕES NO IRAQUE

Os alemães Franz Altheim e Erika Trautmann vão à Itália e ao Iraque em busca de evidências que comprovem a origem ariana dos antigos romanos.

1938 e 1942 – CONQUISTA DO HIMALAIA

Especialista em estudos raciais das SS, o antropólogo alemão Bruno Beger viaja ao Tibete para rastrear a suposta conquista ariana da região do Himalaia.

1942 – IMPÉRIO NO MAR NEGRO

Os alemães Herbert Jankuhn e Karl Kersten viajam pelo Cáucaso e pelo sul da Rússia procurando provas da existência de um império germânico no mar Negro.

1942 – ESQUELETOS DE AUSCHWITZ

O alemão August Hirt estuda esqueletos de judeus vindos de Auschwitz. Um de seus assistentes, Bruno Beger, mede ossos para provar a superioridade da raça ariana.

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