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Outras histórias

O sobrinho folgado de Hitler, o programa nuclear japonês, o soldado de três exércitos: confira os eventos mais insólitos da Segunda Guerra.

Por Fábio Marton
Atualizado em 13 dez 2019, 17h32 - Publicado em 1 dez 2019, 17h30
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Como seria a história se o Japão nunca tivesse forçado os EUA a entrar na guerra? Pearl Harbor não era o único plano dos japoneses. A outra opção seria atacar a União Soviética. E, em Khalkhin Gol, na Mongólia, fizeram um test drive – que falhou miseravelmente. A Batalha do Rio Khalkhin (“gol” é rio em mongol) começou com uma mera escaramuça: em 11 de maio de 1939, uma guarnição japonesa ocupava a vila de Nomonhan, fronteira da Mongólia com a China tomada pelos japoneses. Viram soldados mongóis dando água a seus cavalos na beira do rio e responderam com tiros. Os mongóis fugiram, mas chamaram seus aliados soviéticos. Logo a coisa começou a escalar, a ponto de ser tornar a maior batalha mecanizada que o mundo já havia visto: seriam mobilizados 623 tanques, 1.300 aviões de combate, 112 mil soldados, no batismo de fogo do marechal Georgy Jukov. Ainda que os caças nipônicos fossem superiores aos dos soviéticos, e tenham vencido o combate no ar, seus tanques se mostraram pífios. Os japoneses subestimaram seriamente seu inimigo e caíram numa armadilha, uma manobra de flanco por tanques. A batalha terminou em 16 setembro, com a Segunda Guerra já correndo há duas semanas. Os japoneses se retiraram de volta à vila. Estavam dispostos a resistir, mas a notícia de que os aliados nazistas e os soviéticos haviam firmado um acordo de não agressão – o Pacto Molotov-Ribbentrop – tornou a coisa injustificável. Foi assim que o Japão decidiu se focar no mar, atacando colônias ocidentais, e não na União Soviética, que ficaria livre para ser a principal força a varrer o nazismo da Europa. Tivesse ela que lutar uma guerra em dois fronts, e sem o envolvimento dos EUA, haveria uma chance forte de que o Eixo tivesse vencido. Até hoje, historiadores russos, quando não consideram Khalkhin Gol o começo real da Segunda Guerra, listam-na como uma das mais decisivas, ao lado de Pearl Harbor, Stalingrado e o Dia D. (Dōmei Tsushin/Wikimedia Commons)
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Batalha de Los Angeles ou Grande Bombardeio de Los Angeles: dois nomes sarcásticos para o mesmo incidente. No dia 24 de fevereiro de 1942, a Inteligência Naval enviou um alerta às forças na cidade de que um ataque aéreo era esperado em dez horas, após sinalizadores e luzes piscantes serem observadas nos céus. O alerta foi cancelado às 22h23, mas as tropas ficaram de prontidão olhando para cima. Às 2h25 os alarmes soaram pela cidade, um blecaute foi iniciado e os voluntários da defesa antiaérea saíram às ruas para garantir que nenhuma vela fosse acesa. Às 3h06, avistando algo no céu, a primeira bateria antiaérea começou a disparar, levando a uma reação em cadeia, na qual todas, em meio ao ruído infernal das sirenes, rugiriam sem cessar até às 4h14. Múltiplos prédios da cidade e vários veículos foram danificados pela munição antiaérea. Cinco americanos perderam a vida. Nenhum japonês estava sequer perto da cidade. As investigações concluíram que um balão meteorológico fora o objeto inicialmente avistado pela Marinha. (Reprodução/Domínio Público)
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Não é verdade que os EUA estivessem completamente invulneráveis na Guerra. Em quatro ocasiões, submarinos japoneses conseguiram atacar alvos em terra nos EUA, todas em 1942: no campo de óleo de Elwood, 23 de fevereiro, no Farol de Steven Point, 20 de junho, no Forte Stevens, 22 de junho, e o mais espetacular, ataque aéreo Lookout, com um avião saído de um submarino, em setembro. Nenhum causou vítimas ou dano maior. A campanha de balões também teve resultados pífios. No Alasca, porém, a situação seria bem diferente. Em 3 de junho de 1942, uma frota japonesa com dois porta-aviões conduziu um ataque a Dutch Harbor, onde havia um regimento de infantaria e artilharia naval, matando 42 