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Ilha de Páscoa – As testemunhas de pedra

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h27 - Publicado em 26 Maio 2012, 22h00

Pedro Pracchia

Quando, em 1722, o explorador holandês Jakob Roggeveen alcançou, num domingo de Páscoa, uma das regiões mais isoladas do planeta, encontrou poucos, miseráveis e tímidos nativos em barcos precários, pequenos e frágeis emoldurados por um cenário vazio, árido. Encontrou também, em gritante contraste, 887 sofisticadas estátuas de pedra com formas humanas, de até 270 toneladas cada.

Como aquele povo teria chegado ali? Teriam atravessado o Pacífico naqueles barquinhos mambembes? E como, se não tinham madeira resistente, cordas, metal ou máquinas de tração animal ou humana, conseguiram erguer aquelas imagens gigantes, de até 9 metros de altura?

O Grande Pai

Clãs lutavam pelo domínio das ilhas da Polinésia. Ao clã perdedor, restava reunir seus habitantes nos barcos e rumar ao encontro de um novo pedaço de terra. No caso da ilha de Páscoa, um dos pontos habitados mais isolados do mundo, acredita-se que a expedição primordial tenha partido da ilha de Mangareva por volta de 900 d.C. Na tradição oral dos nativos, a história de Páscoa começa quando Hotu Matu’a (“O Grande Pai”) chega à ilha com uma ou duas canoas, sua mulher, seis filhos e alguns familiares. Junto com os colonizadores, teriam vindo mudas de cana-de-açúcar, bananas, inhame, galinhas – e ratos.

Páscoa é formada a partir de três vulcões que se ergueram do mar há milhões de anos. A topografia suave, sem penhascos acentuados, é caminho aberto para fortes ventos oceânicos. O clima é ameno, frio para os padrões polinésios; a baixa temperatura do mar prejudica a formação de recifes de coral e diminui a oferta de peixes e moluscos. Os grandes costados de pedra dificultam ainda mais a pesca. A vida parece nunca ter sido fácil naquele canto do mundo.

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Abundância verde

Se hoje o cenário é desolador, fósseis encontrados recentemente na lava vulcânica revelam que a ilha chegou a abrigar a maior espécie de palmeira do mundo e uma floresta tropical com mais de 21 espécies de grandes árvores. Essa foi a grande fonte de matéria-prima da civilização em seu apogeu.

Nessa época, a sociedade se dividia em 12 clãs. Eles compartilhavam pacificamente os recursos naturais da ilha. A competição se resumia à fabricação das estátuas (os moais). Os moais representavam membros mortos das elites dos clãs. Eram enfileirados sobre ahus, uma base de pedras planas. Ao longo da história da ilha, o tamanho dos moais foi aumentando, o que sugere um acirramento na competição entre os clãs ou um maior apelo aos deuses. A locomoção dos moais, acredita-se agora, era feita de forma parecida com a das grandes canoas havaianas: por um trenó e um sistema de trilhos paralelos de madeira, 50 a 500 pessoas puxavam toneladas de pedra. O maior segredo, na verdade, era sincronizar os esforços.

O auge da construção dos moais foi entre 1400 e 1600, período em que o consumo de alimentos aumentou 25%. As estátuas requeriam, além de “combustível” para os trabalhadores, quilômetros de cordas grossas feitas de cascas de árvores, muita madeira para os trenós, trilhos e alavancas. As árvores também eram derrubadas para a construção de canoas, com as quais os homens se lançavam ao mar em busca de peixes e golfinhos. Eram também usadas nas fogueiras com as quais aqueciam os corpos, preparavam a comida e cremavam os mortos.

A queda

O desmatamento desenfreado teve impactos profundos na ilha. As poucas aves marinhas que não foram extintas pela caça predatória do homem e dos ratos migraram. Erosões no solo dificultavam o plantio. Em 1500, já não havia mais árvores para a construção de canoas e por isso a pesca de peixes grandes despencou. Até mesmo os anzóis feitos de ossos de peixe desapareceram.

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O cenário de crise aumentou a tensão entre os clãs. Por volta de 1680, explodiram guerras civis, e os clãs começaram a derrubar as estátuas dos rivais (quando os europeus chegaram, as estátuas estavam no chão). As pedras dos sagrados ahus foram profanadas e usadas como barreira para tentar evitar que o vento varresse novas plantações. Nobres e sacerdotes já não conseguiam justificar seus status junto aos deuses, e foram eliminados por uma milícia (os matatoas) que assumiram o poder na ilha.

Os matatoas adotaram um deus menor do antigo panteão e começaram a desenhar homens-pássaros e genitais femininos nos antigos moais, representando a nova divindade. Faminta, a sociedade se degradou até o canibalismo – foram encontrados ossos humanos quebrados nos lixos residenciais, indicando que os sobreviventes procuravam o tutano dos cadáveres. Muitos foram morar em cavernas.

Em 1700, 70% da população de Páscoa tinha desaparecido. No lugar dos imensos moais, escultores agora faziam pequenas estátuas (os moais kavakava) que mostram pessoas famintas, com o rosto fundo e as costelas à mostra.

Quando Roggeveen chegou à ilha, iniciou uma segunda fase de extinção. As epidemias de doenças trazidas com os europeus e, mais tarde, os sequestros de insulares para trabalhar como escravos no Peru terminaram de dizimar a população. Entre 1862 e 1863, cerca de 1500 pessoas (metade da população) foram sequestradas. Com a chegada dos missionários católicos, em 1864, o pouco de tradição oral que restava foi perdido. Em 1872, havia apenas 111 habitantes (em seu auge, em 1400, estima-se que a população da ilha era de 15 mil pessoas). Páscoa foi anexada ao Chile em 1888, mas apenas em 1966 os insulares passaram a ser cidadãos chilenos. Os moais, restaurados, são hoje o símbolo do apocalipse de seu povo.Causado por ele mesmo.

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