Lanternas mágicas e estereoscópios: a Netflix do século 19
Pesquisador descobre que retroprojetores primitivos podiam ser alugados na Inglaterra vitoriana para exibir histórias em quadrinhos na parede de casa
Achou que antes da invenção TV as pessoas passavam o dia todo lendo Shakespeare e debatendo filosofia? Achou errado. No século 19, muito antes do tubo de raios catódicos agraciar os lares com quatro novelas diárias, as famílias de classe média europeias se distraiam com duas engenhocas: a lanterna mágica e o estereoscópio.
Lanterna mágica é o seguinte: lembra daqueles retroprojetores que eram usados na década de 1990 para exibir slides – as famosas transparências – em reuniões de trabalho ou na escola? Pois é: a lanterna mágica é uma versão mais antiga deles.
Se você é novo demais para ter visto um retroprojetor na vida – caso dos menores de 18 de plantão –, basta entender que ele é um PowerPoint analógico, que envolve acender uma lâmpada atrás de uma foto impressa em plástico translúcido para exibi-la na parede. As lanternas mágicas do século 19 eram usadas de maneira que cada slide fosse um quadrinho de uma história.
Se a lanterna mágica era uma mistura primitiva de HQ e cinema, os estereoscópios foram os pioneiros da exibição 3D e da realidade aumentada. Eles eram óculos especiais em que duas cópias de uma mesma paisagem, desenhadas de pontos de vista ligeiramente diferentes, eram colocadas cada uma na frente de um dos olhos do observador.
Nossos olhos e o cérebro fazem o resto do serviço e juntam as duas cenas em uma só, que aparenta ser tridimensional. Pura ilusão de ótica.
Os dois equipamentos eram considerados tecnologia extremamente avançada para a época, e só eram acessíveis às classes mais altas. Mas John Plunkett, pesquisador de Letras da Universidade de Exeter, no Reino Unido, analisou anúncios de jornais antigos e descobriu que alguns empreendedores viram potencial em democratizar a ideia. Eles alugavam lanternas mágicas e estereoscópios – acompanhados de centenas de slides – para quem não podia ter o equipamento em casa, mas queria se divertir.
A atração era popular em festas de aniversário infantis ou datas comemorativas como o Natal – e o usuário que estivesse disposto a pagar um pouco mais pelo aluguel ganhava direito a um operador, que ia em casa passar os slides para ninguém da família precisar ficar em pé.
“Da década de 1840 em diante, lojas de material de papelaria e fotografia suplementavam sua renda alugando equipamento de visualização e conteúdo. Muitas das lanternas mágicas eram feitas e operadas pelos especialistas”, explicou Plunkett em comunicado. “Exatamente como a Netflix faz hoje, como as lojas que alugavam fitas VHS e jogos de videogame no passado, essa era uma forma de acessar muito mais conteúdo do que você jamais seria capaz de comprar.”
Nas grandes cidades inglesas, assinar uma biblioteca de slides por um mês custava cerca de 5 shillings. Por um ano, uma libra e um shilling. Um cálculo rápido, que leva em consideração apenas a inflação entre 1840 e 2017 e a cotação atual da libra, revela que a assinatura anual equivalia a cerca de 525 reais, e a mensal, 125 reais. Netflix sai bem mais em conta – mesmo na Inglaterra.