e destruindo 16 aviões. Três dias depois, um contingente de 500 combatentes descia na ilha de Kiska, tomando a mínima guarnição de uma estação climática (dez pessoas), matando duas, prendendo o resto e enviando para os campos de prisioneiros no Pacífico. No dia seguinte, outra ilha, Attu, só com civis, era tomada por uma força de 1.140. Um foi morto e 46 capturados. As ilhas eram parte do arquipélago das Aleutas, uma faixa dividida com a Rússia, que vai da Sibéria ao Alasca. Ainda que, em si, não tivessem qualquer recurso, estavam numa posição de atacar por ar os EUA e servir de entreposto naval. E vice-versa contra o Japão. Mesmo se os japoneses não esperassem controlá-las indefinidamente, retardariam o progresso dos americanos. Ainda assim, mandaram construir um aeroporto em Attu. A situação deixou os EUA em pânico: os japoneses pareciam prestes a invadir o resto do país. Mas a reação levaria quase um ano. Em 11 de maio de 1943, um contingente de 15 mil americanos desembarcou em Attu, e enfrentou feroz resistência dos japoneses, terminando em ataques banzai de espada. Dos 2.900 japoneses na ilha, apenas 29 seriam capturados com vida, ao custo de 549 americanos. Em 15 de agosto, foi a vez de Kiska. Esperando reação, os americanos contaram com o apoio de infantaria canadense, desembarcando do lado oposto da ilha. Quando se encontraram, no meio da neblina, abriram fogo uns contra os outros. Com isso, mais minas terrestres e armadilhas deixadas pelos japoneses, e acidentes, a retomada de Kiska custaria 92 vidas de Aliados. Não havia mais nenhum japonês na ilha. Eles haviam batido em retirada em julho. (Reprodução/Domínio Público)
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A primeira reação de fissão nuclear controlada por humanos aconteceu na Alemanha nazista. Em dezembro de 1938, publicavam o resultado de seu trabalho o físico Otto Hahn e sua equipe – que incluía a judia Lise Meitner, que não estava mais no país, recém-fugida do regime com a ajuda de Hahn. Ao bombardear urânio com nêutrons, quebraram seus átomos. E, bem antes, uma parte enorme da ciência nuclear havia sido desenvolvida na Alemanha, começando pelo próprio Einstein e sua equação e=mc², em 1905. Seria de se esperar que o país tivesse condições – e vontade, sendo a potência que era – de desenvolver a bomba atômica primeiro. Mas não chegou nem perto. O que aconteceu? Nazismo aconteceu. Dos 26 físicos nucleares alemães citados em trabalhos acadêmicos, 13 abandonariam o país logo após a tomada de poder por Hitler, em 1933. No total, 11 físicos e quatro químicos que venceriam o Nobel foram embora. Dos que ficaram, todos os considerados “judeus” acabaram expulsos do serviço público. Max Planck, o pai da Física Quântica, tentou convencer Hitler pessoalmente que isso seria um tiro no pé, só para ouvir o Führer ralhar contra os judeus. Werner Heisenberg (na foto), ganhador do Nobel de 1932, foi chamado de “judeu branco” pelo líder das SS, Heinrich Himmler, por ensinar a Teoria da Relatividade. Heisenberg, Planck e Hahn, como vários outros, continuaram a trabalhar na Alemanha. Os mais proeminentes cientistas ainda no país se reuniram duas vezes em 1939 para discutir energia e armas nucleares, no Uranverein (“Clube do Urânio”). A segunda, no dia do começo da guerra, 1o de setembro. Concluíram que a bomba alemã levaria no mínimo cinco anos. Heisenberg apresentou os resultados a Hitler, mas fez da maneira mais casual possível, de forma a mantê-lo desinteressado. Os nazistas perguntaram quando os EUA teriam a bomba. Heisenberg cravou “1944”. Não que o cientista fosse um rebelde: ele tinha medo que, se fracassassem, Hitler mandaria matar todo mundo. Deu certo. Os nazistas achavam que a guerra terminaria, com sua vitória, bem antes de 1945. O programa foi tratado como baixa prioridade, empurrado com a barriga e engavetado em 1942, em favor da pesquisa por energia nuclear. Mas, mesmo se Hitler quisesse, provavelmente seria impossível: técnicos e jovens cientistas acabaram recrutados para as Forças Armadas. As reservas de urânio foram divergidas para o fabrico de munições (mais denso que o chumbo, o urânio empobrecido, pouco radioativo, é usado até hoje para isso). E pense que, com todo o apoio e financiamento possível, o Projeto Manhattan ainda assim não conseguiu produzir a bomba atômica a tempo de ser usada contra seu alvo planejado, a Alemanha. Heisenberg havia sido otimista demais. (Bundesarchiv/Wikimedia Commons)
