O conclave que (quase) dividiu a Igreja Católica em duas
A Igreja Católica deve decidir um novo líder em breve. Em 1378, uma dessas eleições dividiu a instituição – e dois Papas lideraram ao mesmo tempo.

Papa Francisco, líder mundial da Igreja Católica Apostólica Romana, faleceu na última segunda-feira, aos 88 anos. Agora, os cardeais católicos devem se reunir, provavelmente a partir do dia 6 de maio, para escolher o novo pontífice da Igreja.
Enquanto o novo Papa não é escolhido, a Igreja está sob a autoridade do cardeal Kevin Joseph Farrell, o atual camerlengo (responsável por administrar a propriedade e as receitas da Igreja). É ele quem está organizando o próximo conclave, a eleição secreta para decidir quem será o líder da Igreja.
Esses processos de escolha papal começaram em 1274. Antes disso, a sucessão demorava para acontecer: entre a morte de Clemente IV e a eleição de Gregório X se passaram três anos, a eleição papal mais longa da história da Igreja. Por causa da demora, Gregório pensou em regras para facilitar o processo, muitas usadas até hoje.
Não é fácil escolher um pontífice. Essas reuniões são marcadas por profundos desejos espirituais e interesses políticos conflitantes que se cruzam e complicam a votação, que acontece dentro da Capela Sistina pintada por Michelangelo e Rafael.
O que dá para ter (quase) certeza é que o próximo conclave não será tão complexo e caótico como o de 1378, que dividiu a Igreja em duas e sagrou um Papa e um antipapa.
Não confunda os cismas
Cuidado: você não deve confundir o Grande Cisma do Ocidente, também conhecido como Cisma Papal, com o Grande Cisma (que, para evitar confusões, alguns historiadores chamam de Cisma Oriente-Ocidente).Os nomes são muito parecidos. Mas quase 400 anos separam os eventos.
Em 1054, a Igreja se dividiu em Católica Apostólica Romana e Católica Ortodoxa. Depois da queda de Roma como capital do Império Romano, as comunidades cristãs do Ocidente e do Oriente foram se afastando, divergindo em opiniões teológicas e alianças políticas. Enquanto a Igreja ocidental se aproximava do Sacro Império Romano-Germânico e da cultura de alguns dos povos bárbaros da Europa, a Igreja oriental era próxima do Império Bizantino e da tradição grega.
No século 11, a treta culminou na excomunhão mútua dos líderes das instituições cristãs do Oriente e do Ocidente. Desde então, essas duas Igrejas continuaram divididas. O recém-falecido Papa Francisco foi um dos pontífices católicos que mais trabalhou na direção de uma união ecumênica das tradições romana e ortodoxa. Em 2016, ele se encontrou com o Patriarca de Moscou, Cirilo I, em Cuba. Foi a primeira vez que um líder da Igreja Ortodoxa russa e um Papa católico se encontraram em quase mil anos.
Alguns séculos depois, em 1378, a Igreja ocidental quase se dividiu de novo – mas por motivos um pouco menos espirituais do que discordâncias sobre o Espírito Santo.
Durante a maior parte do século 14, o Papa se mudou: sua residência saiu de Roma e foi para Avinhão, na França. Os líderes católicos ficaram em terras francesas de 1309 até 1377. Tudo porque o Papa Clemente V foi forçado pelo rei francês Filipe, o Belo (bom nome para entrar na história) a se mudar para sua área.
Em 1377, o Papa Gregório XI levou o papado de volta para Roma, por desejo da população italiana. Mas ele morreu logo depois, em 1378. Começou o conclave para escolher seu sucessor, e o eleito foi Urbano VI. Ele não fazia parte do Colégio dos Cardeais, e foi o último pontífice a ser escolhido fora desse grupo seleto. Sua eleição ocorreu por pressão da população romana, que queria um italiano no poder para manter a residência papal em Roma.
Assim que chegou ao poder, Urbano VI se mostrou autoritário e intempestivo, rapidamente acumulando inimigos. Parte do Colégio dos Cardeais, especialmente os de origem francesa, resolveram se voltar contra o Papa e convocar um novo conclave para substituí-lo.
Em setembro de 1378, cinco meses depois da eleição de Urbano VI, os cardeais majoritariamente franceses elegeram um novo líder católico: Roberto de Genebra, que escolheu para si o nome Clemente VII.
Oficialmente, Clemente VII nunca foi Papa. Ele é considerado um antipapa, alguém que questionava a autoridade do bispo de Roma e reivindicava o título para si. Ele não foi o único a fazer isso: durante a Idade Média, cerca de 40 pessoas fizeram a mesma coisa.
Clemente VII se estabeleceu na França, em Avinhão, onde a residência papal tinha passado os últimos quase 70 anos. Começou assim o Grande Cisma do Ocidente: dois homens que diziam ser o Papa reivindicando a autoridade sobre a Igreja.
Como se já não estivesse complicado o suficiente, em 1409 apareceu um segundo antipapa, na cidade de Pisa. O conflito não era só religioso: o pontífice de Roma era apoiado pela maioria dos estados italianos e alemães, pela Inglaterra e por Flandres. O antipapa de Avinhão era apoiado pela França, Espanha e Escócia, além das nações menores aliadas da França.
Clemente VII morreu em 1394 e foi sucedido pelo antipapa Bento XIII. Sem o apoio de boa parte da instituição católica, Bento também foi perseguido na França e passou alguns anos preso. Foram várias tentativas diplomáticas e religiosas para acabar com a confusão papal, mas tudo só se resolveu em 1417.
O Concílio de Constança, realizado entre 1414 e 1418 na cidade de mesmo nome, na atual Alemanha, conseguiu demitir os três Papas que rivalizavam entre si: Bento XIII, Gregório XII (que estava como líder em Roma) e João XXIII, outro antipapa que atuava a partir de Pisa. A reunião da Igreja Católica conseguiu acabar com o Cisma Papal e restaurar a unidade na instituição depois de 29 anos.
No concílio, os cardeais elegeram um novo Papa para substituir os três que reivindicavam o título: Martinho V foi o escolhido para restaurar a harmonia da Igreja. Deu certo: foi o fim do Cisma do Ocidente. Desde então, a Igreja não se dividiu mais por causa de um conclave. A história parece gostar de coincidências: exatamente 100 anos depois, um outro Martinho, de sobrenome Lutero, começaria a Reforma Protestante, que dividiria alguns grupos cristãos de forma definitiva.