Marcas misteriosas em cavernas podem ser a forma de escrita mais antiga até agora
Longe de um alfabeto e mais semelhantes a um calendário, os símbolos ajudavam os humanos a acompanhar o período de acasalamento dos animais da época.
Um estudo de símbolos peculiares em paredes de cavernas afirma que humanos primitivos podem ter inventado um jeito de registrar os hábitos dos animais que caçavam. Caso a hipótese seja confirmada, o marco da primeira aparição de um sistema de proto-escrita seria adiantado em, pelo menos, 10 mil anos.
Mais de 400 cavernas na Europa, entre famosas como Lascaux, Chauvet e Altamira, possuem pinturas nas paredes desenhadas por grupos de Homo sapiens. Além dos desenhos da fauna da época, há alguns símbolos gráficos, como linhas, cruzes, pontos e asteriscos, cujos significados ainda são um mistério.
Uma característica que se repete ao longo das representações é ter esses símbolos acompanhando a imagem de um animal. Eles também são encontrados em vários objetos portáteis, como ossos esculpidos.
No estudo, os pesquisadores descobriram que as marcas registram informações numéricas associadas à passagem de tempo. Diferentemente da escrita cuneiforme que surgiu na Suméria a partir de 3.400 a.C., esses sinais eram mais uma espécie de calendário do que uma transcrição de fala.
Os arqueólogos referem-se a eles como um sistema de ‘proto-escrita’, que é anterior a sistemas baseados em algarismos e símbolos elaborados que surgiram durante o período Neolítico do Oriente Próximo.
Ben Bacon, pesquisador independente que liderou o estudo, compilou um banco de dados de imagens de animais e seus símbolos associados e procurou por padrões; primeiro em planilhas e, em seguida, usando ferramentas estatísticas.
Entre as mais de 800 representações de animais que tinham esses sinais, Bacon notou que certos padrões eram particularmente comuns. Os cavalos, por exemplo, normalmente tinham três marcas, enquanto os mamutes tinham cinco. Em 256 dos casos as marcas tinham um símbolo “Y”, que normalmente ficava na segunda posição da sequência.
Com a ajuda de pesquisadores da Durham University e University College London, no Reino Unido, ele elaborou uma hipótese do que esses padrões podem significar.
Analisando hábitos reprodutivos das espécies representadas, entre elas veados, auroques, mamutes e cavalos, eles descobriram que as marcas eram um calendário lunar que começava no início da primavera, com cada linha ou ponto denotando um mês.
O número de marcas em uma sequência mostra quantos meses após o início da primavera começou a estação de acasalamento de um determinado animal, enquanto a posição da marca Y denota o mês em que eles deram à luz.
“É exatamente o tipo de coisa que eu esperaria que os caçadores-coletores do Paleolítico registrassem”, conta Paul Pettitt, um dos envolvidos no estudo. “Se alguma coisa valesse a pena registrar fora da memória, seriam os animais, particularmente as épocas do ano em que essas presas, críticas para a sobrevivência, seriam agregadas e preocupadas com o acasalamento e o nascimento. Faz todo o sentido.”
O calendário primitivo parece ter sido usado por um período de pelo menos 10 mil anos e em diferentes regiões da Europa, como as atuais Espanha e França, além da região da Europa Central. Assim como a escrita, esses registros permitiriam a transmissão de conhecimento ao longo de várias gerações.
“Nosso estudo mostra que os caçadores-coletores da Era do Gelo foram os primeiros a usar um calendário sistemático e marcas para registrar informações sobre os principais eventos”, acrescenta Pettitt. “Por sua vez, também podemos mostrar que essas pessoas, que deixaram um legado de arte espetacular nas cavernas de Lascaux e Altamira, também deixaram um registro de cronometragem primitiva que acabaria se tornando tão comum na nossa espécie”.