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O Japão também não deixou de notar as possibilidades do experimento de 1939 de Hahn. Sob a batuta de Yoshio Nishina (na foto), que havia trabalhado com o dinamarquês Niels Bohr, um dos fundadores da ciência nuclear, os japoneses teriam condições técnicas. Mas não havia material suficiente nem paz para trabalhar, nem interesse: em 1943, um comitê liderado por Nishina havia concluído que a bomba seria tão complicada que os americanos não a concluiriam antes do fim da guerra. Quando a bomba caiu em Hiroshima, a reação inicial foi de ceticismo. (Reprodução/Domínio Público)
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Você mora num país democrático, mas seu tio se torna ditador absoluto de outro país. O que você faz? William Patrick Hitler viu uma oportunidade. Nascido em Liverpool, Inglaterra, era filho do meio-irmão de Adolf, Alois Hitler Jr., e da irlandesa Bridget Dowling. Quando o tio, enfim, se tornou todo-poderoso, em 1933, ele, que já havia morado um tempo na Alemanha, voltou para ficar, pedindo por uma posição no governo. O tio descolou para ele um cargo num banco estatal, o Reichskreditbank. Depois William trabalharia na fábrica de automóveis Opel e, enfim, como vendedor de carros usados. (O pai de William também morava na Alemanha, se matinha longe da política e tinha um bar.) Exigindo seu privilégio nepotista, William passou a ameaçar o Führer de contar histórias constrangedoras da família, a começar pelo próprio pai, que abandonara William e sua mãe para se casar de novo, ilegalmente. E também que o avô de Hitler seria judeu. Em 1938, enfim, o tio pareceu ceder e prometeu um cargo no governo, a troco do sobrinho abandonar sua cidadania britânica. Acreditando que isso seria a senha para seu assassinato, William fugiu do país, de volta para a Inglaterra. Em janeiro de 1939, perseguido por seu sobrenome, mudou-se para os EUA. Em 4 de julho de 1939, publicou um artigo na revista Look chamado “Por que eu odeio meu tio”. Entre várias acusações, estava a de que Hitler mandara matar Geli Raubal porque estava grávida. E que o Führer havia ameaçado se matar se ele continuasse a publicar seus segredos de família. A raiva parecia sincera. Depois de muito insistir e já naturalizado cidadão americano, William conseguiu entrar na Marinha, em 1944. Lá, fazia troça, apresentando-se por seu sobrenome: “Prazer, eu sou Hitler!”. Chegou a ver ação, mas foi bem longe do tio: enviado ao teatro do Pacífico, seria ferido por uma explosão, ganhando a comenda do Coração Púrpura. Dispensado em 1947, “Bill Hitler” mudou seu nome para William Stuart-Houston. Era uma piada: Houston Stewart Chamberlain, filósofo reacionário britânico, era uma inspiração do nazismo e foi chamado por muitos de “João Batista de Hitler”. Bill fundaria um laboratório de análises clínicas e morreria em paz, em 1987. (US Navy/Domínio Público)
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Foi o grande meme da Segunda Guerra: um homenzinho narigudo olhando por cima de um muro com a frase “Kilroy Was Here”. Aparece pichada em muros, banheiros, ex-bases inimigas, todos os lugares, na Europa e no Pacífico, onde atuaram os Aliados. A frase é americana e já era pichada antes da guerra, em quartéis. O homenzinho, chamado Chad, não Kilroy, foi uma invenção britânica, desenhado por civis e membros da Força Aérea Real. Em algum ponto eles acabaram mesclados. (National WW II Memorial/Wikimedia Commons)
