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O plano nazista para roubar a Amazônia

Conheça o projeto Guiana, o plano alemão de invadir a maior floresta do mundo – que incluía a construção de hidrelétricas e a exploração de minerais

Por Emiliano Urbim
Atualizado em 29 jan 2021, 15h59 - Publicado em 21 nov 2017, 17h30

Em um cemitério de Laranjal do Jari, no Amapá, uma sepultura se destaca. Trata-se de uma cruz de madeira com dois metros de largura, três de altura e suástica no topo. Abaixo do símbolo nazista, palavras em alemão informam: “Joseph Greiner faleceu aqui em 2-1-36 de morte febril em serviço de exploração para a Alemanha. Expedição Jari, 1935-1937”. Durante 17 meses, alemães exploraram o afluente do Amazonas com fins científicos – entre eles, Greiner. E seu líder, Otto Schulz-Kampfhenkel, foi além: elaborou um plano de invasão e colonização da Amazônia pelo norte do Brasil, que foi apresentado aos comandantes do Terceiro Reich. Se o seu Projeto Guiana tivesse vingado, o Amapá seria invadido por soldados de Hitler.

Schulz-Kampfhenkel, nascido em 1910, era geógrafo, explorador, escritor e produtor de filmes. Em 1931, aos 21 anos, liderou uma expedição à Libéria, na África, de onde levou vários animais (vivos e mortos) para o Zoológico de Berlim e colecionadores. Seu livro sobre a empreitada fez sucesso, e o jovem Otto ganhou moral entre os nazistas, recém-chegados ao poder e interessados em mandar pesquisadores para os quatro cantos do planeta. Sim, aqueles vilões dos filmes do Indiana Jones têm um fundo de verdade. Heinrich Himmler, chefe da SS, a tropa de elite nazista, tinha predileção por excursões exóticas. Principalmente se visse nelas relação com suas pirações ocultistas: Himmler acreditava que, com os pesquisadores certos, provaria a existência de Atlântida e do martelo de Thor e sua conexão com as origens da tal “raça ariana”. O chefe da SS bancou expedições para lugares como Tibete, Antártida e Cáucaso. Obedientes, os pesquisadores sempre voltavam com supostos indícios que reescreviam a história segundo as teorias nazistas.

Em 1935, Schulz-Kampfhenkel foi encarregado da Expedição Jari: além de buscar indícios de arianos na América do Sul, mapearia a região. O geógrafo, que nesse meio tempo havia se tornado aviador, veio com outros dois pilotos: Gerd Kahle e Gerhard Krause. Sem se preocupar com excesso de bagagem, o trio trouxe 11 toneladas de suprimentos, munição para 5 mil tiros e um avião. Os alemães chegaram ao Rio de Janeiro em junho, mas perderam dois meses enredados em labirintos burocráticos. Apoio oficial não faltava: naquela época, militares, cientistas e membros do governo Vargas expressavam sua admiração pelos novos rumos da Alemanha. Os exploradores precisavam de alguém versado no jeitinho brasileiro e chegaram ao marinheiro Joseph Greiner, um Auslandsdeutscher (alemão criado no exterior). Havia anos no Brasil, Greiner ficou encarregado das bagagens, alimentação e contratação de mão de obra local.

Selva infernal

A imprensa saudava a empreitada. Em 9 de agosto de 1935, o jornal carioca Gazeta de Notícias publicou uma matéria em que “a sensacional expedição ao Jari” recebia “os mais francos aplausos”. Schulz-Kampfhenkel era descrito como “uma expressão brilhante da moderna geração que ora está surgindo cheia de vida e coragem, disposta a derrubar os obstáculos que entravam a marcha da civilização”. A voz contrária foi de Curt Nimuendaju, alemão que vivia em Belém trabalhando para o Serviço de Proteção aos Índios, atual Funai. Considerado por Darcy Ribeiro “o pai da antropologia brasileira”, ele foi convidado a se juntar aos pesquisadores, mas recusou. Motivo: odiava nazistas.

Os alemães trouxeram o avião para fazer fotos aéreas. Quando a aeronave pifou, o jeito foi exigir o máximo de seus caboclos para percorrer longas distâncias a pé – o Jari, rio raso e com fundo repleto de pedras, era de difícil navegação. Para chegar até a fronteira com a Guiana Francesa, destino final dos alemães, foi preciso contar com o serviço de tribos locais. Os pesquisadores acabaram desenvolvendo uma relação próxima com os índios aparaí. Segundo algumas fontes, até próxima demais: Schulz-Kampfhenkel teria engravidado uma índia.

Com o tempo, a selva foi cobrando seu preço. O calor era imenso, a chuva, paralisante. Todos tiveram malária, Schulz-Kampfhenkel desenvolveu difteria e uma febre misteriosa acabou matando Greiner, posteriormente homenageado com a cruz. Ao final da expedição, em 1937, os pesquisadores enviaram para a Alemanha peles de 500 mamíferos diferentes, centenas de répteis e anfíbios e 1.500 objetos “arqueológicos” – aspas porque tratava-se de uma arqueologia fraudulenta que buscava reescrever a história segundo os nazistas. Além disso, foram produzidas 2.500 fotografias e 2.700 metros de filme 35 mm, que resultariam no documentário Rätsel der Urwaldhölle (“Enigma da Selva Infernal”), que Otto lançou em 1938 junto com um livro de mesmo nome. Com muitas imagens e precisas descrições de paisagens, a obra vendeu incríveis 100 mil exemplares na época.

