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Maias – O último calendário

Existe uma data para o fim do mundo, mas faltou combinar com os maias

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h28 - Publicado em 26 Maio 2012, 22h00

Evanildo da Silveira

Pela enésima vez o mundo tem data para acabar. Na próxima, o fim dos tempos está marcado para o dia 21 de dezembro de 2012. Era o que deveria ter acontecido no ano 1000 e depois em 2000 e em várias outras datas ao longo da história da humanidade. Mesmo que todas as previsões anteriores tenham falhado – tanto que você está lendo este texto – novas não param de aparecer. A base para elas são variadas e diversas, mas quase sempre se apóiam em lendas e mitos de povos antigos. A da hora teria sido feita pelos maias, civilização que floresceu na chamada Mesoamérica – região que hoje abrange os atuais México, Guatemala, El Salvador, Honduras e Belize – entre os séculos 2 e 9.

A ideia de que o mundo vai acabar no ano que vem é um fenômeno mundial e tem gerado discussões pelo planeta afora. Zilhões de páginas impressas e bytes tratam do assunto. São livros, artigos, reportagens, vídeos, blogs, sites e até uma megaprodução hollywoodiana – o filme-catástrofe 2012, que chegou às telas em 2009. A obra foi dirigida por Roland Emmerich, que tem em seu currículo filmes como Independence Day (1996), Godzilla (1998) e O Dia Depois de Amanhã (2004). Ou seja, o fim dos tempos parece ser ideia fixa do diretor. Baseado numa suposta previsão feita pelos maias, o enredo do filme é de assustar. Na trama, o núcleo da Terra é bombardeado por neutrinos, partículas sem massa oriundas do centro do Sol, o que faz com que ele se aqueça de forma rápida e anormal. Isso provoca um deslocamento da crosta terrestre, levando a consequências apocalípticas. O estado americano da Califórnia, por exemplo, é jogado no Oceano Pacífico; o supervulcão adormecido de Yellowstone, também nos Estados Unidos, entra em erupção; grandes terremotos sacodem o planeta e vários megatsunamis varrem do mapa cidades costeiras, como o Rio de Janeiro.

O único problema é que os maias não previram nada disso. Assim como não previram a sua própria decadência e fim como civilização, nem a chegada dos conquistadores espanhóis, liderados por Hernán Cortez. Na verdade, eles não acreditavam no fim do mundo. “Não há registros de uma preocupação deles com o final dos tempos”, assegura a professora de História da América Etiane Caloy, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). “Eles lidavam com um tempo cíclico, com vários ciclos que se encerrariam dando lugar a outros ciclos. Como exemplo e comparação, podemos falar do nosso Ano Novo: a data de 31 de dezembro é o final de um ciclo que dá início a um novo ano, somente isto.” Em resumo: 2012 não é a data do fim do mundo.

A mitologia maia também ignorava solenemente o assunto. “Eles não tinham lendas nem mitos tratando do fim do mundo”, garante o arqueólogo Alexandre Guida Navarro, professor de História da América da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que já realizou várias escavações em sítios arqueológicos maias, como o de Chichén Itzá, no México. “Ao contrário, os mitos desse povo estão repletos de situações que privilegiaram a criação do universo, dos seres vivos e dos deuses responsáveis por esse acontecimento, mas desprezaram questões associadas à destruição. Eles não acreditavam no fim do mundo simplesmente porque, para essa civilização, o mundo não tinha fim. Ao contrário, ele estava em constante transformação.”

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Isso parece se confirmar na concepção de mundo das comunidades maias atuais – sim, elas ainda existem, principalmente na Guatemala. Em vários anos realizando trabalho de campo, em contato direto com o que resta desse povo, Navarro, que é pós-doutor em arqueologia histórica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), nunca ouviu referências ou histórias sobre o fim dos tempos. “Nenhum maia contemporâneo fala sobre isso”, diz. “Nenhuma comunidade atual tem essa ‘memória’ do fim do mundo. É mais uma evidência de que foi uma criação ocidental para atrair o público a temas especulativos e que não contribuem para o entendimento da complexidade que teve essa civilização.” A questão é o que calendário maia acaba em 21 de dezembro do ano que vem. Talvez tenha sido apenas falta de tempo para esculpir em pedra sua continuação.