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Dar descarga na privada: quando você tem 5 anos de idade, soa assustador. Se você estivesse num submarino da Segunda Guerra, também soaria. Uma privada num submarino era um aparato extremamente complexo. Como água doce é um recurso precioso, a água do mar tinha que ser usada para varrer a sujeira para o próprio mar. Mas a pressão das profundezas torna o processo complicado, porque é preciso vencer a pressão na saída e contê-la na entrada. Assim, geralmente os submarinos alemães só permitiam o uso do banheiro quando perto da superfície. Isso não era um problema no começo da guerra, quando os submarinos só submergiam próximo aos inimigos, fazendo a maioria do percurso sobre a água. Mas os Aliados melhoraram suas defesas, os submarinos evoluíram em resposta, e, nos últimos anos, era preciso ficar embaixo d’água muito tempo. Assim, o U-1206 tinha uma grande inovação: um banheiro ultramoderno de profundidade, que disparava seu conteúdo no mar por meio de uma câmara de ar comprimido. Em 14 de abril de 1945, cumprindo uma missão no finalzinho da guerra, o submarino estava submerso a 15 quilômetros da costa da Escócia. Foi quando o capitão Karl-Adolf Schlitt sentiu o chamado irresistível da natureza. Sem entender o complicadíssimo mecanismo diante de si, ele desistiu e chamou um engenheiro. Que também não era especialista em privada e acionou a válvula errada. Em horror, viram a água do mar jorrar para dentro, em alta pressão, criando um violento chafariz que disparou ao alto o produto do trabalho recente do capitão. A insalubre água saiu do banheiro e escorreu até cobrir as baterias do submarino, logo abaixo do banheiro, que reagiram soltando gás de cloro. O capitão então ordenou a emersão imediata, disparando torpedos e soltando o lastro. Ao chegar na superfície, foram recebidos por aviões Aliados, que atingiram o U-1206 com bombas. Schlitt não teve opção senão abandonar o navio. Ele, e a maioria da tripulação, 46 membros, sobreviveriam, chegando às praias da Escócia em botes salva-vidas de borracha. Três pereceriam caindo dos botes. (Haring/Domínio Público)
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Glyndwr Michael: esse é o nome de um dos heróis menos celebrados da Segunda Guerra. O que ele fez foi tomar veneno de rato e morrer, em 24 de janeiro de 1943. Foi depois disso que se tornaria uma figura decisiva da campanha da Itália. O corpo de Michael, indigente, foi requerido pelo MI-5 – Military Inteligence, Section 5, a agência real do fictício James Bond. Esperou por sua missão na geladeira, até 17 de abril. Vestido como um oficial britânico, foi deixado, com documentos “secretos” nas costas da Espanha – os Aliados sabiam que o ditador Francisco Franco, simpatizante do nazismo, passaria a informação. Era a duvidosamente batizada Operation Mincemeat (“carne moída”). E esses documentos diziam que a Invasão da Sicília era uma farsa para ocultar a invasão real, na Grécia e na Sardenha. Os nazistas morderam a isca e a invasão dos Aliados correu com bem menos oposição do que o esperado. (The National Archives/Reprodução)
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É famosa a história de Hiroo Onoda (acima), soldado japonês que permaneceu “defendendo” sua posição numa ilha filipina até março de 1974, recusando-se a aceitar que a guerra tinha acabado, até que seu superior foi enviado para “dispensá-lo”. O que pouca gente sabe é que ele foi um entre dezenas. Doutrinados pela suposta invencibilidade do Japão, defendida pelas Forças Armadas, muitos soldados permaneceram por décadas lutando pelo imperador em lugares esquecidos. Onoda nem foi o último: em dezembro do mesmo ano, Attun Palalin, um nativo taiwanês recrutado, que não falava nem japonês, rendeu-se à Força Aérea Indonésia. Desde então, relatos continuaram a pipocar sobre remanescentes. Attun foi o último confirmado. (Malacañang Palace/Domínio Público)
