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Fim de uma briga de séculos

Papa entra para a história ao viajar para a Grécia e visitar Christodoulos.patriarca da Igreja Ortodoxa.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h35 - Publicado em 31 Maio 2001, 22h00

Denis Russo Burgierman

No último dia 4 de maio, João Paulo II viajou para a Grécia e foi recebido por Christodoulos, patriarca da Igreja Ortodoxa Grega. Há quem imagine que foi só um outro carimbo estampado no passaporte do santo homem mais viajado da história. Ledo engano. Aquele talvez tenha sido o passeio mais importante da movimentada vida de João Paulo – um momento crucial na milenar história do Cristianismo. Naquele momento, o papa estava pedindo desculpas por uma outra visita católica ao sudeste europeu – essa bem menos amistosa – ocorrida 800 anos antes.

Foi no dia 13 de abril de 1204. Uma tropa de nobres franceses e mercenários venezianos entrou em Constantinopla, atual Istambul – na época, a mais importante cidade cristã do mundo e sede da Igreja Ortodoxa, hoje baseada em Atenas. Os homens vestiam trajes adornados por grandes cruzes, razão pela qual eram denominados cruzados. Eram soldados de Cristo, a caminho do Egito, onde pretendiam derrubar o império muçulmano que ocupava a Terra Santa.

Esses soldados estavam sob o mando do papa Inocente III, que, inocente na história, tinha ordenado explicitamente que ninguém tocasse nas riquezas e relíquias da gloriosa Constantinopla. Afinal, embora a Igreja Católica de Roma e a Ortodoxa de Constantinopla tivessem rompido relações 150 anos antes por disputas políticas e discordâncias doutrinárias, eram ambas cristãs e potenciais aliadas contra o inimigo comum. Mas os cruzados ignoraram as ordens do papa. O que se viu, nos três dias que se seguiram, foram cenas que até hoje envergonham os católicos e revoltam os ortodoxos gregos.

Os cruzados invadiram o monumental templo de Hagia Sophia e destroçaram relíquias sagradas. “O corpo divino e o sangue de Cristo foram atirados ao solo, jogados a esmo”, relatou na época o historiador bizantino Nicetas Choniates. Alguns interpretam essa passagem como um indício de que o famoso Sudário de Cristo, o pano que o envolveu após sua morte, estivesse em Constantinopla e tivesse sido destruído, justamente pelos soldados de Cristo.

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Durante o saque de Constantinopla, 2 000 gregos foram mortos, mulheres foram violentadas, famílias separadas, casas pilhadas, lugares santos profanados, 4 000 ortodoxos vendidos como escravos aos inimigos turcos. Uma prostituta subiu no trono do líder máximo da Igreja Ortodoxa, o patriarca João X, e cantou músicas obscenas.

Os venezianos saíram satisfeitos de Constantinopla: tinham destruído uma de suas maiores concorrentes pelo comércio no Mediterrâneo. A fantástica Basílica de São Marco, uma das maiores atrações turísticas de Veneza, foi erguida com o ouro e as estátuas do saque – não é à toa que ela preserva os mosaicos bizantinos que caracterizavam as igrejas de Constantinopla. A relação entre as duas religiões nunca mais foi a mesma. Até hoje os gregos referem-se ao papa como o “arqui-herege”, ou o “monstro de dois chifres”.

Quando João Paulo II, herdeiro do trono que foi de Inocente III, encontrou-se com Christodoulos, sucessor de João X, chegava ao fim um rompimento de séculos. Depois daqueles violentos dias do século XIII, jamais um papa havia pisado na cidade sede da Igreja Ortodoxa. Claro que não foi suficiente para que todos os ânimos se acalmasem. Mas o dia 4 de maio de 2001 está registrado para sempre nos livros de história, ao lado de 13 de abril de 1204.

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