Mas então, de onde surgiu a ideia de que esse povo previu o fim do mundo exatamente para o dia 21 de dezembro de 2012? Provavelmente do calendário deles. Ou melhor, calendários: os maias tinham mais de um. E pelo menos um deles nem era exclusivo dessa civilização, mas comum a outros povos mesoamericanos. O fato é que eles tinham um sentido histórico muito apurado em relação ao seu dia a dia, além de uma grande preocupação em medir a passagem do tempo. Todos os eventos políticos e religiosos importantes, como a fundação das cidades, a coroação dos reis, o surgimento de novas dinastias ou as vitórias militares decisivas, por exemplo, eram registrados detalhadamente.

Eles tinham uma concepção circular ou cíclica do tempo e, a partir da observação dos astros, elaboraram calendários complexos e precisos. Um deles é solar, chamado Haab ou Haab’, formado por 18 meses de 20 dias cada, totalizando, portanto, 360 dias. A esses, se somam mais cinco dias, formando um mês, conhecido como Wayeb, que acreditavam estar associado a maus augúrios. Ou seja, um ano de 365 dias, como o do mundo ocidental de hoje. Havia ainda um calendário religioso chamado Tzolkin, ou Tzolk’in, composto por 13 meses de 20 dias, isto é, 260 dias. Era o mais importante, porque regia a vida do povo, as cerimônias religiosas e a organização das tarefas agrícolas.

Segundo Navarro, esses calendários não funcionavam separadamente, mas sim em conjunto, formando um tipo de engrenagem em que um dependia do outro para “girar”. Assim, o primeiro dia do primeiro mês de cada um deles só voltava a se repetir depois de 52 anos, dando origem a um terceiro calendário, que é a chamada Roda Calendárica (por causa da metáfora com a engrenagem). Nesse sentido, o fim de uma Roda Calendárica representava o término de um ciclo de 52 anos, mas não o fim dos tempos. O mundo passaria, então, apenas por um período de transformação, remodelação, reestruturação ou reconfiguração. É dentro desse contexto que eles destruíam seus templos e construíam outros em cima ou, então, derrubavam parte dele e erguiam outro sobre a estrutura que já existia. “As pirâmides maias, por exemplo, são como fatias de bolo, pois apresentam várias camadas internas que correspondiam às remodelações que os edifícios sofriam, quando terminava um período do calendário de 52 anos”, explica Navarro. Nesse momento, os rituais e cerimônias religiosas se intensificavam. Tudo isso tinha somente um único objetivo: garantir o equilíbrio cósmico.

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Quando uma Roda Calendárica terminava, os maias realizavam rituais associados a derramamento de sangue, como os sacrifícios. “Para nós, essa ideia pode parecer absurda e cruel, mas para eles fazia parte de seus sistemas religioso e cultural, porque o sangue é o líquido vital, foi com ele que os deuses construíram os seres vivos e parte do universo”, esclarece Navarro. “O sangue garantia a continuidade da vida no planeta, por isso eram realizados os sacrifícios humanos.” E não eram poucos. Em dias de rituais, centenas de pessoas podiam ser sacrificadas aos deuses, por meio da decapitação ou cardiotecmia (retirada do coração ainda pulsando do peito da vítima).

Além disso, o que demonstra como o sangue era importante para a civilização maia, os próprios reis ou governantes se autossacrificavam, em rituais nos quais perfuravam os órgãos genitais e as orelhas, com o objetivo de ofertar sangue às divindades. Para resumir, esses dois calendários, que levam à formação da Roda Calendárica, chegavam em seu clímax com o término de um ciclo de 52 anos, que requeria revitalização das cidades e do poder político, com a oferta de sangue aos deuses com o objetivo de garantir a vida humana no planeta. Em nenhum momento, como lembra Navarro, esses calendários abordaram ou previram o fim do mundo. Ao contrário, são símbolos de renovação. No mundo maia nada termina, tudo se transforma.