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Leônidas, o herói da Guerra do Peloponeso, segurou os invasores persas nas Termópilas. E morreu. Para entrar no Esquadrão Leônidas, idealizado em fevereiro de 1944, o voluntário devia assinar o seguinte termo: “Eu, aqui, voluntariamente me candidato a ser recrutado no grupo suicida como parte de uma bomba voadora. Estou em pleno entendimento que ser empregado nessa capacidade terá como consequência minha própria morte”. A bomba era o Fieseler Fi 103R Reichenberg, uma versão tripulada do míssil V-1, carregando 850 kg de explosivos. Tecnicamente, havia uma chance do piloto se salvar: e ele ia de paraquedas para saltar antes do impacto. Mas a entrada da turbina da aeronave ficava logo atrás do cockpit, e o piloto seria quase certamente sugado por ela. A chance calculada de sobrevivência ficava em 1%. Assim, os alemães sabiam que era mesmo a versão teutônica dos kamikazes. Setenta voluntários, a maioria muito jovem, deram um passo adiante e assinaram o documento. Em outubro, porém, a bomba foi engavetada em favor do Mistel. Nos últimos dias da guerra, com os soviéticos às portas de Berlim, o Esquadrão Leônidas de fato atacou, mas com aviões normais. O comando afirmou ter destruído 17 pontes assim, mas só uma foi confirmada. Em paralelo, a versão aérea do Leônidas foi o Sonderkommando (“comando especial”) Elbe. Sua missão era albaroar bombardeiros inimigos usando seus aviões – e os alemães até planejaram aeronaves feitas só para isso. A ideia, neste caso, era sempre saltar antes. Apesar disso, a maioria morreria: uns foram abatidos no ar, outros não saltaram a tempo e outros ainda foram mortos por Aliados em seus paraquedas (o que é crime de guerra). O Sonderkommando derrubou cinco bombardeiros inimigos em sua única missão, em 7 de abril de 1945, envolvendo 180 caças. (Ellgaard Ich Ramme/Wikimedia Commons)
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Imagine que você é um soldado alemão no tedioso trabalho de ficar na guarita. De repente, vem o som da gaita de foles. Você olha: o sujeito com o instrumento também porta uma claymore, uma espada longa escocesa, arco e flechas. E faz uso: levanta a espada ordenando o ataque e vem correndo disparando as flechas. O oficial britânico “Mad” Jack Churchill (nenhuma relação com o primeiro-ministro) não só usou de armas medievais na Segunda Guerra, mas fez bom uso delas: venceu guarnições alemãs na invasão da França, em 1940, numa escaramuça de comandos na Noruega, em 1941, na invasão da Sicília, em 1943, e na resistência Iugoslava, em 1944. Em uma ocasião, capturou 40 alemães. Na Iugoslávia, após terminar isolado, com toda sua tropa morta, começou a tocar a gaita, esperando seu momento final, mas foi nocauteado por uma granada no lugar. Foi enviado a um campo de prisioneiros, do qual escaparia, e um segundo, para fugir outra vez. E, por fim, seria reintegrado às forças para lutar contra os japoneses, quando a guerra acabou, para sua enorme frustração. Sim, ele falou “não fossem os malditos ianques, poderíamos estar lutando até agora”. As atitudes de Churchill têm explicação. Em ações de corpo a corpo, uma espada ainda é muito eficiente e bem mais assustadora que uma faca. A flecha é silenciosa. A gaita de foles, uma ferramenta moral, como tambores de guerra. (Mirrorpix/Getty Images)
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Em 1943, Stalin recebeu uma carta. Dizia: “Meu marido foi morto em ação defendendo a pátria. Eu quero me vingar dos cães fascistas pela morte dele e pela morte do povo soviético torturado pelos bárbaros fascistas. Para esse efeito, depositei todas as minhas poupanças pessoais — 50.000 rublos — no Banco Nacional, a fim de construir um tanque. Gostaria de nomear o tanque ‘Namorada Guerreira’ e ser enviada para a linha de frente como motorista do referido tanque.” Assinava Mariya Oktyabrskaya. Stalin consentiu que fosse feito exatamente como pedido: a doação foi aceita, a viúva se alistou, ganhou cinco meses de treinamento – o que era atipicamente longo para tripulações de tanque – e se tornou motorista e mecânica de um T-34, no qual escreveu na torreta (Boyevaya Podruga), a “Namorada Guerreira”. Os colegas acharam só um golpe de publicidade, e talvez Stalin concordasse, até vê-la em ação. Na primeira batalha, em 21 de outubro de 1943, em Smolensk, ela destruiu posições de artilharias e metralhadoras alemãs até seu tanque ser atingido. Sem se incomodar, saiu e consertou as lagartas, em meio a fogo inimigo. E continuou lutando. Em Novoye Selo, 17 de novembro, repetiu exatamente a mesma façanha. Sua sorte acabou em 17 de janeiro de 1944, quando, mais uma vez tentando consertar a Namorada em meio a fogo inimigo, ela foi atingida por um morteiro. Cairia em coma e morreria em 15 de março. Ganharia o título de Heroína da União Soviética. (Bundesarchiv/Wikimedia Commons)