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Conquista e colonização

A expedição científica, apesar de pouco conhecida, nunca foi segredo. A revelação é que aquela empreitada inspirou um plano nazista para ocupar parte da Amazônia – usando o Brasil como porta de entrada. A estratégia concebida por Schulz-Kampfhenkel é detalhada no livro Das Guayana-Projekt – Ein deutsches Abenteuer am Amazonas, (“O Projeto Guiana – Uma Aventura Alemã no Amazonas, sem edição brasileira), de Jens Glüsing, correspondente da revista alemã Der Spiegel no Brasil.

O geógrafo best-seller, recém-filiado à SS, bolou o plano de conquista ao voltar para a Alemanha. Com a 2a Guerra estourando em 1939 e os nazistas empilhando vitórias, viu a oportunidade de voltar à Amazônia. Desta vez, no entanto, como conquistador das três Guianas: a Francesa, a Holandesa (hoje Suriname) e a Britânica (hoje simplesmente Guiana). No documento, Schulz-Kampfhenkel afirmava: “a tomada das Guianas é uma questão de primeira importância por razões políticoestratégicas e coloniais”. Os soldados nazistas entrariam pela região que ele conhecia, onde hoje é o Amapá.

A conquista começaria sem alarde: uma tropa de 150 homens subiria o Rio Jari para chegar a Caiena, capital da Guiana Francesa. Ao mesmo tempo, pequenas embarcações e dois submarinos atacariam a costa da Guiana Britânica. Situada entre esses dois territórios, a Guiana Holandesa cairia na sequência. Uma vez dominada, a região serviria como base para um futuro ataque ao Japão via Canal do Panamá – curiosamente, os EUA não entravam na equação.

Na avaliação do pesquisador, nenhum dos países vizinhos impediria a invasão – como argumento, citava o apoio que recebeu durante sua primeira viagem no Brasil. Para ele, aquilo não era assunto de sul-americanos, mas de europeus, uma simples troca de colonizadores. O pesquisador ainda argumentava que a baixíssima densidade demográfica e sua amizade com as tribos locais garantiria a conquista germânica. “O plano parece romântico, mas é factível”, defendeu Schulz-Kampfhenkel. No livro em que revela a estratégia do compatriota, Glüsing escreve que o nazista não queria apenas participar da invasão; ele sonhava em governar a futura Guiana Alemã.

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O documento parece ter circulado dentro da SS. Em 3 de abril de 1940, um oficial chamado Heinrich Peskoller escreveu uma carta para Himmler dizendo que Adolf Hitler deveria tomar as Guianas por seu subsolo. “Na Guiana Britânica, a extração de ouro e diamante é mantida em baixa para não atrapalhar o mercado sul-africano (dominado também por ingleses). Nas mãos do Führer, cada metro quadrado de solo poderia ser em pouco tempo explorado pela grande Alemanha”, escreveu o oficial. “O empenho e a técnica alemã poderiam domar as inúmeras cachoeiras na forma de usinas hidrelétricas colossais. Todo o país teria bondes, navegação fluvial, produção de madeiras nobres, pontes, aeroportos, escolas e hospitais. A comparação entre antes e depois da tomada dos alemães contaria pontos para o Führer.”

Apesar de chegar até os altos escalões da SS, o Projeto Guiana nunca saiu do papel. Naquele verão de 1940, os nazistas tinham todas as suas atenções voltadas para a Europa Ocidental. Com Holanda e França ocupadas pelos alemães, suas colônias (o que incluía Guiana Holandesa e Francesa) estavam automaticamente sob domínio de Hitler. Na visão triunfante dos alemães, assim que vencessem a guerra na Europa, bastaria vir até a América tomar posse dos territórios. Como sabemos, não foi assim. O fracasso no front soviético e o desembarque dos americanos na França fez com que qualquer plano de soldados nazistas circulando em nossas selvas fosse abortado.

Já Otto Schulz-Kampfhenkel teve um final de guerra agitado. Com outros cientistas, formou uma tropa de elite de pesquisadores a favor do nazismo. Fazendo fotos aéreas e analisando terrenos, passou pelo Deserto do Saara, Itália, Grécia, Iugoslávia, Finlândia, Polônia e Ucrânia. Em 1945, foi preso pelas forças americanas, sendo solto no ano seguinte. Foi para Hamburgo, onde produziu filmes, escreveu livros e fundou o Institut für Weltkunde in Bildung und Forschung (Instituto de Formação e Pesquisa de Ciência do Mundo). Funcionando até hoje, a instituição fornece material de ensino de geografia para escolas alemãs.

 

O Projeto Guiana, passo a passo

1. Entrando discretamente pela Foz do Amazonas, 150 soldados alemães subiriam o Rio Jari para tomar a capital da Guiana Francesa, Caiena.

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2. Pequenos barcos e dois submarinos avançariam pela costa da Guiana Britânica.

3. O passo seguinte seria o domínio da Guiana Holandesa.

4. A região serviria como base para patrulhar o Atlântico e atacar a Ásia.

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