Mas onde, afinal, está a explicação para o suposto fim do mundo em 2012? Provavelmente num outro calendário, chamado de Longa Contagem, que tem um ciclo de 5 125,37 anos. Nele, as datas eram compostas de uma combinação de cinco algarismos, começando em 0.0.0.0.0.

Esses números aumentam da direita para a esquerda. Depois de 1 milhão e 872 mil dias – ou os 5 125,37 anos -, a marcação voltava a zerar. Esse período equivalia para os maias a um Grande Ciclo ou Era. Não significava o fim do mundo, mas um momento em que ele seria renovado pelos deuses.

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No século 20, foi descoberta a correspondência entre esse calendário e o gregoriano, que usamos hoje. Constatou-se que a “data zero” dos maias coincidia com o dia 11 de agosto de 3114 a.C. Não se sabe por que essa data marca o início da Longa Contagem, mas acredita-se que ela se refira a um evento mítico. De qualquer forma, o ciclo se encerrará justamente no dia 21 de dezembro de 2012. Daí, para os místicos e crédulos em geral associarem essa data ao fim dos tempos, foi um átimo. Mas eles podem estar sendo vítimas de uma peça pregada pelo avanço das pesquisas nesse campo. Já há estudiosos que contestam o cálculo da correspondência entre a Longa Contagem e o calendário gregoriano.

Num artigo publicado no livro Calendars and Years II: Astronomy and Time in the Ancient and Medieval World, o professor da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, Gerardo Aldana, coloca em dúvidas as conversões aceitas atualmente do calendário maia para o gregoriano. Segundo ele, elas podem estar erradas por um período entre cinco e dez anos. Pode não parecer muito, mas coloca em cheque a precisão da previsão do fim dos tempos exatamente para 21 de dezembro do ano que vem. Segundo o pesquisador, o problema estaria na veracidade dos documentos utilizados nos cálculos. Ao que parece, portanto, ainda não será desta vez que tudo se acabará. O que não terá fim, com certeza, é a busca que os crentes no apocalipse farão por uma nova data para que suas profecias se concretizem.

Era para acabar em…
Previsões furadas sobre o apocalipse

1000
O mundo teria fim mil anos depois do nascimento de Cristo

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1553
O mundo seria consumido pelas chamas

1736
Previsão do teólogo William Whiston

1881
Egiptólogos cravaram que seria o fim dos tempos

1914
O fim, segundo os Testemunhas de Jeová

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1982
Astrônomos previram um cataclismo

2000
O mundo teria fim 2 mil anos depois de Cristo

Dança dos números
A confusão entre maias e astecas

Existe uma grande confusão hoje em dia com relação ao calendário maia. Aquele que vem sendo divulgado, na maioria dos casos, como sendo dessa cultura, na verdade pertence a outro povo, o asteca, que viveu séculos depois e cuja maneira de contar o tempo era diferente. Basicamente, os maias tinham dois calendários: Tzolkin, ou Tzolk’in, composto por 13 meses de 20 dias, isto é, 260 dias; e o Haab ou Haab’, formado por 18 meses de 20 dias cada, ou seja, 360 dias. Havia um terceiro, cujo ciclo era de cerca de 5 125 anos, do qual teria surgido a previsão de que o mundo acabará em 2012. Mas, segundo o especialista em cultura maia Alexandre Navarro, esse calendário não foi sistematizado por esse povo. “Ele é mencionado em poucas fontes”, diz. “Os maias nunca se preocuparam em registrá-lo de maneira organizada. É diferente do calendário asteca, no qual está tudo bem explicado.” No final de março, José Luis Romero, do Instituto Nacional de Antropologia e História do México, apresentou a pedra do calendário maia na cidade de Tabasco. “Em nenhum de seus lados diz que em 2012 o mundo vai acabar”, afirmou. “No pouco que se pode ler, os maias se referem à chegada de um senhor dos céus, coincidindo com o encerramento de um ciclo numérico”, disse Romero.

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