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A notícia de que as mulheres seriam empregadas em papéis de combate, por ordem de Stalin, em 8 de outubro de 1941, foi mal-recebida. 24 anos de comunismo formalmente igualitário não havia convencido os homens do Exército Vermelho a tratar suas camaradas como camaradas. Assim, elas receberam o pior equipamento possível para o pior trabalho possível. Os primitivos biplanos Polikarpov Po-2 eram literalmente aviões agrícolas, de jogar veneno nas plantações, apelidados pelos russos de Kukuruznik (“borrifa milho”). A missão era o ataque a solo, ficar cara a cara com o inimigo, a poucos metros, correndo o risco de morrer por tiros de armas comuns. E não era nem para atacar alvos estratégicos, mas apenas acampamentos alemães, acordando brutalmente os soldados, de forma a desmoralizá-los. Missão que elas cumpriram com imenso sucesso. Atuando em esquadrilhas de tipicamente 40 aeronaves, carregando duas bombas cada, elas voavam no meio da noite, abaixo da detecção por radar ou infravermelho, e deixavam seus motores em ponto morto durante o ataque para não despertar os inimigos antes da hora. Os alemães só conseguiam ouvir o som do vento nas asas, que eles compararam ao da vassoura de uma bruxa – daí o apelido Nachthexen, “bruxas da noite”. As pilotos ligavam seus motores novamente e sumiam na noite, enquanto as bombas explodiam. A precariedade dos aviões era, paradoxalmente, uma vantagem. Eram tão lentos que ficavam abaixo da velocidade de estol dos caças alemães Bf 109 e Fw 190 – isto é, eles cairiam se voassem tão devagar. Então os caças não conseguiam mantê-las na mira, o que tornava o trabalho extremamente difícil. Em fevereiro de 1943, as “bruxas” ganharam o reconhecimento, com seu regimento recebendo o título de “guardas”, o que identificava unidades de elite no Exército Vermelho – o 46º Regimento de Aviação de Bombardeiros Noturnos da Guarda “Taman”. Continuaram em ação, aterrorizando os alemães, até a tomada de Berlim. (SVF2/Getty Images)
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Leon Weckstein nunca tinha visto a Torre de Pisa, nem em foto ou desenho. Assim, aos seus 23 anos, em julho de 1944, lá estava ele, como sargento do Exército dos EUA, pela primeira vez diante da maravilha da arquitetura medieval. Com a missão de dar a ordem para demoli-la. Leon havia sido mandado com um operador de rádio para averiguar a presença inimiga – os americanos acreditaram que houvesse vigias na torre. Se Leon confirmasse sua presença, a torre seria demolida com artilharia. E então ele simplesmente… travou. Pegou o rádio e manteve-se em silêncio. Quando os foguetes alemães voltaram a cruzar o ar, bateu em retirada. Em 2000, ao lançar seu livro de memórias, perguntado se ele achava que havia alemães na torre, respondeu: “Depois de 50 anos para pensar no assunto, tenho quase certeza”. (Divulgação/Reprodução)
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Emil Maurice (a direita), de ascendência francesa, foi um dos fundadores do Partido Nazista. Estava com eles no Putsch da Cervejaria em 1923, acompanhou Hitler à cadeia e ajudou a datilografar Mein Kampf. Na saída, em 1925, tornou-se o chofer de Hitler e, quando as SS foram fundadas, no mesmo ano, seu membro número 2, após o próprio Hitler. Não era, enfim, qualquer amigo e inclusive se envolveu numa situação íntima perigosa ao se declarar apaixonado pela sobrinha/obsessão de Hitler Geli Raubal, em 1927. No ano seguinte, ambos se separariam, mas Maurice permaneceria nas SS. Em 1935, Himmler ordenou a todos os membros das SS que provassem sua ancestralidade “ariana” desde 1750. Foi então que o nazista convicto Maurice foi descoberto “judeu” – o diretor judeu Charles Maurice Schwartzenberger, fundador do Teatro Thalia em Hamburgo, era seu bisavô. Ser 1/8 judeu não era razão para ser mandado para campo de extermínio, mas barrava alguém de ser parte das SS. Hitler, em nome da velha amizade ou com medo de ele revelar algum segredo, intercedeu em seu favor e Maurice foi declarado “ariano honorário”. Os Aliados o capturaram, julgaram e deram a ele quatro anos de trabalhos forçados. Solto, viveu como relojoeiro até 1972. (ullstein bild Dtl./Getty Images)
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Em 1935, os nazistas lançaram um concurso de fotografia para eleger a criança “ariana” mais perfeita. A foto escolhida, acima, passou a circular por revistas nazistas, pôsteres, até cartões. Tornou-se, assim, o bebê mais famoso da Alemanha nazista. Seu nome é Hessy, filha de Jacob e Pauline Lenvinsons – judeus praticantes. O fotógrafo, Hans Ballin, resolveu pregar uma peça nos nazistas, que só foi revelada depois da guerra. Assim, um bebê fofinho é uma das fotos mais subversivas do século 20. Hessy ainda está viva nos EUA. (Sonne ins Haus/Domínio Público)
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Dependendo do ponto de vista, Yang Kyoungjong é o homem mais azarado ou sortudo da guerra. Capturado pelos Aliados no Dia D, sua história havia começado em 1938, recrutado à força pelos japoneses, lutando na Batalha de Khalkhin Gol. Nessa, acabou capturado pelos soviéticos, que o puseram para lutar em 1942. Em fevereiro de 1943, foi pego pelos alemães – e posto de novo para lutar. Enfim livre, mudou-se para os EUA e viveu pacatamente até 1992. (U.S. National Archives/Domínio Público)
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É um tema de enorme apelo na imaginação popular, inspirando obras de Indiana Jones a Hellboy. Seriam os nazistas ocultistas neopagãos? E a resposta é: depende de qual nazista você está falando. Se for Adolf Hitler, o assunto morre aqui: ele, na prática, detestava todas as religiões e crendices. Só tentava usá-las para manipulação do povo. Mas a fundação do nazismo tem, sim, um pé no ocultismo. No final do século 19 e começo do 20, antissemitas reacionários alemães, uma minoria do movimento Volkisch (“popularesco”), se organizaram em torno da ariosofia: várias denominações místicas que tentavam reconstruir o passado “puro” dos “arianos” por meio de leituras místicas da mitologia germânica, pagã ou posterior. Um desses movimentos era a Sociedade Thule – de Ultima Thule, a terra mais ao norte das histórias greco-romanas. Celebravam o deus germânico Wotan, versão alemã do Odin nórdico. Seus membros preeminentes se organizaram para fundar, em janeiro de 1919, o Partido dos Trabalhadores Alemão – aquele que seria rebatizado Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (Nazi) em fevereiro de 1920. Os nazistas fundadores Hans Frank e Rudolf Hess eram da Thule. O também fundador e arquirrival de Hitler, Anton Drexler, era outro. O ideólogo Alfred Rosenberg participou como convidado. A maior herança da Thule é a suástica, um símbolo asiático que os ariosofistas acreditavam que os arianos, vindos do Cáucaso, haviam carregado consigo em suas conquistas. Hitler, porém, detestava misticismo e concorrência. Em 1920, expulsou o líder da sociedade de Thule e fundador do partido Karl Harrer, cortando laços permanentemente. A segunda parte do ocultismo nazista viria depois. Em 1923, o membro número 14.303 do partido se filiou: Heinrich Himmler, o futuro chefe das SS. Um místico influenciado pela ariosofia, fez os membros da organização celebrarem os solstícios de verão e inverno, além de cerimônias de casamento, batismos e velórios especificamente não cristãos (realizados em conjunto com ritos cristãos, se o membro assim preferisse). Adotou as duplas runas sig – – como símbolo da sua organização. O anel de honra das SS, decorado com várias runas e símbolos, era uma peça sagrada a ser devolvida na morte do usuário. Também patrocinou diversas buscas arqueológicas por indícios das origens e superioridade ariana, baseadas em mitos e lendas, mandando gente para os Andes e o Tibete. Mas isso era Himmler. Ele não estava no círculo de confidentes de Hitler, como Goering e Speer, e não participava da tomada de decisões do Reich. A esses confidentes, Hitler se referia aos ritos da SS como as “abobrinhas de Himmler”. (ullstein bild Dtl./Superinteressante)
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